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sábado, 4 de dezembro de 2021
sexta-feira, 3 de dezembro de 2021
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
"Adoração dos Pastores", de Caravaggio
quarta-feira, 1 de dezembro de 2021
terça-feira, 30 de novembro de 2021
"A Natividade Mística", de Boticcelli
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
domingo, 28 de novembro de 2021
sábado, 27 de novembro de 2021
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
O sirventês provençal
Entre as produções satíricas da
Idade Média sobressai o chamado sirventês, que nasceu e floresceu na
Provença, sul de França, por volta do século XII, na «langue d’oc», sendo,
portanto, contemporâneo do lirismo que celebrava o amor cortês.
Desde o século XI, a região da
Provença constituía um importante centro de atividade literária, sobretudo
graças à prática do mecenato cultural por parte dos senhores feudais locais.
Não é, por isso, de estranhar que lá se tenha desenvolvido a primeira grande
escola de poesia romântica em «langue d’oc», assumida posteriormente pela
«langue d’oil», isto é, pelo francês falado no Norte.
O legado mais importante da escola
provençal foi a «cansó», uma composição que versava a temática amorosa
em 5 a 7 coblas. Inequivocamente, embora tenho sido a vertente lírica do
trovadorismo a que teve mais sucesso, a satírica possui também bastante
qualidade. Segundo Rodrigues Lapa (in Lições de Literatura Portuguesa –
Época Medieval), “A cantiga escarninha toma, na Provença, dum modo geral, o
nome de ‘sirventês’. […] em nada difere da canção, e até o nome parece indicar
que a sua estrutura seguiria ‘servilmente’ a melodia duma canção. O tema era,
todavia, diferente, tinha caráter mais objetivo, refletia as opiniões e os
sentimentos do trovador sobre os homens e a vida social. Daqui necessariamente
o seu caráter moral e satírico.”
Chegaram até nós cerca de duas
centenas de sirventeses provençais, poemas de circunstância que refletem a
realidade da sua época e deixam transparecer, em certa medida, a opinião
pública de então. Esses tempos eram constituídos por invetivas pessoais, críticas
às diferentes classes sociais, elogios, reflexões morais genéricas e até
lamentações fúnebres.
Tal como sucede com vários outros
vocábulos, a origem etimológica de «sirventês» não é muito clara. Assim, há
autores que afirmam que o termo não advém diretamente de «servir», mas de «sirven»,
acrescido do sufixo -isc.
Durante o século XIII, a forma
«serventois» era usada no Norte da França para designar textos semelhantes ao
sirventês meridional. Essa forma setentrional surgiu inicialmente na Normandia:
«serventeis», formada a partir de «servant» (do latim «servantem»), ou de «sergent»
(dolatim «servientem»), pelo que, em rigor, deveria ser «servanteis» ou
«sergenteis». Talvez «serventeis» tenha resultado da influência dos trovadores
sobre a poesia do Norte da França.
Para Martin de Riqueur, tanto no
Norte, como no Sul, «sirventês» designava a canção do «sirven», isto é, do
servidor de um senhor poderoso que compunha versos destinados a atacar os
inimigos do patrão ou a defendê-lo das críticas que lhe fossem dirigidas.
Sucede que foram muitos aqueles que serviram os seus senhores quer através das
armas quer através do canto, daí que seja de considerar a existência de
relações estreitas entre o «sirven» e o trovador. Desta relação deveriam estar
afastados os jograis, dado que eram apenas os intérpretes dos poemas e não os
compositores [função restrita aos trovadores]. Além disso, os jograis eram
plebeus, pelo que não podiam usar espada, ao contrário dos trovadores que,
enquanto nobres e cavaleiros, possuíam a faculdade de servir os seus senhores
com a espada e com os seus textos satíricos.
No que diz respeito à forma, o
sirventês, inicialmente, fez uso de elementos de métrica romana, mas acabou por
se tornar epígono da cantiga, quando esta se sobrepôs às demais modalidades
poéticas. Relativamente à temática, o sirventês distancia-se da cantiga; por
outro lado, permite classifica-la em três modalidades: sirventês pessoal, moral
e político.
