O poema abre com uma invocação
(apóstrofe) à Baía, humanizada e tratada de forma formal, evidenciando respeito
por ela, como se estivéssemos perante um diálogo entre um «eu» e um «vós».
Os primeiros quatro versos assentam
na antítese madrasta/madre: a cidade de Baía constitui o centro do discurso
poético e, desde já, o sujeito lírico expõe o tratamento dado àqueles que
exploram os bens do lugar: “Haverá duzentos anos, / (nem tantos podem
contar-se) / que éreis uma aldeia pobre, / e hoje sois rica cidade.” Estamos já
perante o foco da composição: a crise que a cidade enfrentava. De facto, por
causa das crescentes barreiras alfandegárias impostas à comercialização dos
açúcares brasileiros nos mercados europeus pela Inglaterra, França e Holanda,
que dominavam a produção nas Caraíbas e no Oriente, os estoques acumulavam-se
em Lisboa, que era incapaz de escoar o produto pelas razões apontadas. Para
tornar os preços competitivos, a partir de 1675, a Coroa portuguesa determinou
a redução dos preços, o que afetou os rendimentos da burguesia e do clero,
elevou o valor dos escravos e o do cobre, do ferro e do breu, fundamentais para
o funcionamento dos engenhos. Deste modo, os senhores ficam descapitalizados, o
que os leva a recorrer ao crédito, à incapacidade de saldar as dívidas, às
execuções, falências e ao fogo morto. Em simultâneo, a moeda petropolitana de
prata e ouro desvaloriza, cujo valor facial se torna inferior ao da moeda que
circula no Brasil, o que motiva a evasão do metal para Portugal, acompanhada da
alta dos géneros. Esta crise atinge o auge por volta de 1688, quando, após a
desvalorização da pataca espanhola em 20%, a moeda portuguesa de prata e ouro
se torna mais vulnerável ao contrabando e a outras práticas de desvio, como,
por exemplo, o corte dos seus bordos e a fundição das aparas, transformadas em
metal, prata ou ouro.
É este contexto que encontramos
neste poema-romance, não configurado em estrofes, mas aparentemente formado por
quadras. De facto, após cada conjunto de quatro versos, encontramos um ponto
final, que indica o final de um pensamento, ao qual se segue outro, iniciado no
verso seguinte.
Por outro lado, o texto descreve várias
personagens, cuja finalidade passas por envergonhar a cidade da Baía: “A essas
personagens vamos, / sobre elas será o debate, / e queira Deus, que o
vencer-vos / para envergonhar-vos baste.” A partir daqui, o sujeito poético
descreve as ações de três figuras específicas e de uma quarta com uma
configuração grupal, talvez a junção de todos num só. A transição entre a
descrição destas figuras é pontuada pelo estribilho “e eis aqui a personagem”.
Uma dessas personagens é “um pobrete
de Cristo” que sai de Portugal, despachado para conseguir sair da crise em que
se encontrava. Normalmente, esses homens que iam para o Brasil, nessa época,
eram, maioritariamente, pessoas pobres, miseráveis, bandidos, libertinos, em
suma, a escoriada sociedade europeia. Por isso, os jesuítas contam que era mais
difícil catequizar os índios, dado que os próprios cristãos, normal geral
pessoas brancas, não cumpriam as regras estabelecidas. De facto, as normas
obedecidas na Europa eram desrespeitadas no Brasil, como se fosse uma terra de
bárbaros. Esta primeira personagem é, portanto, um pobre que enriquece enganando
as outras pessoas: “Vendendo gato por lebre, / […] / já tem tantos mil cruzados,
/ segundo afirma Pasguates.” Estes são os idiotas, os que contam as vantagens
do seu enriquecimento e que, posteriormente, comporão o quadro político da
Baía: “Entra logo nos pilouros, / e sai do primeiro lance / Vereador da Bahia.”
As personagens seguintes são
descritas como falsas, embusteiras, ladras, hipócritas, usuárias, que
enriquecem com a desgraça alheia: “Nunca paga, e sempre come”. O poema, à semelhança
de outros, procura traçar um quadro da formação do povo brasileiro. Enquanto
uns enriquecem ilicitamente, a maioria afundava-se na miséria e, para lhe
escapar, estas pessoas vendiam os seus serviços a preços irrisórios ou
deixavam-se escravizar para simplesmente terem o que comer.
Outra personagem, imprescindível nas
obras da época, é um membro do clero: um “Clérigo idiota”. À semelhança das
demais, esta figura não possui nome próprio, ou seja, são todas
personagens-tipo. Deste modo, este Clérigo simboliza uma classe social que
tinha grande influência na época da colonização do Brasil e que foi decisiva na
formação da identidade brasileira. Por isso, a poesia de Gregório denuncia a
hipocrisia do clero, que frequentemente faziam o contrário do que pregavam.
Neste caso, o Clérigo representa a usura, a cobiça, a corrupção e,
metonimicamente, a Igreja católica: “Cresce em dinheiro, e respeito, / vai
remetendo as fundagens, / Compra toda a sua terra, / com que fica homem grande…”.
Na quadra seguinte, a sátira é ainda
mais acutilante: os clérigos são adjetivados como “mariolas”, “lacaios”, de “missal”
e “missa-cantante”, respetivamente.
Nos últimos vinte versos da
composição, o «eu» poético evoca de novo a Baía, agora com o objetivo de
denunciar a passividade dos “Filhos da terra”, que, diante das ações lesivas
dos estrangeiros que procuram fazer tortura na Baía, permanecem indiferentes à
situação: “Veem isto os Filhos da terra, / e entre tanta iniquidade / são tais,
que nem inda tomam / licença para queixar-se.”
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