O conto "A camisa de linho" inicia-se de forma misteriosa, com um som suave de batidas à porta da casa de Jacinto, um viúvo solitário que vive isolado num casebre de granito desde que perdeu a esposa, Maria, despertando a sua curiosidade. Apesar do isolamento, Jacinto não sente a falta de companhia humana, pois conta com a presença constante do seu cão, Nero, que o acompanha fielmente e parece compreender-lhe os estados de alma, reagindo às emoções do dono, especialmente quando Jacinto se mostra triste ou pensativo.
Ao ouvir as batidas, Nero, que dormitava aos pés de Jacinto, acorda subitamente, alerta e começa a ladrar, sinalizando algo incomum. O homem levanta-se com algum esforço e vai até à porta, acompanhado do cão. Ao abrir a porta, não vê ninguém e imagina tratar-se de alguma travessura de criança. Contudo, quando se prepara para a fechar, nota que Nero tem o focinho enfiado num embrulho de papel estranho.
Jacinto apanha o embrulho deixado à porta e examina-o. Intrigado, sai à rua e observa em redor, mas não vê ninguém. Senta-se na ombreira, abre o objeto com um canivete e no interior encontra uma camisa de linho branca. Nesse instante, Nero começa a ladrar e corre na direção de algo suspeito. Pouco depois, surge uma galinha preta detrás de uma laje com musgo, cacarejando. O animal persegue-a, mas ela consegue escapar, desaparecendo no telhado de um celeiro abandonado.
Jacinto chama o cão, que regressa com relutância. Afaga-o e graceja, lembrando-se então do dito popular ("Nu sabes o que se diz das galinhas pretas?") sobre galinhas pretas, e percebe o significado da estranha entrega: aquela camisa de linho constituía um presságio ou possuía um sentido oculto.
Há muito tempo, numa madrugada, Jacinto regressava exausto a casa após uma dura jornada de contrabando. Cansado e faminto, separou-se dos companheiros ao chegar ao povoado e seguiu sozinho. Subitamente, deparou com uma mulher misteriosa, paralisada, como se tivesse criado raízes no chão, que lhe disse enigmaticamente: "Nu sabes o que se diz das galinhas pretas?!", como se se tratasse de uma cantiga memorizada. De seguida, implorou-lhe que a levasse para casa, prometendo-lhe uma camisa de linho e pedindo que não contasse a ninguém acerca do encontro. Confuso e sem entender o que se estava a passar, o homem acabou por ceder, movido pela aflição crescente dela e pelo amanhecer que se aproximava.
Jacinto levou a mulher até casa, onde ela lhe agradeceu e renovou a promessa feita. O velho nunca falou do episódio a ninguém e também jamais recebeu qualquer recompensa. Com o passar do tempo, o estranho acontecimento caiu no esquecimento, até àquele momento em que lhe bateram à porta e lhe deixaram tão estranho presente.
Arrastando o corpo cansado, Jacinto dirige-se à cozinha, senta-se junto à lareira e chama Nero. Em voz alta, reflete sobre o que aconteceu naquela madrugada, associando a misteriosa mulher à crença de que galinhas pretas são almas do diabo, bruxas transformadas que, se não regressarem a casa antes da meia-noite, perdem o feitiço e ficam paralisadas.
Jacinto observa por instantes a camisa de linho e lança-a ao lume. Nero deita-se aos seus pés e os dois contemplam em silêncio as chamas.