Segundo Aristóteles, na obra Poética, de que restam apenas os fragmentos que estudam e comparam
a tragédia e a epopeia, esta deve caracterizar-se por ter:
§ uma ação épica expressiva de grandeza e heroísmo
de forma solene;
§ um protagonista (rei, grande dignitário, herói)
que, além da sua alta estirpe social, devia revelar grande valor moral;
§ unidade de ação
(Homero não narra, na Ilíada, somente
a Guerra de Tróia, mas um grande numero de outros factos passados);
§ os episódios: enriquecem a obra, sem
quebrar a unidade de ação;
§ o maravilhoso;
§ a
utilização do modo narrativo pelo
poeta em seu próprio nome ou assumindo personalidades diversas;
§ a
reduzida intervenção do poeta:
depois da Proposição e da Invocação, Homero logo fez agir as personagens,
quando a ação estava já numa fase adiantada, permitindo este processo
posteriores analepses e prolepses.
Aplicando
a norma aristotélica a Os Lusíadas,
constatamos a presença dos seguintes elementos:
a) Ação: a descoberta do
caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, como acontecimento culminante
da História de Portugal até à data da composição da obra e definidor do perfil
do herói, o povo português.
Havia determinadas qualidades que a ação
de uma epopeia devia reunir: a unidade, a variedade, a verdade e a integridade.
1) Unidade:
todas as partes ou séries de acontecimentos devem constituir um todo harmonioso.
2) Variedade: é
conseguida através da inserção de episódios (pequenas ações reais ou imaginárias),
cuja função é embelezar a ação e quebrar a monotonia de uma narração continuada,
mas sem prejudicar a unidade, por meio do estabelecimento de uma relação com o
acontecimento ou a figura de que a ação se ocupa em cada momento.
São variados os tipos de episódios
que encontramos n’ Os Lusíadas:
Ø
mitológicos:
§
Consílio dos Deuses no Olimpo (I, 20-41);
§
Consílio dos Deuses Marinhos;
Ø
bélicos:
§
Batalha de Ourique (III, 42-54);
§
Batalha do Salado (III, 107-117);
§
Batalha de Aljubarrota (IV, 28-44);
Ø
líricos:
§
Formosíssima Maria (III, 102-1-6);
§
Morte de Inês de Castro (III, 118-135);
§
Despedida do Restelo (IV, 89-93);
Ø
naturalistas:
§
Descoberta do Cruzeiro do Sul (V, 14);
§
Fogo de Santelmo (V, 18, vv. 1-4);
§
Tromba Marítima (V, 16, 2.ª parte – 22);
§
Escorbuto (V, 81-83);
§
Tempestade (VI, 70-91);
Ø
simbólicos:
§
Sonho Profético de D. Manuel (IV, 67-75);
§
Velho do Restelo (IV, 94-104);
§
Adamastor (V, 37-60);
§
Ilha dos Amores (IX, 51-92 e X, 1-143);
Ø
humorístico: Fernão
Veloso (V, 30-36);
Ø
cavalheiresco:
Doze de Inglaterra (VI, 43-69).
3) Verdade:
tratamento de um assunto real ou, pelo menos, verosímil.
4) Integridade: estruturação
de uma narrativa com princípio, meio e fim (introdução, desenvolvimento e conclusão).
b) Personagem: o herói
da ação é o povo português, um herói colectivo, simbolicamente representado por
Vasco da Gama, herói individual.
c) Maravilhoso: intervenção
de entidades sobrenaturais na ação, umas favorecendo (Júpiter, Vénus, Marte),
outras dificultando (Baco).
Há vários tipos de maravilhoso n’ Os Lusíadas:
Ø
maravilhoso pagão:
a intervenção de numerosas divindades da mitologia pagã;
Ø
maravilhoso cristão:
o recurso ao Deus dos cristãos, a “Divina
Guarda”;
Ø
maravilhoso misto:
a intervenção próxima (no mesmo episódio) de Deus e dos deuses pagãos;
Ø
maravilhoso céltico:
a intervenção de fadas, bruxas, feiticeiras.
d) Forma:
F
narrativa em verso;
F
dez cantos;
F
estrofes: oitavas (média de 110 por estrofe);
F
metro: versos decassílabos, geralmente heroicos;
F
rima cruzada (seis primeiros versos) e emparelhada (dois últimos),
segundo o esquema abababcc.
ELEMENTOS
|
CONCRETIZAÇÃO
N’ OS
LUSÍADAS
|
CARACTERÍSTICAS
|
. A ação:
acontecimentos representados ao longo da obra.
|
. Viagem de Vasco da Gama, acontecimento culminante da
História de Portugal.
|
. Unidade: ligação entre as diversas partes.
.
Variedade: inserção de episódios para quebrar a monotonia e embelezar a ação.
. Verdade: assunto real ou, pelo menos, verosímil.
.
Integridade: criação de uma intriga com princípio, e fim.
|
. A
personagem: os agentes ou heróis da ação.
|
. Vasco da Gama.
. O Povo Português (“o
peito ilustre lusitano”).
. Camões?
. E os deuses, mais homens que deuses?
|
.
Individual e principal, com uma dimensão simbólica → um povo de
marinheiros.
. Herói colectivo, fundamental numa epopeia.
. Herói
individual (ou colectivo, porque representativo do homem do Renascimento,
completo, soldado e escritor, guerreiro e Velho do Restelo?).
. Não
são meros símbolos, têm paixões humanas, identificam o êxito e o fracasso, a
vitória e a derrota (Vénus ≠ Baco).
|
. O
maravilhoso: intervenção de seres sobrenaturais na ação.
|
. Júpiter, Vénus, Marte, etc.
. Deus (a Divina Providência cristã).
|
. Pagão: deuses pagãos.
. Cristão: Deus do cristianismo.
. Misto: mistura dos dois anteriores.
. Céltico: magia, feitiçaria.
|
. A forma.
|
. Dez cantos.
.
Narrativa em versos decassílabos, geralmente heroicos, agrupados em oitavas.
.
Rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos.
. Esquema rimático: abababcc.
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