O poema
parte de uma epígrafe retirada de Musset, um poeta romântico francês, que se
refere aos cabelos, à sensualidade e à cruz, símbolo da religião. Aqui, junta
dois elementos: a sensualidade e a religiosidade, que será o assunto do texto.
A epígrafe não é sinal de imitação, mas estabelece a ponte para o sonho e para
a evasão, associando-se ao título por remeter também para a circunstância de
uma jovem adormecida: “Ses longs cheveux épars la couvrent tout entière / La
croix de son collier repose dans sa main, / Comme pour témoigner qu’elle a fait
sa prière. / Et qu’elle va la faire em s’eveiliant demain.”
A
descrição é feita a partir da memória, pois trata-se de uma recordação do
sujeito lírico: “Uma noite eu me lembro…”. Ele recorda a imagem da mulher a
dormir numa rede, uma cena prenhe de serenidade, doçura e sensualidade: ela
está encostada “molemente”, de roupão “quase aberto”, cabelos soltos e pé
descalço. De facto, na primeira quadra, é construída a imagem da mulher amada,
associando-a à sensualidade e à languidez suave, ideias sugeridas, por exemplo,
pelo advérbio de modo «molemente», pelos adjetivos (“aberto”, “solto”,
“descalço”). Por sua vez, as reticências abrem as portas ao onírico e deixam
algo em suspense, à imaginação, enquanto elementos como a noite, a rede, o
roupão, o cabelo ou o tapete contribuem para a construção do ambiente íntimo da
figura feminina, sugerindo claramente a intimidade e a proximidade do «eu» e da
amada.
A
segunda quadra centra-se na janela aberta, por onde entra um cheiro agreste,
proveniente das silvas da campina, e através da qual se pode ver uma noite
“plácida e divina” e “um pedaço de horizonte”. O «eu» evoca o cheiro agreste
das silvas e, de seguida, o jasmineiro, cujos galhos entravam pela janela e
tocavam na mulher, que dormia sensualmente. Ocorre aqui uma divinização ou
espiritualização do momento, quando o «eu» refere que a noite era plácida e
divina e, na quarta, se alude a um «quadro celeste», que é desenvolvido nas
estrofes seguintes. Enquanto isso, a brisa suave invadia o compartimento,
fazendo com que o jasmineiro, que estava em flor, balançasse e tocasse a
mulher. Esse instante em que a flor a tocava e ela, ao senti-la, a procurava
suavemente, causava sensações eróticas no sujeito poético.
As duas
estrofes seguintes apresentam um “quadro celeste”, doce e sensual: o
jasmineiro, personificado, é apresentado num movimento cujos galhos, obviamente
também personificados (“galhos encurvados / indiscretos entravam pela sala… /
Iam na face trémula beijá-la”), quais braços humanos, balançam, ora se
aproximando, ora se afastando da mulher adormecida, constituindo cada
aproximação da face feminina uma tentativa de a beijar. O jasmineiro, um ser
inanimado, é, de facto, personificado, isto é, são-lhe atribuídas
características dos seres animados, de modo a poder executar as ações que o
«eu» não pode ou não consegue. Assim, a planta passa a desejar a mulher, sendo
que esta o manipula por meio da sedução, ou seja, permanecendo dormindo, sedutora,
na rede.
O que
se segue é uma espécie de jogo de sedução, em que o jasmineiro e a mulher
brincam como “duas cândidas crianças”: quando a flor da planta beija a figura
feminina, esta, mesmo que em sonhos, estremece e, quando tenta devolver o
beijo, aquela foge com o balanço do jasmineiro. O sujeito poético coloca-se na
posição de observador e contempla esta cena. Por outro lado, ao colocar a
natureza e a mulher em contacto físico – e logo através de algo tão
profundamente íntimo como um beijo – prossegue a construção da cena de
sensualidade. O recurso a formas verbais no pretérito imperfeito (“estremecia”,
“serenava”, “beijava”) e a insistência nas reticências criam um clima de
erotismo comedido através da interação e troca contínua de carícias entre a
mulher e a flor. O jasmineiro age como um amante que, sorrateiramente, acaricia
a figura feminina, beija a sua face e depois se afasta quando ela tenta
devolver o beijo. Atente-se ainda no facto de a flor, para a biologia, ser o
órgão reprodutor das plantas, pelo que se pode entender como metáfora do órgão
sexual feminino, constituindo o seu desfloramento a perda da virgindade.
