A narrativa é contada totalmente
pela perspetiva de Emma, o que permite ao narrador começar a desenvolver o conflito
básico inerente à sua situação: ela é incapaz de aceitar o mundo como ele é,
mas não pode mudá-lo para ser como deseja que seja. Agora que está casada com
um idiota da classe média, não aceita o seu destino, por isso mergulha na
fantasia, enquanto a pressão da sua constante revolta contra a realidade a
deixa inquieta, mal-humorada e, eventualmente, fisicamente doente.
A representação do baile por parte
de Flaubert e os eventos que se seguem mostram o contraste irónico entre a
experiência de Emma e a realidade. Flaubert apresenta, em simultâneo, a
realidade externa de como Emma olha para o baile e a realidade psicológica de
como o evento lhe parece. Ela está tão feliz que não percebe que ninguém no
baile lhe presta atenção, e a sua dança insignificante com o visconde torna-se,
na sua imaginação, um tremendo momento romântico. Na verdade, esta personagem
continua a ignorar o amor bem-intencionado do seu marido bem-humorado, mas
insípido, em favor das suas lembranças do baile passadas várias semanas depois de
todos já o terem esquecido. Quando Charles decide mudar-se para Yonville na
tentativa de salvar a saúde de Emma, esta, enquanto faz as malas, atira a sua
coroa de noite para o lume. Este gesto simboliza a sua rejeição ao casamento e
ao mundo complacente da classe média que, na opinião dela, a aprisionou.
Os olhos preconceituosos da personagem intensificam a atenção
realista de Flaubert aos detalhes, nomeadamente os detalhes da estupidez de
Charles são muito ampliados. Por exemplo, o narrador descreve cada barulho que
faz quando come. Flaubert também dedica vários parágrafos a uma descrição da
rotina diária extremamente aborrecida de Emma. O seu tédio torna-se um dos
temas do romance e um meio de desenvolver a personagem. O foco do autor no
tédio marca outro dos momentos em que o romance evolui do Romantismo.
A relação de Emma com as suas raízes agrícolas também é
explorada nesta seção. Flaubert coloca uma lembrança do passado no meio da
fantasia noturna de Emma, para mostrar que ela nunca poderá, realmente, fugir
às suas origens. No baile, permite-se esquecer que não é um membro privilegiado
do mundo da classe alta que está a «visitar», mas, quando um criado parte o vidro
de uma janela, ela vê os camponeses do lado de forma, o que lhe traz à memória
a vida simples no campo da sua juventude.
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