N’ O Delfim, existem diversos
registos de língua.
O romance constrói-se sobre o
discurso do narrador, que dilui a fronteira que separa a escrita da oralidade
logo a partir da página inicial da obra: “Cá estou”. A coloquialidade impera ao
longo do texto, nomeadamente na interação verbal (isto é, os diálogos) e no
discurso do próprio narrador, que explora todas as potencialidades da língua ao
nível do léxico, da sintaxe, da semântica e da estilística.
O narrador privilegia o registo
culto, literário, produzindo um discurso literário quando se institui como
poeta e ensaísta ou quando combina os registos das várias personagens. Por
outro lado, ele socorre-se também da língua culta não literária, faz uso de um
registo quase policial sustentado na lógica e valorizador de uma suposta
objetividade, deixando a tarefa da pesquisa para o leitor. Outro momento ocorre
quando o narrador se apresenta como autor de um texto publicitário ou quando
procura imitar o estilo pretensamente documentalista do Abade, ou seja, quando
se aproxima da “toada dos doutores da água benta”.
O registo popular, por seu turno,
ocorre nas falas da Estalajadeira, do Cauteleiro, do Batedor e de Tomás, que
são exemplificativas da coloquialidade. Assim, o discurso da Estalajadeira é
caracterizada por um tom familiar, ora confidente, ora discreto, afetado pelo
pudor: «”Ai, ai… cala-te boca.”». Note-se, nesta fala, uma grande vontade de
falar e até uma certa fluência. Já nos casos do Cauteleiro, do Batedor e de
Palma Bravo, o seu discurso é pautado por meias frases, termos mais ou menos
boçais, alusões obscenas, injúrias, anátemas e alguns enunciados com segundos
sentidos.
No romance, encontramos também a
gíria dos caçadores de Palma Bravo, no Batedor, no Regedor e no narrador, as
suas arteirices e preparativos. No entanto, nalguns passos, este registo dará
lugar a outro mais técnico-científico, exemplificado pelas citações do Tratado
das Aves. Igualmente técnico-científico é o registo estereotipado do Regedor:
o dos autos, porque acima de tudo está a “verdade dos factos”: “Altercaram as
partes… envolveram-se em desordem da qual resultaram ofensas morais e corporais…”.
A personagem-narrador, autor e
escritor, possui um fino espírito crítico, bem como um grande poder de
observação que se foca em variadíssimas coisas, como, por exemplo, os atos de
fala das personagens, traços recorrentes, tiques, em suma, uma idiotice, ou
seja, a maneira de falar própria de um indivíduo. O próprio escritor irá imitar
vários idioletos através do chamado discurso estilizado. Vejamos exemplos dos
mesmos: “Tu é que sabes. Tu é que és escritor. Possivelmente”; “E quanto ao
automóvel «não há hipótese», como diria o Engenheiro. Positivamente”; “Absolutamente.
Ou antes, positivamente…”; “Positivamente, Engenheiro Anfitrião”; “Duas
silhuetas de moeda [Tomás e Maria das Mercês], dois infantes do meio-dia. Dois
quê?”; “Sorrio. Infante nunca foi um termo meu. Saltou-me à ponta da
frase porque desde que cheguei que o tenho ouvido”.
Relativamente à imitação do idioleto
das personagens, poder-se-á tratar de uma paródia ou de uma contaminação do
discurso do narrador, também ele preso ao cosmos da Gafeira.
Assim, é lícito concluir que, n’ O
Delfim, coexistem harmoniosamente diferentes registos linguísticos: ao lado
de uma comunicação simples, quotidiana, pautada por frases batidas, bordões
linguísticos, provérbios e sentenças populares, encontramos o registo erudito e
até poético do narrador.
Quanto à norma linguística, o
romance reflete a língua padrão, dado que o seu vocabulário é corrente e
acessível, a construção sintática é relativamente simples, observando-se as
regras de correção gramatical. Sucede que, na obra, o complicado não é o texto
das linhas, mas o das entrelinhas.
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