Dioniso é
um deus que está associado ao fruto carnudo e suculento, como a uva ou o figo,
opondo-se, neste sentido, a Deméter, deusa dos cereais, do trigo, da cevada.
Se, por um lado, a fruta dá a sensação de prazer imediato, o grão é pouco
saboroso, porém os dois tipos de alimentos completam-se, pois é o grão que
sustenta, é ele que simboliza a civilização, o plantio e, portanto, o esforço
humano. O fruto carnudo e doce, pelo contrário, é colhido diretamente, pelo que
se trata de uma dádiva da natureza. Assim sendo, Dioniso é o deus do contacto
direto, sem esforço, com o prazer.
Por outro
lado, Dioniso opõe-se também a Apolo. Embora este, nos poemas homéricos, possua
igualmente um caráter violento (por exemplo, são as suas flechas que, na Ilíada,
dizimam os aqueus a pedido de Crises, o seu sacerdote), por estar associado à
música e à poesia através da lira (que, na verdade, revela a violência original
do arco e da flecha), tornou-se o deus da simetria da forma, da grave
determinação, da seriedade de tom, características apolíneas.
Dioniso
também está associado à poesia e à música como Apolo, mas o seu instrumento é a
flauta, aulos em grego, um instrumento duplo de sopro que soaria mais
como um oboé ou uma gaita de foles escocesa, portanto distante do som suave das
flautas atuais, mas mais apropriado aos êxtases dionisíacos.
O culto de
Dioniso é muito antigo na Grécia, remontando à época micénica, estendendo-se os
seus centros de culto desde Atenas a Tebas, Corinto e Naxos. O verso usado nos
cantos que ocorriam nas celebrações dionisíacas era o ditirambo, um
canto lírico copmposto por elementos alegres e dolorosos que, além de narrar os
momentos tristes da passagem de Dioniso pelo mundo mortal e o seu posterior
desaparecimento, exprimia, de forma exuberante, uma quase intimidade dos homens
com a divindade que lhes possibilitara chegar ao êxtase. O hino assumia a forma
de uma dança coral acompanhada de gestos e movimentos ilustrativos, dança essa
que se chamava órchesis. Este canto em coro acabou por se definir
como trágico e dele resultou a tragédia: uma representação viva feita por
atores que narrava os acontecimentos ocorridos no plano mítico e que,
problematizando a situação do herói, discutia os valores fundamentais da
existência humana.
As características
especiais de Dioniso acabaram por atrair outros seres, como os sátiros, por
exemplo, que possuíam características animalescas e que representariam forças
vigorosas da natureza, paixões e emoções humanas. Regra geral, eram
representados como cobardes, sensuais, livres e bem-humorados e com um pénis
permanentemente ereto. Havia também os silenos, sátiros velhos, bêbedos e
lascivos. Além disso, existiam ainda as bacantes ou mênades, que
eram entidades femininas, umas vezes ninfas, outras mulheres mortais, que
tomavam parte no cortejo de Dioniso com os cabelos soltos e enfeites florais e
que, para contactarem com o deus, se entregavam ao êxtase (o entusiasmo). A
Dioniso, estavam também associados os centauros, que representavam a
força e o vigor natural e se embriagavam frequentemente, bem como Pan, o
deus da vida rural.
Este
conjunto de seres configuraria na imaginação grega algo que é recorrente em
várias culturas: o sentimento de que há algo pulsante e incontrolável no mundo,
mas que constitui também uma manifestação de uma dimensão superior ao homem,
algo que se, por um lado, pode ser fonte de alegria e libertação, por outro,
pode ser perigoso e até mortal. Em suma, algo que pode representar um mistério.
Outro
elemento que assumia grande importância no culto de Dioniso era a máscara, que
era usada pelos seus seguidores e que representava o elemento de transformação,
de perda de identidade. Além disso, é nela que se baseia a essência da
representação dramática, conferindo ao teatro grego uma peculiaridade que não
se encontra nos demais géneros e que se conservou até à atualidade.
No que diz respeito
ao coro, cantava em uníssono a princípio, porém, ao longo do tempo,
foi-se dividindo em duas secções, cada uma das quais perguntava e respondia à
outra alternadamente. Este «diálogo», no entanto, não tinha ainda caráter dramático.
O corifeu – o membro do coro que podia cantar sozinho – era o responsável por
coordenar esse diálogo.
Para
responder às perguntas dos coreutas e dos cantores como um todo, foi
introduzida uma nova figura, o exarconte, que possuía uma voz autónoma em
relação ao canto coletivo, tornando-se um elemento indispensável do ditirambo.
Com a passagem do tempo, foram incorporadas novas funções no seu ofício, dentre
elas a representação. Nesse momento, o exarconte passou a chamar-se hypokrités
– aquele que finge, isto é, o ator.
Inicialmente,
os temas do ditirambo, bem como os da tragédia, relacionavam-se com a lenda de
Dioniso, estendendo-se o seu âmbito, mais tarde, a toda a mitologia. Esses
temas raramente eram extraídos da história. As próprias máscaras foram
substituídas com essas mudanças: máscaras humanas passaram a ocupar o lugar das
máscaras animalescas dos sátiros.
Será
justamente neste ambiente religioso e festivo que será introduzido a
posteriori o teatro.
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