Este poema foi publicado pela primeira
vez em 1930, integrado na sua obra inicial: Alguma Poesia. É constituído
por uma única estrofe de sete versos (sétima) livres e não rimados, que aborda
o tema das dificuldades e os desencontros amorosos. Tal noutras poesias de
Carlos Drummond de Andrade, o que está em equação nesta é a solidão do sujeito
no mundo e a sua dificuldade em estabelecer laços com aqueles que o rodeiam, ou
seja, os amores desencontrados.
Podemos dividir o poema em duas partes.
Na primeira, constituída pelos três versos iniciais, são apresentadas várias
paixões não correspondidas: todos os indivíduos, exceto Lili, amavam sem serem
correspondidos. A confusão de sentimentos e os desencontros sucessivos
caracterizam a história que o sujeito poético está a narrar, o que nos permite
concluir que o amor não é fácil de encontrar e ainda menos de concretizar.
Na segunda parte, composta pelos quatro
versos seguintes, o sujeito lírico dá-nos a conhecer o destino das personagens
que conhecemos anteriormente: o exílio de João nos Estados Unidos, o
recolhimento de Teresa no convento, o desastre que matou Raimundo, o título de
tia (imposto?) a Maria, o suicídio de Joaquim e o casamento de Lili (que não
amava ninguém) com J. Pinto Fernandes (que até aí nada tinha a ver com a
história). Todos parecem ter ficado sozinhos ou deixado escapar o amor,
seguindo os seus destinos direções diferentes. Atente-se na forma como o
sujeito se refere ao marido: impessoal, sem nome próprio, sendo apresentadas
apenas a inicial. Por outro lado, J. Pinto Fernandes parece mais uma designação
comercial, que identifica, portanto, uma empresa ou um negócio, do que o nome
de uma pessoa. Assim sendo, talvez seja uma forma de insinuar que o
relacionamento entre o casal é distante, ou então é uma relação de interesse.
Seja como for, Drummond de Andrade parece sugerir no poema a imprevisibilidade
da vida e do próprio sentimento amoroso.
O título da composição constitui
uma referência a uma contradança de origem holandesa que granjeou enorme
sucesso na França, durante o século XVIII, onde recebeu o nome de “Neitherse”.
No século XIX, tornou-se muito popular nos salões aristocráticos e burgueses em
todo o mundo ocidental. De facto, no poema está presente a quadrilha francesa,
que se tornou tradição nas festas juninas brasileiras e que consiste na
evolução diversa dos pares, sendo aberta pelo noivo e pela noiva, pois a
quadrilha representa o grande baile do casamento que, supostamente, se
realizou, onde os casais formam pares que se entre dançam. Na composição,
homens e mulheres desencadeiam desencontros amorosos e somente quem não amava
ninguém (Lili) consegue encontrar o seu par. Metaforizado pela quadrilha, o
amor surge como uma dança onde os pares estão trocados e os sentimentos não são
correspondidos. Quase todos os indivíduos estão apaixonados e são alvo do amor
de alguém, mas as linhas parecem estar cruzadas e nenhum relacionamento se
concretiza. Aparentemente, o sujeito poético retrata o amor como algo absurdo,
uma espécie de jogo de sorte que apenas alguns têm a oportunidade de vencer.
Assim sendo, de forma simples e
recorrendo a exemplos concretos e do quotidiano, o texto ilustra o desespero daqueles
para quem o amor verdadeiro parece ser impossível. A construção do poema
assemelha-se a um ciclo vicioso: um ama outro, que ama outro, que ama outro e
assim sucessivamente. No entanto, ao contrário do ciclo vicioso, em que seria
expectável que o último indivíduo mencionado amasse o primeiro, este termina na
última personagem apresentada: Lili.
O recurso a nomes de pessoas comuns
significa que qualquer indivíduo pode ser vítima das frustrações do amor: João,
frustrado com o desamor de Teresa, parte para os Estados Unidos; Teresa,
desapontada com a não correspondência de Raimundo, procurou a clausura no
convento para nunca ser de nenhum homem, entregando a sua vida somente a Deus;
Raimundo, que amava Maria e que também não foi correspondido, morreu de
desastre, talvez numa tentativa de fugir da vida ou de si mesmo; Maria,
descontente com o seu destino, não se voltou a envolver com mais nenhum homem,
além de Joaquim, que decidiu suicidar-se por causa de Lili, que não o amava nem
a mais ninguém. De facto, esta última figura está ligada à tragicidade dos
outros indivíduos, mas é a única que não estabelece qualquer vínculo afetivo
com nenhum dos pares.
Note-se, por outro lado, que as
personagens não possuem sobrenome, à exceção de J. Pinto Fernandes. Sem origem
definida, parece simbolizar a perda da individualidade, o sentimento humano que
luta para sair do isolamento, da solidão. Assim, a vida constitui uma
experiência angustiante, na qual o convencionalismo e as aparências valem mais
do que a essência. Tudo isto é agravado pelos desencontros amorosos.