É
curioso observar dois movimentos contrários. Num primeiro momento, o
jasmineiro, através dos seus galhos, seduz a mulher, beijando-a (o que deleita
o sujeito lírico: “quadro celeste”), contudo, posteriormente ocorre uma
inversão de papéis quando ela tenta beijar a planta, que, no entanto, foge. Ou
seja, ela não só aceita a sedução, como também a retribui, porém é recusada.
Por que
razão é escolhido o jasmineiro e não uma outra planta ou árvore para
contracenar com a mulher? O jasmineiro é um arbusto pequeno, ereto ou trepador
com caules longos, o que permite encará-lo como metáfora do órgão sexual
masculino. Por outro lado, essa planta também possui propriedades afrodisíacas,
o que reforça a ideia da sedução presente no texto.
A
quinta estrofe infantiliza a mulher e coloca-a num plano virginal, ao
associá-la a uma criança, enquanto a brisa, que agitava as folhas verdes, fazia
ondular os seus cabelos negros entrançados. Vocábulos como «doce», «brincavam»,
«cândidas» e «crianças» conferem à cena ingenuidade, infantilizando a figura
feminina e valorizando a virgindade, característica de sociedades antigas e
mais conservadoras.
A
última estrofe enaltece o caráter virginal da mulher amada e estabelece a
relação de identificação entre a mulher e a natureza. Nos dois versos iniciais,
o sujeito lírico clarifica o seu estatuto de observador da cena (“Eu, fitando
esta cena”) e, nos dois últimos, começa por caracterizar o jasmineiro de
“virgem das campinas”, para, no derradeiro, se dirigir à amada, apelidando-a de
virgem e a definir como a flor da sua vida. Assim, ao denominar a natureza e a
mulher por meio do mesmo vocabulário, promove a identificação entre ambas. Na
verdade, podemos concluir que o «eu», ao observar o jogo de sedução entre o
jasmineiro e a jovem, o vento que lhe agita os cabelos, os beijos da flor e o
subsequente retraimento, na realidade, desejava ser ele mesmo a acariciá-la, beijá-la e repeli-la. Note-se
também que a imagem final que ressalta passa pela negação da sedução negativa e
pela exaltação da pureza e virgindade da mulher: ela permanece virgem, apesar
de toda a sedução de que é objeto e da ação do jasmineiro / da flor. Atente-se na
expressividade do adjetivo «lânguida», que caracteriza a noite, o qual
significa “doçura”, “sensualidade”, “voluptuosidade”, mas também “abatimento”, “fraqueza
emocional ou física”.
Ao
longo do poema, existe uma oposição entre as ideias de sedução/sensualidade (o
roupão aberto, a carícia, os beijos, a chuva de pétalas no seio, o
estremecimento da mulher, o cabelo solto, o adormecimento, etc.) e de pureza,
sugerida pela adjetivação (“cândidas”, “celeste”, “divina”, “doce”), pela
associação a uma criança ou por nomes como “virgem” ou “sonhos”.
Neste
poema, já não temos a natureza em todo o seu esplendor, mas sim uma cena de
interior, em que aquela está presente apenas em parte: aquilo que entra pela
janela. É uma natureza muito expressiva e essencialmente romântica. No
Romantismo, a natureza começa por ser cenário; depois é mais que isso:
participa na ação e pode identificar-se com a mulher – “Brincavam duas cândidas
crianças” (natureza + mulher).
Apesar
de ser um poema romântico, há elementos específicos do Brasil, como a «rede»,
elemento específico dos costumes brasileiros, símbolo da sensualidade e que
aparece ligada à mulher. Esta é identificada com a natureza, mas também com a
criança. A descrição surge de uma atitude de contemplação do «eu» poético: é
retórica e principalmente expressiva e tem como características fundamentais a
sensualidade. Essa identificação acentua-se nos dois últimos versos do poema,
ao ser classificada como «virgem» a flor e a «virgem» como flor.
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