Português

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O triângulo amoroso de O Delfim

             Na obra, encontramos uma espécie de triângulo amoroso, motivado pelo auditório e constituído por Tomás Manuel, Maria das Mercês e Domingos:
            Tomás fica no topo do triângulo, por causa do seu estatuto de chefe incontestado e incontestável, situado num plano superior ao das outras duas personagens. Maria das Mercês e Domingos aproximam-se por virtude do seu estatuto de inferioridade, ela por pertencer ao género feminino, ele por ser criado, maneta e mestiço. Ao viverem sob o domínio de Tomás Manuel, a aproximação dos dois irá promover um desequilíbrio na narrativa: ao cometerem adultério, tudo rui à sua volta, ambos morrem e, com a sua morte, brota um outro tempo para a população da Gafeira, que passará a ter livre acesso à Lagoa.
            Deste modo, podemos concluir que a forma de Tomás Manuel era aparente, visto que bastaram duas personagens de condição inferior e sem poder para mudarem todos os “valores antigos” a que o Engenheiro teimava em se agarrar.
            Por outro lado, este adultério conduz a uma mudança que simboliza a ideia de que a ditadura também poderia ser derrubada, desde que as pessoas se unissem contra o então governo de Marcelo Caetano, também ele considerado o “delfim” de Salazar.

A evolução do Natal


Glen, a Lebre

Almeida Garrett, o refundador do Teatro Português


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Análise da Cena 9 do Ato II de Frei Luís de Sousa


 
Após a partida de Manuel de Sousa, Maria e Telmo, D. Madalena está finalmente só – ou quase, pois tem a companhia de Frei Jorge –, no local onde se dará, pouco depois, o encontro fatal com o Romeiro: a sala dos retratos.
 
Esta cena é constituída por uma única fala, sob a forma de monólogo, de Frei Jorge. Nela, o frade, que até ao momento se tinha mantido distante de agouros e sempre racional, qual coro da tragédia clássica, deixa-se contaminar pelo clima ominoso criado e também ele começa a adivinhar que se aproxima uma tragédia.
 
Deste modo, podemos concluir que a função deste monólogo é a seguinte: Frei Jorge transmite os seus pensamentos mais íntimos, reafirmando, angustiadamente, o pressentimento de uma iminente tragédia, que ele quer esconder a todo o custo da sua família. Por outro lado, o monólogo, para o leitor, constitui uma preparação, um indício trágico de uma desgraça futura.
 
Frei Jorge desempenha, de novo, uma função idêntica à do Coro da tragédia clássica. As suas palavras lembram-nos mais uma vez a sua atuação moderada e sensata ao longo da peça, procurando sempre minimizar as preocupações da família e moderar as suas reações. A apreensão que, agora, manifesta é, inevitavelmente, de mau agouro.

domingo, 1 de janeiro de 2023

"Oh Girl", Chi-Lites


1972

Análise do poema "O Gondoleiro do Amor"

     Este poema é apresentado como uma barcarola, uma composição poética característica da poesia medieval. O vocabulário também é medievalista: gondoleiro. Isto são características românticas, ou seja, estamos perante o regresso ao medievalismo:
                - ritmo ágil;
                - uso da redondilha maior e o nome "barcarola";
                - vcabulário;
                - toda a sensualidade que existe no poema:
                    Ex.:    "Como as noites sem luar...
                                São ardentes, são profundas,
                                Como o negrume do mar."
    O sujeito poético descreve a amada desde os olhos, voz, sorriso, seios, até ao colo. Ignora os cabelos. Isto é uma marca de sensualismo e medievalismo.

A engorda


 

sábado, 31 de dezembro de 2022

Última homenagem a Pelé

Análise do poema "Os Três Amores"


             O poema é constituído por três sétimas com rima emparelhada, cruzada e interpolada, de acordo com o esquema rimático ABCADDB, com um verso na primeira estrofe, e versos decassílabos.

