Português: Caracterização do velho Botelho

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Caracterização do velho Botelho

    O velho Botelho mora na casa de Miranda, um pobre coitado de quase setenta anos, antipático, de cabelo branco, «curto e duro como uma escova, com barba e bigode do mesmo tipo".
    Já fora rico, graças ao comércio e ao tráfico de escravos, porém acabou por entrar numa espiral de fracassos que o conduziu à ruína financeira: "... foi perdendo tudo". Agora, velho e desiludido, vive graças à caridade de Miranda, de quem é amigo desde os tempos em que tinham sido colegas de trabalho na juventude.
    Botelho está a par das traições de Estela e o próprio marido, Miranda, costumava desabafar com ele o seu infortúnio no matrimónio, nomeadamente o desprezo que sentia pela esposa. O velho ficava contente com o facto de Miranda falar mal da consorte e concordava com ele. Ocasionalmente, a própria Estela não lhe escondia o desprezo e o nojo que dedicava ao marido, o que deixava Botelho ainda mais contente. Estamos, pois, na presença de uma figura mesquinha e cínica, que encontra satisfação nos conflitos e infelicidade alheios. Além disso, demonstra que a sua pretensa amizade por Miranda não é sincera, antes se devendo às suas necessidades.
    Experiente, nunca transmite a nenhum dos dois o que dizem um do outro, continuando a agir de forma dissimulada. Tanto é assim que certa noite surpreende Estela e Henrique envolvidos no fundo do quintal. Só aparece ao casal quando se separa, finge compreensão pelo caso amoroso ("acho isso a coisa mais natural do mundo!"), o que pode indiciar o seu caráter fingido, mas também pode sugerir a prática comum do adultério, de tal forma que se tornara quase natural. Na sequência, promete a Henrique guardar segredo acerca do seu envolvimento com Estela, aconselhando, inclusive, a envolver-se com mulheres mais velhas e não com "jovens donzelas", que lhe poderão causar problemas. Até lhe diz que está a fazer um favor ao próprio marido, pois faz com que a esposa fique de melhor humor e não aborreça o esposo, que necessita de descanso por causa do trabalho. Desta forma, Botelho incentiva o adultério de forma cínica, manipulando o inocente Henrique. Acrescenta ainda que deve evitar as prostitutas por causa das doenças e reafirma que necessita de se manter igualmente afastado das donzelas. Todo o diálogo entre o velho e o jovem é pautado por constantes gestos de carinho daquele ["(...) acho você simpático, porque acho você bonito!"),que sugerem a homossexualidade de Botelho.
    Deste modo, Henrique vê-se envolvidom do alto dos seus 15 anos, com uma mulher mais velha, o que nos coloca num quadro de pedofilia, e é desejado também por Botelho.
    Em determinado momento, começa a aproximar-se de João Romão, procurando tornar-se seu amigo, aproximação correspondida por parte do dono do cortiço. Na verdade, esta nova amizade era movida por interesse de ambos e o velho Botelho acaba por sugerir ao outro o casamento com Zulmirinha, a filha de Miranda e Estela, pois "Quem casar com Zulmira leva os prédios e ações do banco que estão no nome dela!...". Interesseiro, o velho pede a Romão vinte contos de réis para o ajudar a casar com a jovem.
    A concretização do casamento enfrenta um obstáculo: Bertoleza. Botelho sugere a João Romão que a mande embora e acaba por aceitar duzentos mil-réis para a denunciar como escrava fugida  a entregar aos herdeiros do homem de quem fugira, confirmando o seu caráter racista e abjeto: "Eu, para devolver negro fugido para o dono, estou sempre pronto."

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