Português

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Análise da obra O Cortiço, de Aluísio de Azevedo

 I. Biografia de Aluísio de Azevedo


II. Obras de Aluísio de Azevedo


III. Período literário


IV. Ação

        . Resumo

        . Capítulos

            . Capítulo I

            . Capítulo II

            . Capítulo III

            . Capítulo IV

            . Capítulo V

            . Capítulo VI

            . Capítulo VII

            . Capítulo VIII

            . Capítulo IX

            . Capítulo X

            . Capítulo XI

            . Capítulo XII

            . Capítulo XIII

            . Capítulo XIV

            . Capítulo XV

            . Capítulo XVI

            . Capítulo XVII

            . Capítulo XVIII

            . Capítulo XIX

            . Capítulo XX

            . Capítulo XXI

            . Capítulo XXII

            . Capítulo XXIII


V. Personagens

    V.1. Caracterização

        1. João Romão

        2. Bertoleza

        3. Miranda

        4. Rita Baiana

        5. Estela

        6. Léonie

        7. Pombinha

        8. Jerónimo

        9. Piedade

        10. Leandra

        11. Ana das Dores

        12. Dona Isabel

        13. Leocádia

        14. Zulmirinha

        15. Augusta Carne-Mole

        16. Neném

        17. Velho Botelho

        18. Henrique

        19. Agostinho

        20. Alexandre

        21. Paula

        22. Albino

        23. 

    V.2. O percurso existencial das personagens femininas



VI. Conclusões

        a) Forma

        b) Conteúdo


Caracterização de Alexandra

    Alexandre é um mulato de quarenta anos, soldado da polícia, "de bigodão preto, sempre bem barbeado e bem vestido, de calças brancas engomadas e botões limpos na farda, quando estava de serviço.", o que mostra que é um homem asseado e vaidoso, preocupado em manter uma boa apar~encia. É casado com a lavadeira Augusta "Carne-Mole".
    No final da obra, o narrador informa-nos que fora promovido a sargento.

Caracterização de Agostinho

    Agostinho é uma criança filha da lavadeira Leandra, a "Machona". Trata-se de um "menino levado dos diabos", isto é, travesso, irrequieto e irreverente, "que gritava tanto ou melhor que a mãe". O seu caráter irrequieto acabará por o levar a um destino terrível. De facto, morre violentamente: quando brincava na pedreira, como habitualmente, com dois rapazitos da estalagem, desequilibrara-se e caíra de uma altura superior a duzentos metros. A descrição do seu corpo é particularmente crua: "Todo ele, coitadinho, era uma só massa vermelha; as canelas, quebradas no joelho, dobravam moles para debaixo das coxas; a cabeça, desarticulada, abrira no casco e despejava o pirão dos miolos; numa das mãos faltavam-lhe todos os dedos e no quadril esquerdo via-se-lhe sair uma ponta de osso ralado pela pedra."

Caracterização de Henrique, de O Cortiço

    Henrique é um jovem de 15 anos, proveniente de Minas Gerais, filho de um fazendeiro muito importante, possivelmente o melhor freguês que Miranda tinha no interior do país.
    Ele vai para o Rio de Janeiro para terminar os estudos, de modo a entrar na Academia de Medicina. É um rapaz "bonitinho, acanhadom com umas delicadezas de menina. Parecia muito cuidadoso no sestudos." Além disso, é poupado e a sua existência limita.se aos estudos, vivendo entre a casa e a escola ("Gastava muito pouco e só saía de casa para ir para as aulas."). Ou seja, estamos na presença de alguém disciplinado, dedicado aos estudos, reservado e prudente no que toca a finanças.
    No entanto, acaba por ser seduzido por Estela e envolve-se amorosamente com ela, sendo igualmente objeto de afeto por parte do velho Botelho, que os surpreende nos fundos do quintal certa noite.
    À medida que cresce, perde a timidez que o caracterizava quando viera para o Rio e torna-se um boémio, divertindo-se com os amigos e com prostitutas, como Pombinha, não se poupando a gastos. Todos estes aspetos evidenciam a transformação sofrida pelo jovem vindo do interior, de um meio conservador e protegido, em contacto com um meio bem diferente, o do Rio de Janeiro. O único traço que permanece é o de académico aplicado: frequenta o quarto ano de Medicina.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Caracterização do velho Botelho