            O tema é o amor, tratado em três partes distintas, mas de construção paralela: I: Tasso – Eleonora; II: Romeu – Julieta; III: D. Juan – Júlia. Os nomes são exemplificativos, porque personificam uma situação própria e simbólica. A mudança de personagens condiciona a mudança de ambiente. A construção formal é a mesma nas três estrofes; muda o motivo, os símbolos e o ambiente. Isto aponta para a divisão do «eu» romântico abstrato concretizado em personagens reais. Se atentarmos na data de escrita do poema (setembro de 1866), podemos especular que a composição tenha sido escrita para a sua amada, a atriz portuguesa Eugénia Câmara. Nela, o «eu» cita três diferentes situações vivíveis com a mulher amada, aludindo a três obras importantes da literatura mundial para descrever esses momentos com a mulher: a ópera Torquato Tasso, a peça Romeu e Julieta e El Burlador de Sevilla o El Convidado de Piedra.

            Assim, a primeira estrofe remete para a mencionada ópera, da autoria de Gaetano Donizetti, que decorre na cidade italiana de Ferrara e se baseia na vida do poeta Torquato Tasso, que vive um romance cheio de desencontros e escândalos que termina com a perda da amada. O sujeito poético encarna o poeta italiano e retrata o amor de forma idealizada, um amor não realizado, embora sublime e sereno. Com efeito, há uma apropriação da história dos amores de Tasso por Eleonora, nobre de Ferrara a quem ele dedicara os seus versos e que acaba ensandecido pela ideia fixa de perseguição religiosa. Tasso é o cantor do sofrimento amoroso, que chora (canta) a cidade da sua amada, cuja visão risonha lhe afugenta o sofrimento e a solidão.

            A segunda estrofe remete para a peça Romeu e Julieta, também ela situada em Itália, concretamente na cidade de Verona, onde decorrem os amores impossíveis e contrariados entre dois jovens de famílias rivais, uma paixão que termina de forma trágica com a morte dos dois apaixonados. O sujeito poético deixa de lado o plano espiritual e passa ao terreno amoroso. Para isso, pede a ajuda dos ícones da literatura amorosa, ainda que trágica: Romeu e Julieta. Ao encarnar o herói de Shakespeare, o «eu» alude ao amor transcendental, isto é, ao amor que, apesar das barreiras sociais que o obstaculizem, se concretiza. O recurso à conjunção coordenativa copulativa «e» no último verso une as duas figuras femininas referidas no poema: Eleonora é também Julieta, isto é, são duas mulheres numa (quando concluída a terceira estrofe, serão três numa). Dito de outra forma, a mulher amada pelo sujeito poético é Eleonora, mas também é Julieta e ainda Júlia, ou seja, ele deseja as várias facetas da mulher. Para ele, o amor não possui apenas uma face, mas várias, e a mulher é, ao mesmo tempo, pura e sensual.

            Por sua vez, a terceira estrofe contém referências à obra de Tirso de Molina, cujo protagonista é D. Juan, um jovem belo que seduz Júlia, uma rapariga espanhola de origem nobre que assassina o pai. Estamos na presença de um amor sensual, carnal e amaldiçoado, cujo desenlace é igualmente trágico. O amor platónico cede lugar ao desejo ardente, à volúpia e à paixão descontrolada: “Na volúpia das noites andaluzas / O sangue ardente em minhas veias rola…”. Como não poderia deixar de ser, o vocabulário traduz esse amor/paixão/desejo, através de uma linguagem repleta de erotismo: ”sangue”, “ardente”, “leito”, “seio”, “desfaço-te”. Atente-se também na expressão «Eu morro», que alude à petit mort, isto é, ao orgasmo, se, por acaso, ele lhe desfizer a mantilha. Em suma, esta estrofe alude claramente à iniciação amorosa de D. Juan por Júlia, a espanhola fogosa.

Análise do poema "Boa noite"


             O poema “Boa noite”, de 1868, faz parte da obra Espumas Flutuantes, único livro de Castro Alves publicado em vida, e narra, através de um pretenso diálogo, com características de monólogo, uma aventura amorosa que se desenrola em dez quadras, onde se dá nota do envolvimento do «eu» poético com a mulher amada através dos ritmos e formas da natureza, que testemunham o drama da separação dos amantes, no domínio do tempo, entre a escuridão da noite e os primeiros raios da aurora (VENTURELLI, Suzette, in Arte e Tecnologia…).

