Português: Análise dos capítulos I a III da Parte II de Madame Bovary

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Análise dos capítulos I a III da Parte II de Madame Bovary


             A superficialidade do romantismo de Emma fica clara nas suas interações com Leon, que compartilha do seu amor pelos sentimentos e paixão excessivos. A conversa de Emma com Leon no jantar é banal e sentimental – eles discutem como os livros os transportam para longe das suas vidas quotidianas –, mas para os dois parece arrebatadora e significativa. Ela desafia o seu casamento estável, todavia insatisfatório, com um relacionamento baseado em declarações falsamente profundas, em vez de sentimentos verdadeiros.
O nascimento da filha de Emma sublinha o materialismo dos seus sentimentos, mas também introduz alguns dos argumentos feministas do romance. Ela deseja ser uma figura materna apenas quando parece que o papel pode ser glamoroso. Assim que percebe que não pode comprar roupas e móveis caros para a bebé, o seu interesse desvanece-se, e vemos que o seu único interesse pelo filho constitui um meio para realizar os seus próprios desejos. Emma sonha ter um filho, porque acredita que ele terá o poder que lhe falta a ela. Essa declaração franca mostra que Flaubert estava ciente e talvez desaprovasse as liberdades concedidas às mulheres no final do século XIX. Emma observa que “um homem, pelo menos, é livre; ele pode explorar todas as paixões e todos os países, superar obstáculos, saborear os prazeres mais distantes. Mas uma mulher é sempre prejudicada.” Os amantes de Emma desfrutam sempre de uma liberdade que ela não possui.
            A descrição de Flaubert do mundo mundano que rodeia Emma é realista, mas um tanto exagerada. Ele usa uma linguagem poética e florida para descrever Yonville, referindo que “o campo é como um grande manto desdobrado com uma capa de veludo verde bordada com uma franja de prata”. Mas Flaubert também reconhece a banalidade do cenário quando se refere a “uma terra mestiça cuja linguagem, como a sua paisagem, não tem sotaque nem caráter”. Ao descrever a mesma cena de maneiras contrastantes, Flaubert produz dois efeitos. Primeiro, diferencia-se dos seus antecessores românticos, que teriam avaliado uma cena monótona como indigna de sua atenção. Em segundo lugar, faz contrastar a banalidade que Emma vê com a beleza que um estranho pode perceber. Flaubert estabelece assim que, embora a protagonista possa estar certa sobre o tédio da vida na aldeia, também é incapaz de captar uma camada de beleza que a sua perspetiva é muito estreita para abarcar.
            Os aldeões que cercam Emma proporcionam-nos um contexto para entender historicamente o estatuto social de Emma. A ama de leite que ela visita, por exemplo, mora numa pequena cabana com as crianças de que cuida. Quando vê a protagonista, implora por pequenas necessidades – um pouco de café, um pouco de sabão, um pouco de conhaque. Embora Emma continue infeliz porque não pode socializar com a aristocracia em Paris, a sua visita à ama de leite mostra-nos que está vive, comparativamente, bem. A estalajadeira da aldeia, por sua vez, é uma mulher prática cujas únicas preocupações são se a refeição será servida a horas e se os bêbados que frequentam a pousada vão destruir a mesa de bilhar. Embora ela não tenha imaginação, também representa algo que Emma não: uma mulher que aceita e gosta da sua vida.

Sem comentários :

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...