Com o intuito de
iniciarmos a fundamentação da análise do conto “As aventuras de Pinóquio”,
partimos das considerações de Sousa Santos (2008) acerca da alteridade do
Ocidente, em A gramática do tempo: para uma nova cultura política. O autor
afirma que o Ocidente, enquanto mais destacado descobridor imperial do segundo
milênio, instituiu o seu “Outro”, o seu descoberto, sob “[...] três formas
principais: o Oriente, o selvagem e a natureza.” (SOUSA SANTOS, 2008, p. 181).
No entanto, no
mecanismo de descoberta imperial, o nível conceitual precede o empírico, de
modo que a ideia ocidental preconcebida daquilo que é descoberto comanda o
processo de descoberta e os atos que se seguem a este, fundamentando-se tal
ideia na afirmação e reiteração da inferioridade do outro, de forma que este
último se reduza a um objeto de violência física e epistêmica: “[...] o
descoberto não tem saberes, ou se os tem, estes apenas têm valor enquanto
recurso.” (SOUSA SANTOS, 2008, p. 182). Entre os três lugares da alteridade do
Ocidente apontados por Sousa Santos (2008), focamos em nosso artigo em dois
deles: o selvagem e a natureza, intencionando identificar o quanto à infância
são relegados tais espaços de alteridade com relação ao paradigma moderno
ocidental. O selvagem, para Sousa Santos (2008, p. 185-186), “[...] é o lugar da
inferioridade [...] a diferença incapaz de se constituir em alteridade. Não é o
outro porque não é sequer plenamente humano [...]”, constituindo uma ameaça
irracional mais do que uma ameaça civilizacional. Tal inferiorização conceitual
efetivou-se a partir da identificação dos descobertos com os seres irracionais
e da natureza, considerando-se suas culturas inferiores à racionalidade
científica. A natureza, por sua vez, é o lugar da exterioridade, tanto
ameaçando o homem quanto servindo-lhe de recurso. Entretanto, a natureza e o
selvagem, enquanto ameaças irracionais constituídas, podem ser domina- das e
utilizadas por intermédio do conhecimento que os transforma em recurso. “O
selvagem e a natureza são, de fato, as duas faces do mesmo desígnio: domesticar
a ‘natureza selvagem’, convertendo-a num recurso natural.” (SOUSA SANTOS, 2008,
p. 188 – grifos no original). O autor considera que as três descobertas do
Ocidente — o Oriente, o selvagem e a natureza — “[...] permanecem intactas na
sua capacidade para alimentar o modo como o Ocidente vê a si próprio e tudo o
que não identifica consigo.” (SOUSA SANTOS, 2008, p. 190).
Fabiano de Oliveira Moraes, A representação da infância em Pinóquio: a propagação
e a perpetuação do discurso hegemônico por meio da literatura infantil e da escola
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