            O poema contém uma epígrafe, que é a primeira fala de Julieta da cena V de Romeu e Julieta, em francês, e que introduz o tema do poema. Nesse passo da obra de Shakespeare, Romeu apressa-se para partir, pois o dia está a nascer, o que pode denunciar a sua presença ali, nos jardins dos Capuletos, e, consequentemente, o encontro furtivo de ambos, porém Julieta tenta convencê-lo de que o canto que ouvem pertence ao rouxinol, ave que canta à noite, e não à cotovia, que anuncia a chegada do dia. Isto significa que Julieta não quer que o amado parta. Esta é uma característica tipicamente romântica. De facto, a mulher desempenha um papel ativo no relacionamento amoroso, procurando impedir a partida do «eu», fazendo uso das artimanhas da sedução, nomeadamente apertando-o contra os seus seios, entre beijos, abraços e, sobretudo, descobrindo o peito. Perante este cenário, quem deixaria essa alcova?

            A composição abre com o «eu» poético anunciado que “é tarde”, por isso ele vai-se embora. Estas atitudes encontram-se noutros poemas de Castro Alves e torno da figura de D. Juan, já que este seduz a mulher e depois abandona-a. No entanto, neste poema, esse esquema é desrespeitado, visto que o abandono não se concretiza, dando lugar ao jogo sensual, que vai da necessidade de ir ao desejo de ficar. De facto, nas duas estrofes iniciais, o sujeito lírico, mesmo anunciando a sua partida, deseja ficar e sente-se seduzido pela amada: “Boa-noite, Maria! É tarde…. é tarde… / Não me apertes assim contra teu seio.”; “Boa-noite!... E tu dizes – Boa noite. / (…) / Mas não digas assim por entre beijos… / Mas não mo digas descobrindo o peito, /– Mas de amor onde vagam meus desejos.”

            Na terceira estrofe, o sujeito poético chama por Julieta e refere-se a ela até à oitava estrofe, e fá-lo através de uma linguagem sensual e erótica, que se estende por todo o poema, numa gradação de volúpia que alimenta ainda mais a vontade de ficar: “Desmanchando o roupão, a espada nua – / O globo de teu peito entre os arminhos”; “os teus contornos”; “afago de meus lábios mornos”. A descrição do espaço amoroso, tal como a descrição do corpo da mulher, é alimentada com o fogo da paixão. Nesse passo, as imagens ligam-se à noite, o tempo dos amantes: “Boa-noite”, “a lua, “é tarde”, “cabelo preto”, “a frouxa luz da alabastrina lâmpada”, “negro e sombrio firmamento”. Na sétima estrofe, encontra-se outra cena sensual em que ocorrem imagens eróticas como a personificação da luz a lamber os contornos da mulher e a menção a um fetiche, sugerindo o ato sexual pela aproximação dos lábios do «eu» poético aos pés da mulher amada: “A frouxa luz da alabastrina lâmpada / Lambe voluptuosa os teus contornos… / Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos / Ao doudo afago de meus lábios mornos.”

            Note-se, por outro lado, que há a fragmentação da mulher, aludindo a uma possível infidelidade amorosa. De facto, a figura feminina duplica-se: primeiro é Maria, depois Julieta, Marion e, por último, Consuelo. Estas quatro mulheres representam uma única aventura amorosa que decorre entre a noite e o dia. O “Boa noite”, que, de início, soa como forma de cumprimento noturno de despedida e separação (o «eu» poético deseja ir-se embora), no final parece configurar-se como abandono e entrega no reduto da amada, mesmo que se trate de uma entrega dúbia, pois o dormir, no contexto do “negro e sombrio firmamento” do cabelo da mulher, assume ares de morte, de mergulho na noite, de dissolução e desdobramento do sujeito poético num Eros infinito, negro e sombrio, ligado ao reino de Tânatos, no desenvolvimento do poema.