    O velho Botelho mora na casa de Miranda, um pobre coitado de quase setenta anos, antipático, de cabelo branco, «curto e duro como uma escova, com barba e bigode do mesmo tipo".
    Já fora rico, graças ao comércio e ao tráfico de escravos, porém acabou por entrar numa espiral de fracassos que o conduziu à ruína financeira: "... foi perdendo tudo". Agora, velho e desiludido, vive graças à caridade de Miranda, de quem é amigo desde os tempos em que tinham sido colegas de trabalho na juventude.
    Botelho está a par das traições de Estela e o próprio marido, Miranda, costumava desabafar com ele o seu infortúnio no matrimónio, nomeadamente o desprezo que sentia pela esposa. O velho ficava contente com o facto de Miranda falar mal da consorte e concordava com ele. Ocasionalmente, a própria Estela não lhe escondia o desprezo e o nojo que dedicava ao marido, o que deixava Botelho ainda mais contente. Estamos, pois, na presença de uma figura mesquinha e cínica, que encontra satisfação nos conflitos e infelicidade alheios. Além disso, demonstra que a sua pretensa amizade por Miranda não é sincera, antes se devendo às suas necessidades.
    Experiente, nunca transmite a nenhum dos dois o que dizem um do outro, continuando a agir de forma dissimulada. Tanto é assim que certa noite surpreende Estela e Henrique envolvidos no fundo do quintal. Só aparece ao casal quando se separa, finge compreensão pelo caso amoroso ("acho isso a coisa mais natural do mundo!"), o que pode indiciar o seu caráter fingido, mas também pode sugerir a prática comum do adultério, de tal forma que se tornara quase natural. Na sequência, promete a Henrique guardar segredo acerca do seu envolvimento com Estela, aconselhando, inclusive, a envolver-se com mulheres mais velhas e não com "jovens donzelas", que lhe poderão causar problemas. Até lhe diz que está a fazer um favor ao próprio marido, pois faz com que a esposa fique de melhor humor e não aborreça o esposo, que necessita de descanso por causa do trabalho. Desta forma, Botelho incentiva o adultério de forma cínica, manipulando o inocente Henrique. Acrescenta ainda que deve evitar as prostitutas por causa das doenças e reafirma que necessita de se manter igualmente afastado das donzelas. Todo o diálogo entre o velho e o jovem é pautado por constantes gestos de carinho daquele ["(...) acho você simpático, porque acho você bonito!"),que sugerem a homossexualidade de Botelho.
    Deste modo, Henrique vê-se envolvidom do alto dos seus 15 anos, com uma mulher mais velha, o que nos coloca num quadro de pedofilia, e é desejado também por Botelho.
    Em determinado momento, começa a aproximar-se de João Romão, procurando tornar-se seu amigo, aproximação correspondida por parte do dono do cortiço. Na verdade, esta nova amizade era movida por interesse de ambos e o velho Botelho acaba por sugerir ao outro o casamento com Zulmirinha, a filha de Miranda e Estela, pois "Quem casar com Zulmira leva os prédios e ações do banco que estão no nome dela!...". Interesseiro, o velho pede a Romão vinte contos de réis para o ajudar a casar com a jovem.
    A concretização do casamento enfrenta um obstáculo: Bertoleza. Botelho sugere a João Romão que a mande embora e acaba por aceitar duzentos mil-réis para a denunciar como escrava fugida  a entregar aos herdeiros do homem de quem fugira, confirmando o seu caráter racista e abjeto: "Eu, para devolver negro fugido para o dono, estou sempre pronto."

