Português: Análise do poema «O "adeus" de Teresa»

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Análise do poema «O "adeus" de Teresa»


             O tema deste poema, que nos relata o processo de conhecimento e descoberta amorosa entre o sujeito poético e Teresa, até ao seu fim, é a despedida. Nesta situação, não se pode falar propriamente de engano ou traição, porque não há enganos quando ambos sabem o que querem.

            Nele encontramos todos os elementos de uma narrativa: tempo, espaço, ação e personagens (ele, ela e o outro). Tudo começa pelo enamoramento, dominado pela paixão. Há uma partida do «ele» e uma volta que depara com uma situação diferente que motiva a escrita do texto:

enamoramento: paixão
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partida      /      volta
|
modificação
            Cada um dos versos iniciais das quatro estrofes apresenta uma nota temporal que traduz um momento da relação entre o casal enamorado:
- “A vez primeira que eu fitei Teresa” (v. 1);
- “Uma noite… entreabriu-se um reposteiro” (v. 7);
- “Passaram tempos… séc’los de delírio” (v. 13);
- “Quando voltei… era o palácio em festa!...” (v. 19).
Assim, o primeiro da estrofe inicial marca o primeiro encontro, remetendo desde logo para um forte envolvimento amoroso, arrebatador como a corrente e envolvente como os giros da valsa(comparação): “Como as plantas que arrasta a correnteza, / A valsa nos levou nos giros seus…”. Atente-se na presença da aliteração em /r/ (“arrasta a correnteza”), que sugere o ruído da dança, e em /s/ (“valsa nos giros seus”), que insinua o farfalhar das sedas das vestes de Teresa. Por sua vez, o hipérbato do verso 1 realça a noção de tempo, marcado o início do relacionamento, e a figura de Teresa, que sobressai por constituir a palavra rimante. O hipérbato do segundo verso, colocando o nome “correnteza” após o verbo, indicia o arrebatamento que caracterizou este primeiro encontro, além da própria valsa, o seu ritmo e passos, intensificados pela comparação. Por sua vez, a metonímia “A valsa nos levou nos giros seus” significa que o par amoroso se deixou levar pela dança. A despedida ocorrida nesta estrofe é feito num clima de grande emoção: “«Adeus» eu disse-lhe a tremer co’a fala”. Esta é a despedida típica de um casal imerso na paixão.

            O segundo momento da relação consiste na concretização do amor do casal através da sugestão do ato sexual. O hipérbato do verso 2 (“E da alcova saía um cavaleiro”) envolve a figura num ambiente de mistério, disfarçando, pelo recurso à terceira pessoa, a personagem que o verso seguinte esclarece ser o próprio «eu», que beija uma mulher sem véus, isto é, Teresa. Este estratagema desperta, naturalmente, a curiosidade, mesmo que por breves instantes, relativamente àquela figura. As aliterações em /d/ e /b/ em “inda beijando” sugerem o ruído do beijo. A despedida, neste segundo momento, ocorre após um momento de amor tórrido, constituindo uma separação temporária, em plena vivência da paixão que os une.

            O terceiro momento reafirma o caráter intenso do romance e a partida do sujeito poético, desta vez por um período de tempo mais longo, sugerindo que os encontros amorosos que decorreram nesse período foram muitos e intensos: “Passaram-se tempos… séc’los de delírio / Prazeres divinais… gozos do Empíreo”. Note-se a presença de várias hipérboles nesta estrofe: “séc’los de delírio”, “prazeres divinais”, “gozos do Empíreo”, as quais intensificam a relação amorosa e prolongam a ideia de arrebatamento da primeira, bem como as aliterações em /p/, /t/ e /d/ (“Passaram tempos… delírio”; “prazeres divinais… Empíreo…”), que sugerem o ritmo e a sonoridade da estrofe e o arroubo da paixão. A despedida neste caso dá-se antes de o «eu» viajar, prometendo voltar, assumindo, assim, uma carga de maior dramatismo, até porque a figura feminina fica muito chorosa.

            O quarto momento corresponde à rutura amorosa: de acordo com a perspetiva do sujeito poético, Teresa está apaixonada pelo outro homem (“Foi a última vez que eu vi Teresa!...”). O uso do pronome pessoal maiusculado (“Ela”) enfatiza a figura feminina, destacando-a no contexto da festa, demonstrando o espanto do sujeito poético ao deparar com uma cena inimaginável para si – encontra-la com outro homem – e invertendo a posição de dominador e presa na relação amorosa. O nome «lares» aponta também para o espaço geográfico onde o «eu» lírico mora, o que evidencia que ele e Teresa pertencem a espaços diferentes. A assonância em /a/ e /e/ (“era o palácio em festa”) sugere a atmosfera festiva e musical que rodeia Teresa. Esta última despedida ocorre quando o sujeito lírico regressa e a encontra numa festa acompanhada por outro homem, com o qual canta junto à orquestra.

            Por outro lado, as quatro reações de Teresa às despedidas – “corando” (v. 6), “entre beijos” (v. 12), “em soluços” (v. 18) e “arquejando” (v. 24) – evidenciam a trajetória da relação, marcada por uma evolução (de “corando” para “entre beijos”), seguida de um declínio (de “em soluços” para “arquejando”). Ou seja, a relação amorosa evolui de um amor repentino para a sua realização sexual e desta para o distanciamento e a rutura, uma situação característica do Romantismo.

            O título do poema aponta, desde logo, para a despedida, concretamente através do uso do vocábulo “adeus”, colocado entre aspas e antecedido do determinante artigo definido “o”, e que é repetido várias vezes ao longo do texto. Por outro lado, o resto do título remete a responsabilidade da última despedida para afigura de Teresa, quando quem até aí partia e se despedia era o «eu», o elemento do par amoroso que dominava a relação, que definia quando os encontros tinham lugar, enquanto ela se limitava a responder ao adeus, murmurar, chorar e soluçar. Esta ideia é confirmada pelo recurso ao adjetivo «presa», no verso “Adeus lhe disse conservando-a presa”, que sugere que ela está amarrada a ele, podendo também ver-se nela o resultado da caça. Tudo isto corresponde a uma certa tradição literária, que apresenta o homem como o elemento dominante na relação e a mulher, o dominado e submisso. No entanto, o título parece contradizer esta ideia, pois aponta Teresa como a responsável pela separação, bem como a traição final, pois, na época, o poder de seduzir e de fazer o homem sofrer é sempre da mulher.

            No que diz respeito à conceção da figura feminina, Teresa não corresponde ao modelo tradicional da mulher apaixonada, recatada e submissa que permanece fiel ao homem amado, que partiu e está ausente, e que encontramos, por exemplo, nos poemas homéricos, encarnada na personagem de Penélope, a esposa de Ulisses, que se lhe manteve fiel durante os vinte anos em que esteve ausente de casa (dez da guerra de Troia e dez do regresso ao torrão natal). Pelo contrário, Teresa afirma-se como uma mulher independente e livre que procura satisfazer os seus desejos e prazeres.

            Formalmente, o poema é constituído por versos decassílabos, com rima emparelhada e interpolada, de acordo com o esquema AABCCB, consoante (“Teresa” / “correnteza”) e rica (“seus” – determinante – “adeus” – nome).

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