            O «eu» poético, assim como Don Juan, não se contenta com uma única mulher, quere-as todas. Ele encontra-se em busca permanente pela mulher ideal, por isso, a mulher que já foi Maria, na primeira estrofe, e já foi Julieta, na penúltima estrofe, é Marion, musa de Victor Hugo, e será, na última estrofe, Consuelo, “personagem de George Sand, que viria dar o título à poesia inspirada por Agnèse Murri em 1871.

            Um elemento que desempenha papel importante no poema é a natureza, que funciona como cenário dos acontecimentos, mas cujo papel não se esgota aí, pois reflete a mulher e até o «eu», conferindo grandeza à beleza feminina e ao próprio sentimento amoroso. Assim, a natureza é personificada e associada à mulher e às suas formas. Na segundo estrofe, o peito da mulher é apresentado como um mar de amor onde vagam os desejos do sujeito lírico. Na terceira, o canto da calhandra é comparado ao hálito da amada; enquanto na quarta o cabelo preto é a noite; na quinta, o peito é a lua; na sexta, as cortinas são as asas do arcanjo dos amores; na sétima, a lâmpada lambe voluptuosa os contornos de Julieta; na oitava, das teclas dos seios saem harmonias e escalas de suspiros; na décima, o cabelo feminino é associado a um negro e sombrio firmamento.

            Para os dois apaixonados, a noite é o tempo do encontro, da sua vida enquanto amantes, enquanto que, para os restantes, é momento da «morte». O dia, por sua vez, é o momento da separação do casal, portanto de morte amorosa, e de vida para a realidade dos homens. Atente-se no seguinte verso: “A lua nas janelas bate em cheio”. Metaforicamente, podemos vislumbrar aqui a ideia da penetração carnal, dado que a janela, sendo um orifício, indicia a imagem da penetração.

            Por outro lado, o poema é bastante rico em matéria de recursos estilísticos. Destacam-se, desde logo, as anáforas, por exemplo nos versos 16 e 17, bem como no final da quarta e no início da quinta estrofe: “É noite ainda”; “É noite, pois…”. Segue-se a hipérbole, nomeadamente na comparação dos versos 37 e 38 (“Como um negro e sombrio firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo…”), onde o cabelo da mulher amada é comparado à escuridão da noite infinita, enfatizando o poder misterioso que este tem sobre o sujeito poético, o que acentua a hipótese da relação de Eros com a morte (negro e sombrio). Destacam-se também a enumeração e a gradação, que surgem sobretudo na oitava estrofe, quando das teclas do seio da amada o «eu» bebe “harmonias / Que escalas de suspiros”, ou na nona, quando a cavatina do delírio “Ri, suspira, soluça, anseia e chora…”. Por último, considere-se a apóstrofe, que é usada principalmente para pôr em evidência a(s) amada(s). A presença do hipérbato (“Se a estrela d’alva os derradeiros raios / Derrama nos jardins de Capuleto”, etc.) conferem uma certa feição barroca ao texto, mas de exaltação à vida, não de melancolia e pessimismo.

            O poema descreve quatro mulheres, que se poderão resumir a uma: Maria. A composição parte de Maria, passa pela platónica Julieta de Shakespeare, atinge o seu clímax na figura de Marion (Delorme) – a intensa e sexual musa de Alfred de Vigny e Victor Hugo – e termina em Consuelo, o protótipo de musa (grande cantora lírica) de George Sand, não tanto platónica ou sexual como Julieta ou Marion.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Análise do poema "Prometeu", de Castro Alves


