A verosimilhança é a qualidade do
que é verosímil, ou seja, aquilo que, neste caso, no romance se conta é crível,
dado que é semelhante à realidade.
No caso de O Delfim, o efeito
de verosimilhança é criado de diversas formas. Em primeiro lugar, convém ter
presente que estamos na presença de uma narrativa narrada na primeira pessoa.
De facto, o narrador conta uma história em que participa como personagem
(narrador homodiegético) e que se institui como tal desde a página inicial: “Cá
estou”. Desta forma, cria-se a sensação de que aquilo que o narrador relata é
supostamente verdadeiro, o que é reforçado pela focalização interna. Por outro
lado, o facto de a personagem-narrador percorrer os vários espaços e a
descrição da paisagem natural (os estratos e as relações sociais) transmitem
igualmente essa sensação de realidade. Além disso, ele contacta, de facto, com
as personagens que evoca, que também o (re)conhecem. Afinal, o Sr. Escritor tem
uma história de, pelo menos, um ano por aquelas bandas, que depois narra a
partir da memória.
Em segundo lugar, são introduzidos
constantemente na narrativa referentes espácio-temporais históricos e universais.
Essa introdução de referentes históricos, políticos, sociais e culturais –
nacionais e universais –, localizados no espaço e no tempo, tornam crível que
tudo é verdade. No entanto, convém ter presente que alguns referentes espaciais
são fictícios. São os casos da Gafeira, da Lagoa e da Urdiceira.
Esta coexistência de referentes
reais e fictícios tem um papel importante na obra. De facto, ela faz com que a
Gafeira seja um local e exista. Por exemplo, na obra consta que a localidade
vem no mapa do ACP e que se situa a 135 km de Lisboa, mais concretamente no
distrito de Leiria, tal como sucede com a Lagoa e a Urdiceira.
Outro aspeto a ter em conta é a
intertextualidade, ou seja, a inserção de citações e documentos na narrativa.
Esses documentos têm várias proveniências: património oral, património
tradicional (como, por exemplo, os provérbios e sentenças populares), citações
ou alusões a obras e autores mais ou menos consagrados. Há ainda os casos da Monografia
do Termo da Gafeira, do Abade Agostinho Saraiva, e o Tratado das Aves,
composto por um Prático. Serão estas obras mais ou menos ficção? A mesma dúvida
se coloca a propósito dos títulos e notícias de periódicos.
O próprio narrador, nalguns casos,
admite que determinados elementos são pura ficção da sua autoria. É o que
acontece, por exemplo, neste passo: “Esta canção, October sigh, nunca
existiu. Nem jamais alguém a poderá repetir, incluindo eu que acabo de a
inventar e que não me hei de lembrar dela por muito tempo”. Noutros momentos,
ele cita passagens do seu caderno de apontamentos, algumas das quais não se
lembra onde as colheu (“li isto algures”, “Onde diabo fui eu buscar isto?”) e
que, por vezes, surgem a título de nota de pé de página, a qual pretende garantir
a veracidade, dado que a nota (quer do autor, quer do editor), por definição,
tem como finalidade complementar ou esclarecer algum aspeto mais ou menos
equívoco, mas sempre sobre algo que é real ou se tornou real.
Em terceiro lugar, temos a
alternância entre falar e mostrar, que é dada pela inserção alternada de
discurso direto e indireto e pela pluralidade de pontos de vista. Relativamente
ao discurso, o narrador prefere apresentar o discurso das personagens na sua
forma mais pura: o discurso direto. Em vez de dizer o que elas disseram,
dá-lhes voz no texto. No entanto, noutras ocasiões, resume as falas das
personagens por uma questão de economia narrativa ou por motivos estilísticos.
No que diz respeito à pluralidade de pontos de vista, a reconstituição de
acontecimentos (à frente das quais as mortes) baseia-se em grande medida nos
depoimentos / versões das várias personagens. Deste modo, a versão que o leitor
constrói parece-lhe credível e ele sente que participa na construção do
raciocínio.
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