O conto fala do avô Tonho, que morou sozinho na sua casa durante quase meio século. Quando morreu, há mais de vinte anos, cortaram a eletricidade, trancaram a moradia, que se foi deteriorando com a passagem do tempo e o abandono, ficando cheio de poeira e humidade. Antes, a casa era vibrante, cheia de filhos (dez) e vida, o que contrasta com o presente, em que se encontra em ruínas, tomada pelos espíritos de quem nunca a deixou.
Quando o último filho saiu de casa e Tonho ficou sozinho, os aldeãos tentaram atemorizá-lo para que fosse viver com os filhos, porque estavam preocupados com ele, com o facto de viver sozinho,porém o avô sempre contestou que não havia lugar para si além daquela casa.
O tempo passou, o povoado foi ficando deserto e o avô Tonho foi ficando tristonho e, um dia, pintou uma cruz branca na porta da casa e aconselhou a vizinhança a fazer o mesmo. Três dias depois, o seu corpo foi encontrado à porta da casa de Ramiro, o bêbado, com uma cruz branca pintada no peito. De igual modo, todas as casas ostentavam uma cruz branca pintada nas portas.
Os herdeiros cortaram a luz e fecharam a casa, até que um dia de verão voltaram à residência e encontraram um caderno, oculto numa frinca da parede granítica: era o diário do avô. O livro continha histórias escritas pelo pinho do defunto, episódios da sua vida ou produto da sua imaginação..
Apenas uma das histórias o tinha protagonista: num dia de outono, perto do regato dos salgueiros, sentiu um sopro frio na cara. Pouco depois, começou a chover copiosamente e de repente instalou-se a escuridão. Desatou a correr para casa e, quando chegou a um vinhedo, ouviu vozes misteriosas. Recordou então um antiga lenda que dizia que a cada setenta anos, na noite de 31 de outubro, "demónios negros, nascidos das sombras, cercavam o povoado e sugavam as almas de quem não caiasse uma cruz na porta de casa". Por isso, mal chegou a casa, desatou a pintar cruzes nas portas das casas.