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Benfica é campeão europeu de estafeta mista em corta-mato


José Carlos Pinto, Sheila Jebet, Salomé Afonso e Isaac Nader

 

Caracterização de Zulmirinha

    Zulmirinha, filha de Miranda e Estela, é uma menina muito pálida e franzina, pouco desenvolvida fisicamente, com doze para treze anos. Trata-se de uma típica carioca, com olhos grandes, negros e maliciosos.
    O velho Botelho caracteriza-a como um «bom partido», uma «ótima menina», tranquila, dona de uma educação esmerada ("uma educação de princesa") que fala francês, toca piano, sabe cantar e desenhar e «Costura perfeitamente!», ou seja, é uma jovem prendada, educada e uma fala do lar. Além disso, é dona de prédios e possui ações no banco, isto é, é rica, o que desperta o interesse de João Romão. Nesta fase da obra, a rapariga conta 17 anos e perdeu o ar deslavado e anémico, apresentando já formas femininas desenvolvidas ("... agora tinha seios e quadril.").

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Caracterização de Augusta Carne-Mole

    Augusta Carne-Mole era uma lavadeira brasileira branca, casada com Alexandre, um mulato de quarenta anos, soldado na polícia.

Caracterização de Neném

    Neném é uma lavadeira espigada, franzina e forte, ainda virgem. É filha de Leandra.

Caracterização de Ana das Dores

    Ana das Dores, conhecida simplesmente por "a das Dores", mora sozinha numa casinha à parte, porém toda a sua família reside no cortiço. Ela é casada, mas está separada do marido.

Caracterização de Leandra

    Leandra, conhecida pelo epíteto de "a Machona", é uma lavadeira portuguesa feroz, «gritona, peluda e forte», mãe de duas filhas, uma casada e separada do marido (Ana das Dores) e outra moça virgem ainda, Neném. Tem ainda um filho, chamado Agostinho. Ninguém sabe se é viúva ou separada, porém os filhos não são parecidos entre si.

Caracterização de Leocádia

     Leocádia é casada com Bruno, um ferreiro. Ela é portuguesa, fisicamente pequena, adúltera, pois traíra o marido com um homem chamado Henrique. Em decorrência do adultério, Leocádia sai de casa, deixando o esposo totalmente sem rumo. Deste modo, assim como Miranda, perdoa a traição e vai procurá-la, para lhe pedir que volte para si. A sua atitude justifica-se pelo facto de perder a esposa para outro homem constituir uma humilhação. De acordo com o Código Penal brasileiro de 1890, nestes casos, apenas a mulher era penalizada, sendo o homem envolvido somente considerado adúltero e nada mais.

Caracterização de Dona Isabel

    Dona Isabel é uma pobre mulher lavadeira perseguida pelos desgostos. Fora casada com um dono de uma casa de chapéus que faliu e se suicidou. No cortiço, é muito respeitada por ter modos e maneiras de pessoa fina. Aquando do suicídio do marido, viu-se com uma filha doentinha e fraca nos braços, por quem se sacrificou para lhe proporcionar educação. Essa filha é Pombinha, a flor do cortiço que acaba na prostituição, que a mãe poupa a todo o serviço caseiro, por ordens do médico. Apesar de a filha já ter 18 anos, não a deixou casar com João da Costa enquanto não menstruou pela primeira vez.
    No final da obra, encontramo-la profundamente desgostosa e amargurada por causa da filha, Pombinha, que acaba por se tornar prostituta, após o marido a expulsar de casa depois de descobrir que o traía frequentemente, Porém, acaba por ir morar com a filha por necessidade, tornando-se totalmente dependente dela até à morte.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Caracterização de Maria da Piedade