O primeiro compreende composições poéticas
injuriosas, de linguagem solta, que se focam na crítica a certos aspetos da
vida íntima ou profissional das pessoas. Aquelas que visavam os jograis
designavam-se «sirventês joglaresc». Alguns dos cultores desta modalidade foram
nomes como Guillem de Berguedam, Bertran de Born, Manfredi Lancia e Peire
Cardenal, a que se odem acrescentar outros como Peire d’Alvergne e Le Moine
Montaudon, estes últimos representantes do sirventês pessoal literário,
dirigido a poetas.
O sirventês moral aborda temas como
o desconcerto do mundo e a iniquidade da época, a denúncia dos vícios, a
decadência de certos valores e o enaltecimento das virtudes, a falta de
respeito e a avareza dos nobres, em comparação com tempos anteriores (mais
idealizados do que corresponde à realidade da época), em que eram valorizados –
os trovadores – e bem remunerados com roupa, alimento e dinheiro. Se,
inicialmente, o sirventês moral atacava somente a nobreza, a partir do início
do século XIII, a crítica estende-se a outras classes, o que incluía
comerciantes, clérigos, homens da lei, agricultores, estalajadeiros, médicos,
boticários, advogados, estudantes, mendigos e até os próprios reis, pelos mais
diversos vícios (conflitos, exploração, injustiças, etc.). O trovador mais
célebre a cultivar esta modalidade foi Peire Cardenal, que denuncia nos seus
textos a hipocrisia, a mentira, a fraude, a violência ou a corrupção.
Desiludido com o mundo, escreve uma parábola demolidora: certo dia, caiu sobre
uma cidade uma chuva que fazia enlouquecer todos os que molhava. A totalidade
dos habitantes, à exceção de um, foi atingida, e começaram a praticar as
maiores loucuras, sem que ninguém estranhasse tal. Assim sendo, a única pessoa
que se mantivera lúcida acabou por ser considerada louca, sendo maltratada
pelos demais e forçada, em consequência, a fugir da cidade. É evidente que a
localidade simboliza o mundo: a verdadeira sabedoria que nele se pode praticar
resume-se ao amor e ao temor a Deus, de acordo com os mandamentos. Com a queda
da chuva de orgulho e cobiça que todos corrompeu, perdeu-se a sabedoria. Deste modo,
quando surge alguém que honra Deus, é considerado louco e escorraçado. O
sirventês moral focado nos temas da mulher e do amor foi escasso, tendo
sobressaído, neste caso, nomes como Marcabru ou Peire Cardenal.
Por seu turno, o tema central do
sirventês político são os grandes acontecimentos da época, como as cruzadas do
Oriente, a Reconquista Espanhola, a luta dos reis ingleses com os senhores
feudais franceses, as lutas internas italianas ou a guerra dos albigenses. A
principal figura a cultivar esta modalidade foi Bertran de Born, figura que
amava a guerra por si mesma e semeava a discórdia, nomeadamente entre suseranos
e vassalos, irmãos contra irmãos, filhos contra pais, etc. Um dos temas
centrais – as guerras santas – era cultivado sob a forma de propaganda. No
fundo, o sirventês político constituiu um excelente veículo de propaganda de
ideais políticos, sem deixar de ser, em simultâneo, o testemunho da paixão e da
reação que determinados acontecimentos provocaram, bem como a conduta de certas
figuras.
Além destas, existem outras espécies
menores de sirventês provençal, como as chamadas «caps», que relatam ações
heroicas, mesmo algumas de realização impossível, ou os «planhs», lamentos fúnebres.
Em suma, o sirventês provençal está
na génese da sátira medieval galego-portuguesa.
domingo, 21 de novembro de 2021
Conceito de sátira
Não há certezas sobre a origem do
termo sátira, no entanto
grande parte dos estudiosos liga-a ao nome dos sátiros, divindades gregas
secundárias associadas a zombarias e farsas. Outros consideram que deriva do vocábulo
«satur», um adjetivo que era aplicado a pessoas embriagadas.
Para Jules Humbert e Henri Berguin,
a etimologia de sátira radica no latim «satura», cujo primeiro
significado, presente na expressão «satura lanx», é “prato de oferendas
diversas, oferecidas aos deuses nas celebrações que envolviam sacrifícios. Além
disso, «satura» designa uma pasta feita de diferentes carnes. Por outro lado,
a linguagem parlamentar usava a expressão «per saturam» na aceção de “em bloco”,
aludindo ao processo rápido pelo qual se regulamentavam vários negócios de uma
só vez.