             Prometeu é uma figura da mitologia grega que teria sido o criador da humanidade, que amassara em argila e água ou com as suas lágrimas. O mito é abordado por Hesíodo na sua Teogonia e, depois, em O Trabalho e os Dias: Prometeu, “hábil e de versátil astúcia”, era um dos filhos de Jápeto e Clímene, filha do Oceano. Os outros eram Atlas, o “esforçado”, Menécio”, o “glorioso”, e Epimeteu, o “torpe”. Enquanto reinou Cronos, homens e deuses conviveram pacificamente, mas, posteriormente, Zeus submeteu os primeiros. Para terminar com uma querela entre as divindades e os humanos, era necessário que se oferecesse um sacrifício a Zeus. Prometeu dividiu um boi em duas partes, cobriu a carne boa com a pele do animal e colocou os ossos debaixo de uma camada de gordura apetitosa. Como represália, Zeus negou entregar o fogo aos homens, que eram os protegidos de Prometeu.
            Epimeteu e Prometeu tinham sido encarregados de criar o ser humano e todos os animais: o primeiro concretizaria a criação e o segundo supervisionaria a tarefa. Deste modo, Epimeteu atribuiu a cada animal os vários dons (rapidez, força, coragem, asas, etc.),mas, quando chegou a vez do homem, formou-o do barro e, como já havia gastado todos os recursos nos outros animais, recorreu a Prometeu, que então roubou o fogo aos deuses, que era seu exclusivo, e o entregou aos mortais num galho oco, ensinando-lhes também várias artes. Tudo isto assegurou a superioridade dos homens sobre os demais animais.
            Como castigo, Zeus ordenou a Hefesto que acorrentasse Prometeu ao monte Cáucaso, onde todos os dias uma águia dilacerava o seu fígado, que, de seguida, se regenerava. O sofrimento só terminou quando Hércules, séculos depois, concluídos os seus doze trabalhos, matou a águia e o libertou. Além disso, Zeus ordenou a Hefesto que escupisse a estátua de uma mulher e pediu a Hermes que lhe oferecesse um espírito cínico e um caráter volúvel. Assim, foi criada Pandora (que mais tarde se casou com Epimeteu), cuja caixa continha todos os males e que, ao ser aberta, se espalharam e atormentaram a humanidade. No fundo da caixa, ficou somente a esperança para suavizar a condição humana.
 
            Este poema de Castro Alves pode dividir-se em duas partes: na primeira, dá-se a descrição do sofrimento de Prometeu, enquanto, na segunda, se estabelece a comparação da figura mítica com o povo de África.
            Na primeira estrofe, é descrita a agonia de Prometeu no cumprimento do seu castigo e feita a sua descrição, destacando-se a sua capacidade de resistências às agruras a que é submetido, tendo como consolo o pranto das Nereidas. Assim, é arrogante / desafiador, forte, “sublime no sofrer” e resistente (“vencido, – não domado”), vive em agonia (“Na sublime agonia arqueja Prometeu”), preso ao monte Cáucaso (“O Cáucaso é seu cepo”), constituindo o céu o seu sudário. O dramatismo da cena – o de alguém amarado a um monte, de olhar cravado no sol, arquejando – é acentuado pela referência crua ao abutre que lhe rói as entranhas.
            Na estrofe seguinte, é destacada a solidão de Prometeu: ninguém o consola, todos o abandonaram. Enquanto isso, no Olimpo, a morada dos deuses, Cupido brinca “por entre os seios nus” e as bacantes correm pelas montanhas dançando, nos seus tradicionais bacanais. Está, pois, aqui presente o contraste entre a agonia e a solidão de Prometeu e o ambiente de festa, erotismo e até alucinação vivido entre os deuses. Apenas um consolo existe para ele: o pranto das Nereidas.
            Posteriormente, a figura de Prometeu transforma-se na alegoria do povo. Assim, tal como a figura mitológica, o povo é infeliz, é um mártir eterno, tendo como algoz, não a águia, mas os maus reis e as leis injustas, e sendo o poder o instrumento de tortura. O mito é, assim, nacionalizado e transferido de espaço: Prometeu agoniza agora no continente sul-americano (“Era pequeno o Cáucaso… amarram-te nos Andes.”). O mártir já não é a figura mitológica, mas o povo, um “mártir eterno”, um “Prometeu moderno”, enquanto “O século da luz olha… caminha… ri…”. A herança do desenvolvimento humano é distribuída de forma desigual, e a figura da divindade castigada cruelmente – no caso do poema, encarnada no povo – anónima, portanto –, retorna sob a forma da crueldade, não dos deuses, mas dos “maus reis”.
            Os versos que se seguem aludem ao Iluminismo: “E enquanto tu, Titão, sangrento arcas aí, / O século da luz olha… caminha… ri…”. Ou seja, em pleno século das luzes, dominado por espíritos racionais e esclarecidos, Prometeu – o povo – continua a agonizar, só e desprezado por essas mentes. Estes versos mostram claramente a sua indiferença pelo sofrimento alheio. O Prometeu moderno – o povo – será cantado pelo «eu» poético, que coloca o seu discurso ao seu serviço enquanto espaço público para discussão dos destinos da humanidade: “A musa do poeta irá – filha do mar – / O oceano de sua alma… em cantos derrama…”.
            O importante no mito clássico era o castigo infligido a Prometeu; agora temos a solidão. O herói desafia o destino e sofre as consequências. Há uma transformação da figura mitológica num herói romântico, que, mais que o herói castigado, é o herói que fica só. Há um paralelo entre este herói e o homem negro, chamado «povo infeliz», povo mártir eterno. O poeta romântico tem consciência da sua missão: defender e cantar o negro. Assim sendo, o objetivo do poema é criticar a sociedade de então; está-se num século de luz onde ainda se pratica a escravatura, perante a indiferença geral.

