Do
final do século XV a meados do século XVI, a indústria desenvolve-se para além
dos quadros corporativos das cidades e há um surto de invenções e melhoramentos
técnicos, favorecidos pela procura crescente de mercadorias. Os senhores
feudais apropriam-se tanto quanto podem de terras comunais, reduzindo muitos servos
ou colonos a assalariados e produzindo para o mercado. O aumento do volume de
trocas, implicando o da circulação monetária, traz como resultado a procura de
ouro, prata e outras mercadorias preciosas. Intensifica-se o trabalho mineiro e
buscam-se minas, quer dentro quer fora da Europa. O descobrimento da prata na
América e do caminho marítimo para a Índia vêm ao encontro desta necessidade de
acréscimo dos meios de troca, e provocam uma alta de preços, ruinosa para os
que apenas vivem de foros e serviços feudais.
Tornam-se
possíveis grandes acumulações de capital e operações bancárias à escala de toda
a Europa e respetivos interesses ultramarinos. Formam-se grandes casas
financeiras, como os Fugger e os Welser. Descobrem-se meios de drenagem de
capitais, como o empréstimo público.
Estas
formas de concentração e mobilização dos meios monetários servem de base aos
grandes estados nacionais e até supranacionais, como o reino de França, o
império de Carlos V (dependente da casa Fugger e das minas de prata) e o
império português (dependente do ouro da Mina e da pimenta). Os monarcas,
recorrendo largamente ao empréstimo, consumindo em massa material de guerra,
onde já figurava a artilharia, oferecendo garantias de diversa ordem, estimulam
fortemente o crescimento do capitalismo mercantil. Por vezes a realeza favorece
a burguesia mercante; outras vezes, ajudada pela concentração do poder
económico e político, atua como vértice de uma aristocracia militar e
administrativa, na sua maior parte oriunda da aristocracia agrária.
Os
bens feudais da Igreja dão origem a constantes conflitos entre a Igreja e os
príncipes, que tendem a chamar a si, no todo ou em parte, o poder religioso e
os bens eclesiásticos, quer separando-se de Roma, como Henrique VIII de
Inglaterra, quer arrancando-lhe, como o rei de França, concessões importantes.
Com
o incremento do volume da produção, sob o estímulo do comércio europeu e
intercontinental, acelera-se o ritmo de desenvolvimento de algumas cidades,
especialmente no Reno, no Báltico e na Flandres. A burguesia industrial e
comercial destas cidades resiste às tentativas de dominação empreendidas por
Carlos V e por outros príncipes. Ao mesmo tempo, o aumento da exploração
agrícola, em que se lançam alguns senhores feudais, agrava a situação dos
camponeses e provoca insurreições como a de 1525 na Alemanha.
Estas
circunstâncias facilitaram a propagação da heresia religiosa desencadeada pelo
protesto de Lutero contra a venda de indulgências, em 1517, que inicia o
movimento de contestação da Igreja de Roma que ficaria conhecido por Reforma e
que acabaria por dividir os países europeus em católicos e protestantes. Os escritos
de Lutero e outros protestantes tornaram-se rapidamente conhecidos, graças à
recente invenção da imprensa. Relembremos que uma das suas ideias mais polémicas
foi a preconização da livre interpretação dos textos bíblicos (é sob a sua direção
que sai a primeira tradução da Bíblia em alemão). A burguesia das cidades,
desejosa de se libertar da tutela eclesiástica, apoiou, em grande parte, o movimento.
O mesmo fizeram os príncipes alemães, que cobiçavam os bens feudais da Igreja.
Massas de camponeses, artesãos e assalariados das cidades insurrecionavam-se em
nome do Evangelho contra a complexa formação social ‑ senhoria e mercantil ‑
que os oprimia. Mas Lutero condenou os levantamentos populares.
A
Igreja atravessa então um momento difícil. O rei de Inglaterra separa-se do
Papa; o de França toma uma atitude ambígua; e mesmo os príncipes favoráveis ao
Papa desacatam a Santa Sé, como Carlos V, cujo exército em 1527 saqueia Roma, saque
que revelou até que ponto a religião se sujeitara a interesses dinásticas e, em
geral, políticos e sociais.
A
necessidade duma reforma é geralmente admitida, até por alguns cardeais. Existe
uma grande corrente que, sem pôr em discussão a autoridade do Papa, preconiza a
emenda dos abusos e a interiorização do sentimento religioso. Essa corrente,
que tem o seu intérprete máximo em Erasmo de Roterdão, chegou a aparecer como
um compromisso possível entre Luteranos e «Papistas».
Entretanto,
a cultura e o saber científico desenvolvem-se. Exemplo desse desenvolvimento é
a defesa, em 1543, na Polónia, pelo astrónomo Copérnico, da teoria do
heliocentrismo, ignorada, porém, durante 72 anos, até Galileo a confirmar.
Após
uma época de anarquia e de indecisão, define-se a nova fisionomia política e
religiosa da Europa. No concílio de Trento (1545-63), cortam-se as pontes entre
os dois fragmentos da antiga cristandade: a Península Ibérica torna-se o mais
forte baluarte do mundo católico; as cidades do Reno, do Báltico e do mar do
Norte, o eixo do mundo protestante. A França está dividida entre um e outro. No
fragmento católico desenvolve-se uma reacção conhecida pelo nome de «Contra-Reforma», que consiste, sob seu aspecto
negativo, numa repressão por meios coativos de todas as manifestações culturais
suspeitas de heterodoxia, incluindo manifestações toleradas durante épocas
anteriores; e sob o aspecto positivo, numa tentativa de recuperação da Escolástica
e no desenvolvimento de formas exteriores de devoção. A Inquisição (romana,
espanhola e portuguesa) torna-se o principal instrumento de representação
ideológica. À Companhia de Jesus cabe o papel principal na difusão do novo
catolicismo "tridentino". No mundo protestante, as condições foram,
em geral, mais favoráveis à expansão da ciência, assim como à difusão de uma
cultura laica.
As
duas mentalidades afrontar-se-ão nas guerras com que Filipe II tenta submeter a
Inglaterra e as cidades da Flandres e Países Baixos. O império espanhol, abrangendo,
além da Espanha, Portugal, domínios nas Índias Ocidentais, o Brasil, grande
parte da Itália, etc., funcionará em benefício de uma aristocracia de sangue,
servida por uma poderosa organização militar e que possui, além da maior parte
da terra em Espanha, postos dominantes no comércio transoceânico e os saques e
tributos de guerra ou domínio. A defesa da fé católica é o motivo mais
frequentemente invocado por esta aristocracia feudal para as guerras no
exterior e as confiscações ou perseguições no interior. Em contraste, os Países
Baixos aparecem como uma federação de cidades burguesas invocando princípios
que mais tarde se diriam democráticos, como o direito ao autogoverno e à
liberdade de crença.
A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa
(Texto adaptado)
(Texto adaptado)