O gramático latino Diomedes (século
IV d.C.) apresenta quatro hipóteses relativamente à etimologia do termo,
entendido pelos romanos como composição em versos pertencente a uma miscelânea
de poesias. Deste modo, a primeira hipótese relacioná-la-ia com os sátiros, que,
tal como sucede na sátira, dizem e fazem coisas ridículas e vergonhosas. A
segunda leva-nos até «satura», um prato cheio de muitas e variadas
primícias, que os antigos camponeses ofereciam aos deuses em festividades
religiosas. Esse prato era assim chamado por causa da abundância e fartura de
componentes. A terceira associa-o a «satura», um determinado tipo de
recheio com muitos ingredientes. Por último, a quarta remete para uma lei
chamada «satura», em que, numa única petição, se incluíam,
simultaneamente, muitas coisas, “como acontece na composição versificada do
mesmo nome, que reúne diferentes poemas.”
Salvatore D’Onofrio opta pela derivação
de «satura lanx», que significava “prato cheio” de oferendas aos deuses,
em ação de graças, um ritual que se incluía num ambiente de festa, a que
estavam associados a música, ao canto, à dança e a troca de desafios onde se misturavam
o sagrado e o profano, atingindo por vezes o obscuro.
Outros autores associam o termo a
diferentes significados. Assim, Énio remete para a ideia de mistura, tendo em
conta os diversos sentidos que «satura» adquire no título Saturae,
que deu a alguns dos seus poemas de metros heterogéneos. Em Lucílio, «satura»
traduz a variedade de tom e assunto e designa um género original.
Aparentemente, o género satírico
parece ser de origem romana e surge associado a dois traços distintivos: o
gosto pela troça e o da observação moral. O já citado Lucílio parece ter
definido o domínio característico da sátira – a crítica à sociedade – e a sua
forma poética – o hexâmetro –, pelo que é considerado por muitos o verdadeiro
criador da sátira como género literário.
Na Idade Média, a produção satírica
foi abundante, sobretudo no século XII, em França. Os principais temas eram os
abusos da Igreja, as inovações educativas, o governo secular, a moral e os
costumes dos cortesãos. A inspiração desses autores medievais centrava-se em
autores latinos, como Horácio e Juvenal, bem como noutros que não eram
inteiramente satíricos, como Ovídeo (Ars amatória), Marcial (Epigramas),
Séneca (Apocolocyntosis) e Petrónio (Cena Trimalchionis).
Recorriam também às Sagradas Escrituras e à liturgia cristã, visando a sátira
dos clérigos e das ordens religiosas. São exemplo deste tipo de literatura os Carmina
Burana, uma coletânea de poemas e textos dramáticos manuscritos do século
XIII, maioritariamente picantes, irreverentes e satíricos, escritos em latim
medieval e línguas vernáculas. Além dos já mencionados, são ainda tratados
temas como os vícios da corte, misoginia e misogamia. Existia ainda a chamada «satira
communis», que focava as diversas classes sociais: o rei, o Papa, os nobres
e todas as profissões e ofícios da época, exemplificada por obras como o De contempto
mundi, de Bernardo Morval, e o Speculum Stultorum, de Nigel de
Canterbury.
A partir dos múltiplos estudos sobre
a sátira, é possível identificar duas categorias: a formal (ou direta) e a
indireta. Aquela surge na primeira pessoa e compreende duas formas: a primeira
evoca ironicamente as loucuras e os absurdos dos seres humanos, enquanto a segunda
possui um caráter moralista, sério, visando a repreensão forte dos vícios
humanos. Já a sátira indireta é redigida na terceira pessoa e surge sob a forma
de uma narrativa, cujos protagonistas se revelam ridículos através das suas
opiniões, das suas ações, das suas falas ou pensamentos.
Outro tipo de sátira é a chamada menipeia,
que deve a designação ao seu criador, o filósofo grego Menipo. Esta forma
satírica é igualmente conhecida por varrónica, dado que foi cultivada também
por Varrão, discípulo de Menipo, e intercala momentos em prosa com outros em
verso. A sátira menipeia é originária da Grécia.
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