Análise do poema «O "adeus" de Teresa»


             O tema deste poema, que nos relata o processo de conhecimento e descoberta amorosa entre o sujeito poético e Teresa, até ao seu fim, é a despedida. Nesta situação, não se pode falar propriamente de engano ou traição, porque não há enganos quando ambos sabem o que querem.

            Nele encontramos todos os elementos de uma narrativa: tempo, espaço, ação e personagens (ele, ela e o outro). Tudo começa pelo enamoramento, dominado pela paixão. Há uma partida do «ele» e uma volta que depara com uma situação diferente que motiva a escrita do texto:

enamoramento: paixão
|
partida      /      volta
|
modificação
            Cada um dos versos iniciais das quatro estrofes apresenta uma nota temporal que traduz um momento da relação entre o casal enamorado:
- “A vez primeira que eu fitei Teresa” (v. 1);
- “Uma noite… entreabriu-se um reposteiro” (v. 7);
- “Passaram tempos… séc’los de delírio” (v. 13);
- “Quando voltei… era o palácio em festa!...” (v. 19).
Assim, o primeiro da estrofe inicial marca o primeiro encontro, remetendo desde logo para um forte envolvimento amoroso, arrebatador como a corrente e envolvente como os giros da valsa(comparação): “Como as plantas que arrasta a correnteza, / A valsa nos levou nos giros seus…”. Atente-se na presença da aliteração em /r/ (“arrasta a correnteza”), que sugere o ruído da dança, e em /s/ (“valsa nos giros seus”), que insinua o farfalhar das sedas das vestes de Teresa. Por sua vez, o hipérbato do verso 1 realça a noção de tempo, marcado o início do relacionamento, e a figura de Teresa, que sobressai por constituir a palavra rimante. O hipérbato do segundo verso, colocando o nome “correnteza” após o verbo, indicia o arrebatamento que caracterizou este primeiro encontro, além da própria valsa, o seu ritmo e passos, intensificados pela comparação. Por sua vez, a metonímia “A valsa nos levou nos giros seus” significa que o par amoroso se deixou levar pela dança. A despedida ocorrida nesta estrofe é feito num clima de grande emoção: “«Adeus» eu disse-lhe a tremer co’a fala”. Esta é a despedida típica de um casal imerso na paixão.

            O segundo momento da relação consiste na concretização do amor do casal através da sugestão do ato sexual. O hipérbato do verso 2 (“E da alcova saía um cavaleiro”) envolve a figura num ambiente de mistério, disfarçando, pelo recurso à terceira pessoa, a personagem que o verso seguinte esclarece ser o próprio «eu», que beija uma mulher sem véus, isto é, Teresa. Este estratagema desperta, naturalmente, a curiosidade, mesmo que por breves instantes, relativamente àquela figura. As aliterações em /d/ e /b/ em “inda beijando” sugerem o ruído do beijo. A despedida, neste segundo momento, ocorre após um momento de amor tórrido, constituindo uma separação temporária, em plena vivência da paixão que os une.

