Português: Fases poéticas de Cesário Verde

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Fases poéticas de Cesário Verde


 
1.ª fase (1873 - 74): a "Crise Romanesca" ‑ o idealismo romântico temperado pelas tendências literárias e estéticas da época.

    Nesta fase, verifica-se a idealização romântica da mulher, que o poeta coloca num plano superior, como objeto de adoração, inacessível ao sujeito, que se limita a formular vagos desejos impossíveis (ex.: Responso). Estão presentes elementos como os cabelos louros, o luto, a tristeza, um grande sofrimento, o ambiente macabro do cemitério, o noturno, os castelos, os palácios e mosteiros silenciosos e abandonados, as «florestas tenebrosas», as «Velhas almas» errantes, o «locus horrendus» romântico em que se projeta um estado de alma, recordando alguns sonetos de Bocage.
    Noutros poemas (Esplêndida, Deslumbramentos), Cesário descreve a mulher fatal, artificial, citadina, que humilha, esmaga e fascina o sujeito poético, transportando consigo a artificialidade e a violência da vida da cidade, que pode levar à alienação e à perda da identidade do cidadão. A mulher é portadora da morte, não uma morte ambicionada, antes receada. A mulher é uma «vamp», produto do luxo, da moda, da despesa inútil e ostentatória. Ela é o agressor e dominador que é necessário vencer.


 
2.ª fase (1875 - 76): "Naturais" ‑ o antirromantismo e o naturalismo.

    Nesta fase, no poema Humilhações, surge o contraste entre o sujeito, «ignorado e só», e a mulher superior, distante e altiva que o atrai, sendo a distância entre homem e mulher sobretudo económica e social. Ela é uma burguesa rica que o atrai e fascina e ele é de baixa condição social; entre os dois instala-se, portanto, uma relação de opressão/humilhação, que impede qualquer hipótese de aproximação. Resta ao sujeito lírico a vingança, concretizada com o recurso ao retrato da velhinha «suja», «fanhosa, infecta, rota, má», que o poeta contrapõe como sucedâneo irreversível da mulher altiva e opressora.
    Cesário, por outro lado, em Contrariedades, critica a sociedade alienada e desumana através da denúncia de atitudes que ferem a sensibilidade do eu: o abandono a que são votados os doentes (ex.: a engomadeira tuberculosa) e os poetas (ex.: os jornais recusaram publicar os seus versos).

 
 
3.ª fase (1877 - 86): a maturidade ‑ "O real e a análise"  -  o campo e a cidade.

    Em Num Bairro Moderno, Cristalizações e O Sentimento dum Ocidental, Cesário é o pintor de Lisboa, que nos descreve quadros e tipos citadinos, sem deixar de exprimir as atitudes subjetivas provocadas pela vida exterior.
    O poeta é um burguês que se move na cidade e tudo encontra «alegremente exato», até que a tomada de consciência da dureza da vida dos trabalhadores o surpreende e fere, facto que o leva a denunciar a injustiça de que são vítimas.
    Nesta fase, desenvolve Cesário a dicotomia campo/cidade, sucedendo frequentemente a invasão simbólica da cidade pelo campo (ex.: a vendedeira). A cidade é simbolizada, por exemplo, pela atriz, pelos significados de luxo, artificialismo, teatralidade, mundanismo.
    Em O Sentimento dum Ocidental, nota-se uma revolta do sujeito perante as desigualdades sociais da sua época e um desencanto para com a cidade (vista como prisão, de que o sujeito procura fugir), onde há dor em busca de «amplos horizontes» ‑ o campo, espaço de liberdade.
    No poema Nós, Cesário retoma o elogio da vida campestre; a cidade surge identificada como «lívido flagelo, a moléstia horrenda», e oposta à salubridade do campo, à salvação da família. É provável que esta repulsa pela cidade e o entusiasmo pelo campo resultem da doença que desde cedo apoquentou Cesário, e da esperança de encontrar alívio na vida rústica, natural.


 
  
    Já segundo Joel Serrão, a produção poética de Cesário distribui-se por quatro fases:

 
1.ª fase (1873-74) – A Crise Romanesca: o idealismo romântico temperado pela ironia: o campo como “metáfora antinómica” da cidade.

 
    É a fase de iniciação literária de Cesário, caracterizada pela influência de João Penha, sendo marcado por um idealismo romântico (temas do amor e da mulher) que é atenuado pela ironia dos versos finais, e pelo rigor formal do Parnasianismo. São exemplos desta fase os poemas “A Forca” (1873), “Num tripudio de corte rigoroso” (1873), “Ó áridas Messalinas” (1873), “Cinismos” (1874), “Responso” (1874), “Esplêndida” (1874), “Setentrional” (1874), “Arrojos” (1874), “Vaidosa” (1874).

 
 
2.ª fase (1875-76) – O Naturalismo e a influência de Baudelaire.

 
    Cesário é agora influenciado pelo poeta francês Baudelaire, mostrando-se interessado pelo quotidiano citadino (os contrastes desse quotidiano são o seu alvo preferencial), do qual nos oferece belos quadros, bem ao jeito impressionista, repletos de plasticidade.
    Vários são os poemas em que isto sucede: “Deslumbramentos” (1875), “Frígida” (1875),”A Débil” (1875), “Contrariedades” (1876), “Humilhações” (1876).

 
 
3.ª fase (1877-80) – A maturidade poética – “o real e a análise”: o aprofundamento da oposição cidade/campo, sendo este ainda um “contraste idealizado” daquela.

 
    Esta é, provavelmente, a fase mais importante da sua produção poética, contemplando um conjunto de poemas que constituem uma busca febril das cores, das luzes, das sombras, dos ruídos, dos odores, das dores e dos fantasmas que pulsam na cidade de Lisboa.
    Exemplificam esta fase poemas como “Num Bairro Moderno” (1877), “Cristalizações” (1878), “Em Petiz” (1878), “O Sentimento dum Ocidental” (1889).

 
 
4.ª fase (1881-86) – O pictórico e a visão impressionista da realidade. A amplificação do contraste cidade/campo, tornando-se este uma alternativa àquela.

 
    A vida citadina aborrece-o e provoca-lhe mal-estar e o campo (o gosto das “coisas primitivas, sinceras, e a (…) boa paz regular”) substitui a cidade. A sua condição de agricultor proporciona-lhe não só a descoberta de novos temas e motivos de uma visão impressionista da realidade, mas também a evasão possível da cidade turbulenta. Ao “desejo de sofrer” e ao clima sombrio de “O Sentimento dum Ocidental” sucedem a claridade fecunda, o vigor, e a pureza dos ares do campo, que parecem antecipar uma ânsia de preservar a débil saúde do poeta.
    Exemplos deste derradeiro período são os textos “De Tarde” (?), “De Verão” (?), “Nós” (1884), “Provincianas” (derradeiro poema, incompleto).

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