Português: Pinóquio na literatura infantil moderna

sábado, 1 de junho de 2024

Pinóquio na literatura infantil moderna

    Se a literatura infantil do século XVII caracterizou-se, como afirmam Coelho (1985), em Panorama histórico da literatura infantil/juvenil, e Góes (1984), em Introdução à literatura infantil e juvenil, pela adaptação de obras clássicas e de contos populares, sendo seus títulos de maior vulto os escritos por franceses: La Fontaine, Perrault, Mme. D’Aulnoy e Fénelon, o século XVIII foi marcado pelo predomínio de romances de viagens extraordinárias e de aventuras de energia vital, que seriam lidos por crianças e jovens, tendo na Inglaterra dois dos seus maiores representantes: Robinson Crusoé (1719), de Daniel Deföe, e Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift, o primeiro deles foi considerado um símbolo da civilização europeia enfrentando e sobrepujando a selvagem natureza americana.
    Entre o período clássico e a Modernidade, na divisão proposta por Foucault (1968) [Foucault (1968), em sua arqueologia das ciências humanas, propõe uma divisão histórica em três períodos: até a Renascença (anterior ao século XVI), período clássico (séculos XVII e XVIII) e Modernidade (a partir do século XIX), destacando uma fase de transição ou descontinuidade entre o período clássico e a Modernidade de 1875 a 1825.]em As palavras e as coisas, (de 1775, quando finda o clássico e ocorre um período de transição, ao início da Modernidade em 1825), temos, por um lado, dando prosseguimento às novelas de aventuras, o “[...] representante anedótico desta [linha temática] [...] o Barão de Munchhausen, (que realmente foi um oficial alemão) [...]” (GÓES, 1984, p. 85), com duas primeiras versões distintas, uma escrita em 1785 por Rudolf Erich Raspe, e outra em 1786 por Gottfried August Bürger. No entanto, a partir de 1800, conforme observa Coelho (1985), as novelas de aventura se subdividem em três linhas (aventuras de fundo histórico, aventuras de energia vital e novelas de cavalaria). Ivanhoé (1820), de Walter Scott, destaca-se entre as narrativas de aventura. A linha dos contos maravilhosos tem como maior representante, nessa fase, a coletânea dos contos de Grimm, lançada entre 1812 e 1822.
    A partir de 1825, ano que para Foucault (1968) marca o início do período moderno, no âmbito da novelística de aventuras, teríamos, segundo Coelho (1985), a continuidade das três linhas surgidas no período de transição, uma de fundo histórico (seguindo a tendência de Ivanhoé, em 1820, de Walter Scott), representada por títulos como: Notre-Dame de Paris (1831), de Vitor Hugo; e Os três mosqueteiros (1844), de Alexandre Dumas. A segunda linha, seguindo o espírito aventureiro da energia vital e da força de vontade, se destaca em obras tais quais O último dos moicanos (1826), de Fenimore Cooper; Cinco semanas em balão (1861), Viagem ao centro da Terra (1864), Vinte mil milhas submarinas (1869), A volta ao mundo em oitenta dias (1873), entre outros, de Jules Verne (Júlio Verne); O livro da Jangal (1894) e Mowgli, o menino lobo (1895), de Rudyard Kipling; O lobo do mar (1904), de Jack London; e Tarzã dos macacos (1914), de Edgard Rice Burroughs. A terceira linha representa, na forma de literatura de cordel, uma retomada das novelas de cavalaria medievais.
    Surgem ainda, nesse contexto, as narrativas policiais, que foram muito bem recebidas pelo público jovem e das quais Edgar Allan Poe é considerado precursor, destacando-se sua obra Os crimes da rua Morgue, escrita em 1841.
    Ainda no século XIX vêm à tona as narrativas do realismo-maravilhoso que, como define Coelho (1985, p. 126), “[...] decorrem no mundo real, que nos é familiar ou bem conhecido, e no qual irrompe, de repente, algo de mágico ou de maravilhoso […] e passam a acontecer coisas que alteram por completo as leis ou regras vigentes no mundo real.” (grifos nossos). Os maiores representantes dessa tendência são Lewis Carrol, com Alice no país das maravilhas (1865) e Alice através do espelho e o que Alice encontrou por lá (1872); Carlo Collodi, com As aventuras de Pinóquio (1883); e James Barrie, com Peter Pan (1904). O livro As aventuras de Pinóquio (Le avventure di Pinocchio), da autoria de Carlo Collodi, foi publicado pela primeira vez em 1883, na Itália. Utilizamos como fonte textual de nossa análise a tradução de Áurea Marin Burocchi publicada pela editora Paulinas (COLLODI, 2004[1883]) feita a partir do trabalho de revisão e organização de Ornella Castellani Polidori que, em 1983, publicou uma edição crítica com base em vários manuscritos revisados pelo próprio Collodi desde a primeira publicação em 1883 até o ano de sua morte: 1890. Para efeito de conferência com o original em italiano, consultamos inúmeras vezes, para o resumo a seguir delineado e para o nosso procedimento de análise, a reedição da primeira publicação de 1883 (COLLODI, 2001[1883]).
    Com a intenção de favorecermos a compreensão, por parte do leitor, da análise por nós procedida, apresentamos um largo resumo no qual destacamos os pontos por nós considerados relevantes, sabedores de que o livro, em suas 201 páginas, relata uma quantidade enormemente maior de detalhes e passagens.

Fabiano de Oliveira Moraes, A representação da infância em Pinóquio: a propagação
e a perpetuação do discurso hegemônico por meio da literatura infantil e da escola 

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