            O terceiro momento reafirma o caráter intenso do romance e a partida do sujeito poético, desta vez por um período de tempo mais longo, sugerindo que os encontros amorosos que decorreram nesse período foram muitos e intensos: “Passaram-se tempos… séc’los de delírio / Prazeres divinais… gozos do Empíreo”. Note-se a presença de várias hipérboles nesta estrofe: “séc’los de delírio”, “prazeres divinais”, “gozos do Empíreo”, as quais intensificam a relação amorosa e prolongam a ideia de arrebatamento da primeira, bem como as aliterações em /p/, /t/ e /d/ (“Passaram tempos… delírio”; “prazeres divinais… Empíreo…”), que sugerem o ritmo e a sonoridade da estrofe e o arroubo da paixão. A despedida neste caso dá-se antes de o «eu» viajar, prometendo voltar, assumindo, assim, uma carga de maior dramatismo, até porque a figura feminina fica muito chorosa.

            O quarto momento corresponde à rutura amorosa: de acordo com a perspetiva do sujeito poético, Teresa está apaixonada pelo outro homem (“Foi a última vez que eu vi Teresa!...”). O uso do pronome pessoal maiusculado (“Ela”) enfatiza a figura feminina, destacando-a no contexto da festa, demonstrando o espanto do sujeito poético ao deparar com uma cena inimaginável para si – encontra-la com outro homem – e invertendo a posição de dominador e presa na relação amorosa. O nome «lares» aponta também para o espaço geográfico onde o «eu» lírico mora, o que evidencia que ele e Teresa pertencem a espaços diferentes. A assonância em /a/ e /e/ (“era o palácio em festa”) sugere a atmosfera festiva e musical que rodeia Teresa. Esta última despedida ocorre quando o sujeito lírico regressa e a encontra numa festa acompanhada por outro homem, com o qual canta junto à orquestra.

            Por outro lado, as quatro reações de Teresa às despedidas – “corando” (v. 6), “entre beijos” (v. 12), “em soluços” (v. 18) e “arquejando” (v. 24) – evidenciam a trajetória da relação, marcada por uma evolução (de “corando” para “entre beijos”), seguida de um declínio (de “em soluços” para “arquejando”). Ou seja, a relação amorosa evolui de um amor repentino para a sua realização sexual e desta para o distanciamento e a rutura, uma situação característica do Romantismo.

            O título do poema aponta, desde logo, para a despedida, concretamente através do uso do vocábulo “adeus”, colocado entre aspas e antecedido do determinante artigo definido “o”, e que é repetido várias vezes ao longo do texto. Por outro lado, o resto do título remete a responsabilidade da última despedida para afigura de Teresa, quando quem até aí partia e se despedia era o «eu», o elemento do par amoroso que dominava a relação, que definia quando os encontros tinham lugar, enquanto ela se limitava a responder ao adeus, murmurar, chorar e soluçar. Esta ideia é confirmada pelo recurso ao adjetivo «presa», no verso “Adeus lhe disse conservando-a presa”, que sugere que ela está amarrada a ele, podendo também ver-se nela o resultado da caça. Tudo isto corresponde a uma certa tradição literária, que apresenta o homem como o elemento dominante na relação e a mulher, o dominado e submisso. No entanto, o título parece contradizer esta ideia, pois aponta Teresa como a responsável pela separação, bem como a traição final, pois, na época, o poder de seduzir e de fazer o homem sofrer é sempre da mulher.

            No que diz respeito à conceção da figura feminina, Teresa não corresponde ao modelo tradicional da mulher apaixonada, recatada e submissa que permanece fiel ao homem amado, que partiu e está ausente, e que encontramos, por exemplo, nos poemas homéricos, encarnada na personagem de Penélope, a esposa de Ulisses, que se lhe manteve fiel durante os vinte anos em que esteve ausente de casa (dez da guerra de Troia e dez do regresso ao torrão natal). Pelo contrário, Teresa afirma-se como uma mulher independente e livre que procura satisfazer os seus desejos e prazeres.

            Formalmente, o poema é constituído por versos decassílabos, com rima emparelhada e interpolada, de acordo com o esquema AABCCB, consoante (“Teresa” / “correnteza”) e rica (“seus” – determinante – “adeus” – nome).

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