O amor é apresentado como uma extensa
cadeia de afetos, os quais se inscrevem num quotidiano centrado nas
necessidades imediatas, porém num contexto de superficialidade sentimental. O
amor é um sentimento mundano, temporal: João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili.
O poema é constituído por uma única
estrofe, determinada pela musicalidade que embala a situação de cada
personagem, cujo ritmo dos versos é um retrato cómico dos desencontros amorosos
em que a dança, isto é, a quadrilha, é a mais célebre representação da condição
trágica da carência, da desilusão do amor. No meio dos jogos de desencontros, a
dança da quadrilha determina o destino das personagens.
Os nomes são repetidos, facilitando a
identificação e memorização das personagens, visto que estão dispostos numa
certa ordem nos três primeiros versos, que é repetida nos três últimos. A
redundância é um traço modernista.
Na construção humorística e divertida
da composição poética, a troca de pares e desencontros amorosos entre as
personagens vai sendo apresentada em duplas ao leitor, como é característica
das quadrilhas, onde os pares se situam frente a frente. No entanto, há uma alternância
entre os pares, visível na presença do conectivo “que”, o qual separa e une os
pares, ou seja, os casais mostram o “porquê” dos problemas que impede a união
entre eles, isto é, da não conexão. Somente no último verso, que é marcado pela
única união (entre Lili e J. Pinto Fernandes), esta é estabelecida através da
conjunção coordenativa “e”, que evidencia a afinidade e a oposição estabelecida
entre os dois pares, pois um, só com o apelido, Lili, e o outro, só com o
sobrenome, J. Pinto Fernandes, atraíram-se, entrelaçando-se em matrimónio.
Um outro aspeto interessante reside no
facto de apenas Lili, que não possui nome próprio, apenas apelido, e é a única
personagem com essa característica, se ter casado. Ela representa o anonimato
de qualquer um que poderia ter entrado na dança e ter-se dado bem, pois, além
de se ter casado, foi a única a envolver-se com um homem possuidor de
sobrenome, dando a ideia de ser um nobre, originário de uma classe alta,
exatamente onde a quadrilha teve origem.
Todos os nomes das personagens, exceto
o de Lili e do seu par, são nomes simples, comuns, do povo, ou seja, da plebe,
que foi para onde a festa folclórica da nobreza se estendeu após ter descido as
escadarias dos palácios franceses. O J. Pinto Gonçalves, que ainda não tinha
entrado na história, e muito menos no baile, é uma representação da nobreza, da
alta sociedade, expressas no seu sobrenome. O seu primeiro nome não é citado
como o das demais personagens, está abreviado. Apenas o seu sobrenome importa,
dado que o que é marcante no seio da alta sociedade não é o nome, mas o
sobrenome. Ele representa a marca originária da família nobre à qual pertence.
É curioso que não se sabe se Lili amava ou não J. Pinto Fernandes, ou se passou
a amar ou pelo menos apaixonar pelo seu companheiro depois do enlace. Assim
sendo, não se pode dizer que foi uma união perfeita, muito menos feliz.
Se ela não amava ninguém, nem mesmo J.
Pinto Fernandes, podemos dizer que se pode ter casado simplesmente para não ter
o mesmo destino das demais mulheres do poema, ou ainda, com ambições mais
elevadas, pelo facto de querer sair do seu anonimato, por meio da aquisição de
um sobrenome de nobreza. A composição poética, que seguia uma sequência de
desencontros, foi alterada com a introdução de J. Pinto Fernandes, que «não
tinha entrado na história», isto é, alguém que ignora tudo o que tinha havido
anteriormente na vida dos outros pares e, principalmente, de Lili, a quem
recebe como companheira independente dos seus sentimentos para com ele.
Finalmente, quando o casal desconhecido se enlaça, ou se «enrola», não são
somente a música ou a dança, mas a própria vida que para quando os caminhos de Lili
e J. Pinto Fernandes se cruzaram. Podemos relacionar o poema com a dança da
quadrilha, pois as modificações e evoluções acabaram por alterar os compassos
da dança, da música e do amor.
Bibliografia:
. ANDRADE, Carlos
Drummond. Alguma Poesia. 8.ª ed.- Rio de Janeiro: Record, 2007.
. CANDIDO,
Antonio. “Literatura e cultura de 1900 a 1945: panorama para estrangeiros”. In:
Literatura e sociedade. 8.ª ed., São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 2000.
pp. 109-138
. Elenco de
cronistas modernos por Carlos Drummond de Andrade [e outros] – 21.ª ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2005.
. VILLAÇA,
Alcides. Drummond: primeira poesia. USP.São Paulo: Editora 34, 2002.
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