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Realismo e a Geração de 70
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1. A Geração de 70
A segunda geração romântica,
geração ultrarromântica, liga-se ao
período da Regeneração, fase de estabilização aparente da vida social e
política, conseguida através da:
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eliminação da ala esquerda do Liberalismo;
.
criação duma oligarquia que deturpou as reformas sociais de Mouzinho da Silveira,
degradou os ideais do Liberalismo e deu lugar a uma nova classe dominante.
Esta geração romântica, despojada
da pureza dos ideais que tinha caracterizado a primeira geração, vivia num
compromisso assumido e proveitoso com o governo, ocupava cargos privilegiados,
dominava a administração pública, a imprensa, a política e a literatura. Tudo
parecia querer traduzir a vontade e os princípios orientadores do governo. A
Literatura é mais do que nunca um fenómeno oficial, marcado pelo conservadorismo
ideológico e pela deterioração duma estética cada vez mais estereotipada.
O paternalismo / autoritarismo
destes valores tem em Castilho o seu representante máximo. Este poeta ultrarromântico,
com uma formação neoclássica e conservadora, é a figura venerada, o patriarca
dos ultrarromânticos a cuja apreciação sujeitam toda a produção literária com
o objetivo de obterem a sua adesão, a sua avaliação favorável, condição suficiente
para os impor junto dos editores e do público em geral. Castilho alimentou
este clima, este estado de espírito medíocre que nada tinha de promissor e de
fecundo, tornando-se um dos grandes responsáveis pela decadência do
Romantismo português e pela rutura polémica que lhe pôs fim.
Esta situação literária, que tem
como suporte o enfeudamento ao poder, o elogio mútuo, o protecionismo e a
consequente falta de qualidade e de criatividade, dá azo a que um grupo de jovens
intelectuais, ligados à Universidade de Coimbra assuma a coragem da
"rebelião" contra os literatos de Lisboa e o seu mestre e protetor.
Este grupo ficou a ser conhecido por Geração de 70.
A Geração de 70 é, basicamente, um
grupo de jovens intelectuais estudantes na Universidade de Coimbra, do qual
fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho
Ortigão, Guerra Junqueiro e outros, que surge a contestar os excessos do
Ultrarromantismo, representados por uma plêiade de escritores sob a égide de
António Feliciano de Castilho.
2.
Questão Coimbrã
O primeiro sinal da renovação
literária e ideológica foi dado na Questão Coimbrã, onde se defrontaram os
defensores do statu quo literário e
um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, mais ou menos
entusiasmados pelas leituras e correntes estrangeiras.
O motivo da "Questão"
foi aparentemente trivial. O conjunto de acontecimentos que a rodearam pode
resumir-se da seguinte forma:
-»
Publicação, em 1862, do poema D. Jaime,
de Tomás Ribeiro;
-» A Conversação
preambular, escrita, em 11 de Julho de 1862, por António Feliciano de
Castilho, para apadrinhar o poema D.
Jaime, ultrapassa todos os limites, traçando um confronto entre essa obra
e Os Lusíadas, considerando-a uma
epopeia superior à epopeia camoniana.
-» Leitura a Castilho dos poemas, até então
inéditos, de Antero e Teófilo, que os acolheu com hiperbólica ironia.
-» Escaramuças jornalísticas entre Pinheiro
Chagas, crítico dos «coimbrões», e Germano Meireles, seu apologeta.
-» Em agosto de 1865, Antero de Quental
publica Odes Modernas, influenciado
por escritores e filósofos franceses, afirmando no prefácio que “A poesia é a voz da Revolução”.
-» Em 27 de setembro de 1865, Castilho (uma
espécie de padrinho oficial de escritores mais novos, tais como Ernesto
Biester, Tomás Ribeiro ou Pinheiro Chagas, à volta do qual se constelou um
grupo de admiradores e protegidos ‑ «escola
do elogio mútuo», chamar-lhe-á Antero ‑ em que o academismo e o
formalismo anódino das produções literárias correspondiam à hipocrisia das
relações humanas, e em que toda a audácia tendia a neutralizar-se), em carta
ao editor António Maria Pereira que serve de posfácio ao Poema da Mocidade, ingénua biografia lírica em quatro cantos,
típica do saudosismo ultrarromântico, escrita por Pinheiro Chagas, aproveita
a oportunidade para fazer o elogio deste escritor, recomendando Pinheiro
Chagas ao rei D. Pedro V para a cadeira, então vaga, de Literaturas Modernas
no Curso Superior de Letras, e censurar um grupo de jovens de Coimbra,
acusando-os de exibicionismo livresco, de obscuridade propositada e de
tratarem temas que nada tinham a ver com a poesia. Os escritores mencionados
eram Teófilo Braga, autor dos poemas Visão
dos Tempos e Tempestades Sonoras
(futuro candidato a essa cadeira de Literatura); Antero de Quental, que
publicara Odes Modernas; e Vieira
de Castro, um jovem e verboso deputado.
