Esta
ode de Ricardo Reis é constituída por uma única estrofe de nove versos – uma nona,
portanto – brancos ou soltos, de métrica irregular.
O
sujeito poético abre o poema apostrofando Lídia, para, em tom confessional, lhe
dar conhecimento do seu receio face ao Destino. Qual a justificação para esse
receio? A resposta é simples: o «eu» teme o incerto e o desconhecido, as fontes
de todas as suas angústias: “Nada é certo.” O ser humano não está a salvo de, a
qualquer momento, lhe suceder algo que transforme a sua existência, geralmente
para pior. Assim sendo, qualquer coisa que façamos fora do que conhecemos,
quando arriscamos e, por nós próprios, entramos no desconhecido, sentimos medo
e insegurança, exatamente porque estamos a entrar no desconhecido e não sabemos
o que nos espera, o que nos vai acontecer. Deste modo, devemos ter a
inteligência de nos mantermos fiéis ao que conhecemos, até porque o Destino
pode mudar tudo a qualquer momento, o que gera desconfiança e incerteza.
Os
deuses, graves, as forças poderosas e misteriosas que comandam os seres humanos
e têm apenas acima de si o Fado / o Destino, guardam as coisas belas da vida, o
que significa que nós, meros e frágeis humanos, não temos qualquer controlo
sobre a nossa existência. Assim sendo, devemos recear a mudança e a novidade,
que, regra geral, se operam em sentido negativo.
Como agir,
então, perante esta constatação e este estado de coisas? Na esteira da
filosofia estoica e epicurista, e dado que não somos deuses, o sujeito poético
aconselha Lídia a viver o presente, o momento, e a não se aventurar no
desconhecido, isto é, aconselha-lhe moderação, prudência e o gozo das coisas
simples da vida.
Na
parte final da ode, o «eu» lírico usa o adjetivo «parca», que pode significar
«escasso», «moderado», apontando, assim, para a ideia de a vida ser escassa,
isto é, breve (“E a parca vida”), como pode apontar igualmente para o apelo à
prudência e à moderação. Além disso, o adjetivo remete para as Parcas, ou seja,
as agentes do destino que eram responsáveis pelo fio metafórico da vida humana
e que personificam o nascimento, a vida e a morte. As Parcas, filhas de Zeus e
Témis ou de Nix e Érebro, escreviam o destino das pessoas numa parede de bronze
e ninguém o poderia apagar. Cloto tecia os fios da vida com a sua roca; Láquesis
decidia qual a extensão do fio de cada existência humana (é representada como
uma matrona a desenrolar uma tira de papel onde estava escrito o destino de
cada vida humana ou como uma velha coxa e feia); Átropos era a responsável por
cotar o fio da vida com a sua tesoura. Em suma, Cloto fiava o fio, Láquesis
media o seu comprimento e Átropos cortava-o.
A
referência às Parcas e ao facto de os seres humanos não serem deuses enfatiza a
ideia da inexorabilidade do Destino e a certeza dos limites finais da
existência, não comportando, pois, a exiguidade da vida as surpresas trazidas
pela novidade. “Não somos deuses” constitui uma declaração sintomática onde são
confrontadas, ainda que em termos de não identificação, da essência humana e da
essência divina. O ser humano é cego, isto é, não conhece o que o espera, o seu
destino, que é comandado pelos deuses, por isso receia o que ele(s) lhe
destina(m), por isso deve valorizar a vida que lhe foi dada, por mais breve e limitada
que seja, e não arriscar-se e experimentar coisas novas, que podem ser
perigosas: “Não somos deuses: cego, receemos, / E a parca dada vida
anteponhamos / À novidade, abismo.”
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