O
cartune de Burkhard Mohr, intitulado Expulsion from paradise (publicado
a 5 de agosto de 2025), funciona como uma alegoria sobre a catástrofe ambiental
contemporânea e a insuficiência das respostas políticas para o problema. Numa
primeira apreciação, vemos as figuras bíblicas de Adão e Eva, nuas e enquadradas
no contexto da iconografia clássica, viajando numa jangada minúscula que ainda
sustenta uma árvore verde. No lado oposto, irrompe uma massa avassaladora de
detritos, uma onda onde a palavra PLASTIC (plástico) se impõe em
letras maiúsculas e onde um documento intitulado AGREEMENT (Acordo)
é engolido e rasgado. A referência bíblica estabelece de imediato um
enquadramento moral e mítico (queda, perda do paraíso), enquanto os objetos quotidianos
que compõem a onda, concretamente os copos, as garrafas, os talheres e os sacos,
mostram que o “pecado” moderno não é metafísico, mas material e social.
A
jangada é desenhada com traço firme mas económico; ela é frágil, feita de troncos,
e a árvore é pequena, o que sugere que o “paraíso” remanescente é mínimo e
vulnerável. Em contraste, a massa de plástico é desenhada com maior densidade
de sinais: traços soltos, rasgos, objetos reconhecíveis sobrepostos, uma
coloração que mistura amarelo e verde doentio, e até um núcleo quase negro, um
buraco voraz que confere à onda uma qualidade de máquina devoradora. A
tipografia manual de PLASTIC, dispersa no interior da massa, converte o
material em força discursiva; não se trata apenas de lixo, mas de um
sujeito-agente que age sobre o mundo.
Da boca
de Adão sai um balão que contém uma fala sua: “The apple tasted good anyway!”.
Ela constitui simultaneamente uma ironia e uma crítica mordaz: ironia, porque
reduz o drama à satisfação imediata; crítica, porque salienta a lógica que
sustenta a crise, isto é, o prazer momentâneo, o consumo imediato, a dissonância
cognitiva perante consequências coletivas. Ao remeter explicitamente para o
fruto que originou a expulsão bíblica, a frase transforma o plástico numa
espécie de novo “fruto proibido”: agradável, conveniente, mas letal a longo
prazo. Há aqui uma crítica dupla: ao indivíduo hedonista que prefere o prazer
imediato e aos sistemas que transformam esse prazer em hábito de massa
(indústria do descartável, publicidade, infraestruturas que normalizam o uso
único).
A folha
de papel contendo a palavra “AGREEMENT”, presa à onda prenhe de lixo por uma
espécie de pionés, configura uma denúncia do consumismo, bem como da forma como
as pessoas poluem o ambiente. Por outro lado, a inscrição do cartune no
contexto de uma conferência da ONU realizada em Genebra sobre a poluição por
plástico, explicitada na legenda, convida o leitor a ver o acordo como algo que
existe, se negoceia, porém, na prática, é impotente diante do comportamento
quotidiano das pessoas. A imagem sugere que os compromissos são frágeis, ou
seja, não passam de pedaços de papel arrastados por lógica económica que os
supera. Além disso, a hiperbolização do tamanho da onda face à pequenez humana
dramatiza a assimetria de poder entre sistemas (indústrias, cadeias de consumo,
ecossistemas) e indivíduos. Outra leitura crítica possível gira em torno de um
certo fatalismo. A imagem da onda inexorável e a folha do AGREEMENT a
ser arrastada podem gerar uma sensação de desesperança: se até os acordos se
rasgam, que eficácia cabe à ação política?
Em
suma, Expulsion from paradise é um cartune que condensa uma denúncia
complexa em imagens nítidas e memoráveis: converte o plástico em personagem e
em agente destruidor, transforma acordos em papel inútil e usa o mito de Adão e
Eva para sublinhar uma perda histórica e comportamentos que condenam o ambiente
terrestre.