-» Antero responde, em novembro de 1865,
com um folheto intitulado Bom Senso e
Bom Gosto (as duas virtudes que Castilho negara aos dois academistas).
Nele defendia a independência dos jovens escritores; apontava a gravidade da
missão dos poetas na época de grandes transformações em curso, a necessidade
de eles serem os arautos do pensamento revolucionário e os representantes do
«Ideal»: ridicularizava a futilidade, a insignificância e o provincianismo da
poesia de Castilho. Estava despoletada a Questão
Coimbrão e estavam também lançadas as sementes do Realismo em Portugal.
Os sequazes de Castilho replicaram
de imediato e os folhetos começaram a chover de ambos os lados. Quental
arremeteu com novo opúsculos nesse mesmo ano, sob o título A dignidade das Letras e as Literaturas
Oficiais, enquanto Teófilo replicou com Teocracias Literárias (1866). Castilho não reagiu publicamente,
mas teve como defensores figuras ilustres. Um deles foi Ramalho Ortigão, que
mais tarde se haveria de integrar no grupo de Coimbra, mas que nesta altura
saiu à liça como paladino de Castilho em Literatura
de Hoje (1866), repreendendo Antero com ásperos adjetivos pelo seu
desrespeito, o que provocou um duelo entre ambos. Note-se, porém, que nesse
folheto Ramalho marcou uma posição de independência, criticando também a fuga
de Castilho às lutas das ideias. Outro combatente das hostes de Castilho foi
Camilo, que, em Verdades Irritadas e
Irritantes (1866), com o seu temível sarcasmo polémico, veio atacar a
nova geração.
De notar que a Questão Coimbrã se alimentou de
incompatibilidades literárias, que se foram juntando as sociais, políticas e
filosóficas e, por último, as pessoais. Por exemplo, Antero e Teófilo não
deixaram de causar estupefação com a brutalidade das alusões à idade e à
cegueira de Castilho.
2.1. O significado
da Questão
A Questão, embora aparentemente literária, denunciava
incompatibilidades mais profundas. De facto, os jovens universitários de 1865
reagiram contra a falsidade que representavam muitos outros aspetos da vida
portuguesa, produto da adaptação das formas alienígenas do Liberalismo à
velha estrutura tradicional do País. A revolta da Geração de 70 eclodiu num
movimento político, filosófico e literário, cuja amplitude ultrapassou talvez
a do próprio Romantismo.
Este grupo que se sublevou contra Castilho
era o mesmo que, acrescido de personalidades com tendências paralelas, havia
de tratar, em 1871, nas Conferências Democráticas do Casino, de colocar
Portugal a par da atualidade europeia, ligando-o "com o movimento
moderno", estudando "as condições de transformação política,
económica e religiosa da sociedade portuguesa".
Da ânsia de renovação cultural dos
universitários dessa época dá Eça de Queirós uma boa ideia, ao relembrar a
Coimbra do seu tempo: "Pelos caminhos de ferro que tinham aberto a Península,
rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França),
torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos,
interesses humanitários. Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que
fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo
tornado profeta e justiceiro dos Reis; e Balzac com o seu mundo perverso e
lânguido; e Goethe, vasto como um universo; e Pöe, e Heine, e creio que já
Darwin, e quantos outros!
Naquela geração nervosa, sensível
e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as
guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira,
fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumarada!"
De toda esta problemática, fácil
se torna concluir que esta geração surgida à vida pública na famosa
"Questão Coimbrã" avulta como uma das mais brilhantes constelações
que a cultura portuguesa produziu em qualquer época.
3.
As Conferências do Casino
Assim designadas por terem
decorrido na sala alugada do Casino Lisbonense, as Conferências do Casino
foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa, na primavera de
1871, pelo chamado grupo do Cenáculo, constituído por jovens escritores e intelectuais
de vanguarda (Geração de 70), que passaram a reunir-se em Lisboa depois de
concluídos os seus estudos em Coimbra, restaurando a antiga fraternidade
académica num Cenáculo com sede em
casa de um deles. Do grupo faziam parte Antero, Teófilo, João Augusto Machado
de Faria e Maia, Manuel de Arriaga, Eça de Queirós, e mais tarde Jaime
Batalha Reis, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Adolfo Coelho, Augusto
Soromenho, Guilherme Azevedo e Guerra Junqueiro.
