Português: Análise da ode "Temo, Lídia, o destino. Nada é certo", de Ricardo Reis

domingo, 29 de dezembro de 2024

Análise da ode "Temo, Lídia, o destino. Nada é certo", de Ricardo Reis

    Esta ode de Ricardo Reis é constituída por uma única estrofe de nove versos – uma nona, portanto – brancos ou soltos, de métrica irregular.
    O sujeito poético abre o poema apostrofando Lídia, para, em tom confessional, lhe dar conhecimento do seu receio face ao Destino. Qual a justificação para esse receio? A resposta é simples: o «eu» teme o incerto e o desconhecido, as fontes de todas as suas angústias: “Nada é certo.” O ser humano não está a salvo de, a qualquer momento, lhe suceder algo que transforme a sua existência, geralmente para pior. Assim sendo, qualquer coisa que façamos fora do que conhecemos, quando arriscamos e, por nós próprios, entramos no desconhecido, sentimos medo e insegurança, exatamente porque estamos a entrar no desconhecido e não sabemos o que nos espera, o que nos vai acontecer. Deste modo, devemos ter a inteligência de nos mantermos fiéis ao que conhecemos, até porque o Destino pode mudar tudo a qualquer momento, o que gera desconfiança e incerteza.
    Os deuses, graves, as forças poderosas e misteriosas que comandam os seres humanos e têm apenas acima de si o Fado / o Destino, guardam as coisas belas da vida, o que significa que nós, meros e frágeis humanos, não temos qualquer controlo sobre a nossa existência. Assim sendo, devemos recear a mudança e a novidade, que, regra geral, se operam em sentido negativo.
    Como agir, então, perante esta constatação e este estado de coisas? Na esteira da filosofia estoica e epicurista, e dado que não somos deuses, o sujeito poético aconselha Lídia a viver o presente, o momento, e a não se aventurar no desconhecido, isto é, aconselha-lhe moderação, prudência e o gozo das coisas simples da vida.
    Na parte final da ode, o «eu» lírico usa o adjetivo «parca», que pode significar «escasso», «moderado», apontando, assim, para a ideia de a vida ser escassa, isto é, breve (“E a parca vida”), como pode apontar igualmente para o apelo à prudência e à moderação. Além disso, o adjetivo remete para as Parcas, ou seja, as agentes do destino que eram responsáveis pelo fio metafórico da vida humana e que personificam o nascimento, a vida e a morte. As Parcas, filhas de Zeus e Témis ou de Nix e Érebro, escreviam o destino das pessoas numa parede de bronze e ninguém o poderia apagar. Cloto tecia os fios da vida com a sua roca; Láquesis decidia qual a extensão do fio de cada existência humana (é representada como uma matrona a desenrolar uma tira de papel onde estava escrito o destino de cada vida humana ou como uma velha coxa e feia); Átropos era a responsável por cotar o fio da vida com a sua tesoura. Em suma, Cloto fiava o fio, Láquesis media o seu comprimento e Átropos cortava-o.
    A referência às Parcas e ao facto de os seres humanos não serem deuses enfatiza a ideia da inexorabilidade do Destino e a certeza dos limites finais da existência, não comportando, pois, a exiguidade da vida as surpresas trazidas pela novidade. “Não somos deuses” constitui uma declaração sintomática onde são confrontadas, ainda que em termos de não identificação, da essência humana e da essência divina. O ser humano é cego, isto é, não conhece o que o espera, o seu destino, que é comandado pelos deuses, por isso receia o que ele(s) lhe destina(m), por isso deve valorizar a vida que lhe foi dada, por mais breve e limitada que seja, e não arriscar-se e experimentar coisas novas, que podem ser perigosas: “Não somos deuses: cego, receemos, / E a parca dada vida anteponhamos / À novidade, abismo.”

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