    Piedade é uma mulher modelar, no contexto dos padrões do patriarcalismo, de trinta anos. Fisicamente, possui uma boa estatura, carne ampla e rija, cabelos fortes de um castanho fulvo, dentes pouco brancos, mas sólidos e perfeitos, cara cheia e fisionomia aberta. Psicologicamente, é subserviente, diligente, sadia, forte, obediente, honesta, correta, fiel, sem qualquer vaidade, vive para o marido e em função dele, dando-se bem com tudo e com todos e trabalhando de sol a sol. O seu perfil é o oposto do de Rita Baiana e de outras mulheres fortes e decididas que vivem no cortiço. Nostálgica, ela conserva os hábitos e a rotina da terra natal, não se deixa contaminar pelo meio, mantém as suas tradições e a esperança de crescer ao lado do marido. No entanto, acaba por ser vencida pela força do meio e, quando o marido se envolve com Rita, tenta fintar a dor da perda, as más influências, a briga com Rita Baiana e a miséria. Assim, acaba por se entregar à bebida e tornar-se alcoólica ao ser abandonada pelo esposo: “[...], Piedade de Jesus, sem se conformar com a ausência do marido, chorava o seu abandono e ia também agora se transformando de dia [...]. Deu para desleixar-se no serviço [...] fez-se madraça e moleirona. [...] aconselharam-Ihe que tomasse um trago de parati. Ela aceitou o conselho [...]; e, gole a gole, habituara-se a beber todos os dias o seu meio martelo de aguardente, para enganar os pesares.” (op. cit., 2004, pp. 191-192).
    De facto, tal como o consorte, a esposa de Jerónimo também sofre uma transformação ao longo do romance de Aluísio de Azevedo. Ela luta contra a influência do cortiço e, inicialmente, consegue vencer essa luta: mantém-se afastada dos vícios e prazeres mundanos. Claramente, contrasta com a personagem Rita Baiana, uma nativa brasileira. Envolvem-se numa disputa pelo mesmo homem – Jerónimo –, mas diferenciam-se pela cor, pelo cheiro, pelos hábitos de vida e também pela linguagem. No fundo, os três constituem um triângulo amoroso que gera conflitos e desemboca numa morte: a de Firmo, às mãos de Jerónimo, que depois foge com Rita. Abandonada pelo marido, Piedade enfrenta grandes dificuldades financeiras e, com isso, a sua filha, Senhorinha, é adotada por Pombinha, o que constitui um paralelismo com o que sucedera com Leonie no passado. Está escancarado o caminho da prostituição para Senhorinha, enquanto à sua mãe resta apenas a perda do marido e os lamentos motivados pelos infortúnios da vida, como se pedisse piedade a Deus, o que é acentuado pelo seu apelido. Quando o esposo a abandona, revolta-se contra a natureza que causou aquela mudança em jerónimo: “[...] não era contra o marido que se revoltava, mas sim contra aquela amaldiçoada luz alucinadora, contra aquele sol crapuloso, que fazia ferver o sangue aos homens e metia-lhes no corpo luxúrias de bode. Parecia rebelar-se contra aquela natureza alcoviteira, que lhe roubara o seu homem para dá-lo a outra, porque a outra era gente do seu peito e ela não.” (op. cit., 2004, p. 173)
    Fiel ao seu homem e aos seus princípios, ela tinha absoluta certeza de que ele fora seduzido pela vulgaridade de Rita. Para ela, o marido era apenas uma vítima. Jerónimo envolvera-se com a mulata que simboliza o Brasil. Ele "cedeu à atração da terra, dissolveu-se nela e com isso perdeu a possibilidade de dominá-la". Segundo CANDIDO, ao "agir como brasileiro redunda para o imigrante em ser como brasileiro" (2004, p. 119), e, à medida que se entrega ao amor de Rita, o lusitano vai sendo absorvido pela terra, até mudar completamente a sua personalidade. Todas as metáforas usadas para descrever a mulata dão ideia de dominação do elemento brasileiro sobre o português. É a mulher brasileira que enfeitiça e mantém sob seu domínio o português, antigo colonizador.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Caracterização de Jerónimo

