Com o
Simbolismo, o romance aproximou-se dos domínios da poesia e esta aproximação
implicou não só a fuga da realidade quotidiana, física ou social, mas também
uma nítida desvalorização da diegese. As descrições da realidade trivial, o
estudo minucioso e atento dos meios, a representação dos pequenos atos da vida
humana, etc., constituíam para os simbolistas uma tarefa tediosa e desprovida
de interesse artístico. Os aspetos evanescentes, subtilmente imprecisos e
incoercíveis da realidade, idealmente traduzíveis através da poesia ou da
música, não podem ser expressos, segundo a estética simbolista, mediante a estrutura
narrativa e discursiva do romance.
(...) São
numerosos, com efeito, os indícios de que germinava já na penúltima década do
século XIX uma nova conceção do romance - um romance fundamentalmente
preocupado com o desvelamento da subtil complexidade do eu, intentando criar
uma nova linguagem capaz de traduzir as contradições e o ilogismo do mundo
interior do homem. Parece-nos que, numa história do romance moderno, merece
muita atenção o convite que Bergson, no seu Essai sur les données immédiates
de la conscience (1889), dirigiu aos romancistas para que estes criassem um
romance de análise dos conteúdos ondeantes, evanescentes e absurdos da
consciência: «Se agora algum romancista ousado, despedaçando a teia habilmente
tecida do nosso eu convencional, nos mostra sob esta lógica aparente um absurdo fundamental, sob esta
justaposição de estados simples uma penetração infinita de mil impressões
diversas que já deixaram de existir no momento em que as designamos, louvamo-lo
por nos ter conhecido melhor do que nós nos conhecemos a nós próprios. [...]
ele [o romancista] convidou-nos à reflexão, pondo na expressão exterior alguma
coisa dessa contradição, dessa penetração mútua, que constitui a própria
essência dos elementos expressos. Encorajados por ele, afastámos por um
instante o véu que tínhamos interposto entre a nossa consciência e nós. Voltou
a pôr-nos em presença de nós próprios». A voz do mais representativo pensador
europeu do final do século XIX proclamava assim a necessidade de o romancista
romper com a herança naturalística e realista, ao mesmo tempo que apontava um
novo caminho a seguir: a exploração do labiríntico espaço interior da alma
humana.
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