Das discussões do Cenáculo, em que
se aliavam a literatura e a boémia, tinham saído de começo obras de pura
ficção, como as últimas Prosas Bárbaras
de Eça de Queirós e os «satânicos» Poemas
de Macadam, atribuídos a um imaginário Carlos Fradique Mendes; a chegada
de Antero vem disciplinar as leituras e os interesses e dar um objetivo mais
preciso ao grupo.
O grande impulsionador das Conferências foi Antero de Quental,
que, a partir de 1871, regressando de viagens a França, América e à ilha de
S. Miguel, logo começara a influir nos gostos e interesses do grupo,
iniciando-o na leitura de Proudhon. A ideia das Conferências surgiu na Casa
da Rua dos Prazeres, onde o Cenáculo reunia então. Antero e Batalha Reis
alugaram a sala do Casino Lisbonense, no largo da Abegoaria, hoje de Rafael
Bordalo Pinheiro. O jornal A Revolução
de Setembro encarregou-se da propaganda. A 18 de maio surgiu naquele jornal
um manifesto (que já fora distribuído em prospeto), assinado por doze nomes,
onde se indicavam as intenções dos organizadores das chamadas Conferências Democráticas.
3.1.
Programa das Conferências
«Ninguém
desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e
todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como
deve regenerar-se a organização social.
Sob
cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que
constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e
o porquê dos movimentos.
Pareceu
que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos
tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias
e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela
deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e,
por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as
correntes do século.
Não
pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais
do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também
ser o assunto das nossas constantes meditações.
Abrir
uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento
do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política
dos povos.
Ligar
Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais
de que vive a humanidade civilizada;
Procurar
adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar
na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar
as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade
portuguesa;
Tal
é o fim das Conferências Democráticas.
Têm
elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a
opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo
que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma
segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma
sólida garantia à ordem.
Posto
isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas
aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam
a sua atenção aos que pretendem ter uma ação ‑ embora mínima ‑ nos destinos
do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado
dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa,
16 de maio de 1871 ‑ Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto
Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo,
Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga,
Teófilo Braga."
3.2.
Significado das Conferências
Encaradas no seu conjunto, as
Conferências do Casino integram-se num largo, embora vago, plano de reforma
da sociedade portuguesa e representam entre nós a afirmação dum movimento de
ideias que contagiara os intelectuais portugueses, através dos livros vindos
de fora. Era o historicismo, o interesse pelas ciências políticas e sociais,
a crítica positivista à maneira de Taine, o evolucionismo de Darwin, um alvorecer
de interesse pelas teorias de Marx e Engels, os ecos da Internacional, o realismo
em Arte como expressão dum novo ideal de vida, a crença no progresso das
sociedades, conseguido através das ciências ‑ das positivas, cujo prestígio
crescia a cada instante. E, embora as preleções de Soromenho e A. Coelho se
tenham mantido alheias a este espírito revolucionário, e apenas tenham
marcado uma posição de ácido negativismo quanto às coisas portuguesas ‑ a verdade
é que o espírito das Conferências do Casino foi este. Como Eça afirmava nas Farpas, «era a primeira vez que a Revolução
sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna».
Para compreender todo o alcance
das Conferências, convém notar que se estava então num ano de grandes
acontecimentos ‑ 1871: remate da unificação de Itália, queda do II Império
francês, guerra franco-prussiana, Comuna de Paris, que Antero e Guilherme de
Azevedo aplaudiram publicamente. No plano interno, este é o ano em que a
Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864, se estende a
Portugal, com a cooperação de Antero. O principal promotor em Portugal desta
organização, um empregado da livraria Bertrand, José Fontana, tem contactos
com o Cenáculo, e participa, como organizador administrativo, nas
Conferências.
É fácil, desta forma, compreender
a importância que lhe dedicaram as autoridades oficiais, até ao seu
encerramento compulsivo por ordem do ministro do reino, António José de
Ávila, após os ataques de jornais conservadores, que acusavam os
conferencistas de intenções subversivas e de serem adeptos da Comuna. A
motivação próxima da ordem de encerramento parece ter sido a de impedir a
realização de uma conferência que ia pôr em causa a religião católica,
constitucionalmente ligada ao Estado.
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maquina
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminargracias
ResponderEliminarobrigada. gostei de aprender
ResponderEliminarmuito comovente
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