    Os naturalistas acreditavam que o indivíduo era mero produto da hereditariedade e do meio em que vivia e sobre o qual agia. É o que sucede, no caso da literatura realista produzida em Portugal durante o século XIX, em Os Maias. De facto, Eça de Queirós aborda a questão através das personagens Pedro da Maia e Eusebiozinho, cuja fraqueza, defeitos e comportamentos são justificados pelos traços hereditários, pela educação que tiveram e pelo meio em que cresceram. Voltando a O Cortiço, Jerónimo é a figura que cumpre as leis naturais do meio e da raça, uma personagem que passa por transformações ao longo da narrativa. Jerónimo era um português forte, trabalhador e honesto, que chegou ao Brasil com o objetivo de ascender socialmente, trazendo consigo uma filhinha e a sua mulher, Piedade. Começa por trabalhar numa fazenda onde "tinha que sujeitar-se a emparelhar com os negros escravos e viver com eles no mesmo meio degradante, encurralado como uma besta, sem aspirações nem futuro, trabalhando eternamente para outro" (AZEVEDO, 2004, p. 56). Insatisfeito, resolve abandonar tal atividade e ruma para a Corte onde, conforme os patrícios, o homem determinado consegue obter uma boa disposição. Chega ao cortiço com o intuito de enriquecer. Vive para a mulher e vice-versa. O V capítulo narra a mudança de Jerónimo e da família e a reação da comunidade, nomeadamente os comentários e os cochichos das lavadeiras. Após alguns meses, o casal acaba por conquistar a total confiança dos habitantes do cortiço, por ser sincero, de caráter sério e respeitável. Leva uma vida simples e a sua filha estuda num internato: Aos domingos, vão às vezes à missa ou, à tarde, ao passeio público, ocasiões em que o homem veste uma camisa engomada, calça sapatos e enfia um paletó, enquanto a esposa enverga o seu vestido de ver a Deus.
    Todo o capítulo faz referência às virtudes de Jerónimo. É comparado a um Hércules, tipo clássico-mitológico, robusto, que tinha bastante força e realizara grandes feitos. O português é racional, possui valores morais, está ligado a tradições lusitanas, à família e ao trabalho. Trabalha duro na pedreira de João Romão e distingue-se entre os outros operários, de modo que "o patrão o converteu numa espécie de contramestre" (op. cit., 2004, p. 56). Possui "a força de touro". Jerónimo é, pois, um homem honrado, comedido e mantém um comportamento saudosista de imigrante português, procurando ser fiel às origens, o que se revela no hábito de se sentar à porta, dedilhando os fados da terra natal. "Era nesses momentos que dava plena expansão às saudades da pátria, com aquelas cantigas melancólicas em que a sua alma de desterrado voava das zonas abrasadas da América para as aldeias tristes da sua infância" (op. cit., 2004, p. 59). Porém, Jerónimo começa a sofrer a influência do ambiente sensual e desregrado que caracteriza o cortiço. Tudo começou quando, depois de passar uma temporada com Firmo, seu namorado, Rita Baiana, uma sedutora mulata brasileira (raça e meio) retorna ao cortiço. Esse regresso é marcado por uma festa, na qual Rita acaba por despertar a paixão do português quando entra na roda para dançar: De facto, ela penetrou na roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a deixava ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer enorme, em que não se toma pé e nunca se encontra fundo. Jerónimo encanta-se com a dança de Rita, o que provoca os ciúmes de Firmo. "É o fado português de Jerónimo se batendo contra o choro brasileiro do capoeirista Firmo". (MARQUES Jr., 2000, p. 239). Hábil na capoeira, Firmo abre a barriga do rival com uma navalha, fugindo logo depois. O português vai parar ao hospital e, quando sai, chama os amigos e, todos juntos, vão à "praia da Saudade", onde matam o outro a pauladas.
    Rita simboliza o Brasil de campos escaldantes que penetrou na alma de Jerónimo, oriundo de Portugal, um pais de terras frias. O português é um homem de moral rígida, contudo acaba por perder a sua antiga fibra ao entregar-se uma vida indisciplinada. O sol, a natureza, a sensibilidade e o calor da mulata modificaram o seu modo de viver. António Cândido, em O discurso e a cidade, explica que o abrasileiramento de Jerónimo é regido quase ritualmente pela baiana, que o envolve em lendas e cantigas do Norte, lhe dá pratos apimentados e o corpo "lavado três vezes ao dia e três vezes perfumado com ervas aromáticas". Este abrasileiramento é expressivamente marcado pela perda do "espírito da economia e da ordem", da "esperança de enriquecer". A sua paixão violenta é apresentada por Aluísio de Azevedo como consequência das "imposições mesológicas", sendo Rita "o fruto dourado e acre destes sertões americanos". No que diz respeito a esta questão, existe n’ 0 Cortiço um pouco de Iracema coada pelo Naturalismo, com a índia = virgem dos lábios de mel + licor da jurema, transposta aqui para a baiana = corpo cheiroso + filtros capitosos, que derrubam um novo Martim Soares Moreno finalmente desdobrado, cuja parte arrivista e conquistadora é João Romão, mas cuja parte romântica é fascinada pela terra e Jerónimo. Iracema e Rita são igualmente a Terra. Lá, com filtro da jurema, aqui, com o do café, que possui um sentido afrodisíaco e simbólico de beberagem através da qual penetram no português as seduções do meio: "[...] a chávena fumegante da perfumosa bebida que tinha sido a mensageira dos seus amores". (CANDIDO, 2004, pp. 120-121). A atração do português pela mulata é causada pela tropicalidade, a natureza brasileira que foi fundamental para a sua mudança. Mas não é só a natureza que justifica a transformação. De facto, as diferenças raciais também têm um peso considerável, pois a sensual Rita é mulata. Ela representa a raça desagregadora. "No Brasil, quero dizer: n' O Cortiço, o mestiço é capitoso, sensual, irrequieto, fermento de dissolução que justifica todas as transgressões e constitui em face do europeu um perigo e uma tentação" (op. cit., 2004, p. 118). Rita e Jerónimo atraem-se impulsionados pelo determinismo do meio e do sangue (raça). O desejo pela mulata constitui um dos fatores da queda do lusitano, que "abrasileirou-se", como afirma o narrador. O erotismo de Jerónimo demonstra que ele cedeu aos instintos e se nivelou aos nativos brasileiros. Este seu erotismo atraiu o brasileiro, no caso, representado pela mulata Rita, porque o português pertencia a uma "raça superior", a branca. O narrador evidenciou traços de Jerónimo que este mesmo desconhecia, como, por exemplo, na descrição do início dos sentimentos que o português nutre pela brasileira ao vê-la dançar. "Isto era o que Jerónimo sentia, mas o que o tonto não podia conceber [...] só lhe ficou no espírito o entorpecimento de uma desconhecida embriaguez [...]" (AZEVEDO, 2004, p. 78). Enquanto seguidor de teorias científicas, o narrador pode saber o que influencia uma personagem; mas, como razão da experiência, essa personagem não tem ciência do que lhe vai acontecer. No início da narrativa, Jerónimo era bastante equilibrado, mas aos poucos sofre uma grande transformação, pois, influenciado pelo novo meio geográfico (Brasil) e social (a comunidade) em que se integra, chega ao ponto de perder a razão e a sensatez que haviam impressionado os moradores do cortiço. Assim sendo, essa mudança é fruto de um "abrasileiramento" da personagem.
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