Português: Análise do poema "Canção do Tamoio", de Gonçalves Dias

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Análise do poema "Canção do Tamoio", de Gonçalves Dias


             “Canção do Tamoio” é um poema da autoria de Gonçalves Dias, constituído por dez oitavas de versos de redondilha menor. Pertence ao género épico, pois exalta a coragem dos índios. O sujeito da enunciação é o pai que se dirige ao filho que acaba de nascer e chora. Estes conselhos revelam uma mundividência indígena, que tem a ver com o caráter do índio: coragem e força. Há uma tentativa de registar a cultura dos indígenas brasileiros e a relação de poder dirigida aos herdeiros da classe dominante. Por outro lado, o poema enfatiza a posição de guerreiros dos índios, mas acaba por reforçar o seu estatuto de inferioridade e a noção da supressão do mestiço na sociedade do Brasil. A fase indianista da literatura brasileira transmite uma imagem positiva do povo, assente no amor à liberdade, no apego à terra e a valores locais. Esta valorização do índio é um reconhecimento do seu valor e da sua importância na fundação do país, bem como a recriação da história da origem do povo, desassociando-a dos seus traços sociais e históricos, que evidenciavam a condição atrasada e periférica da jovem nação: a colonização (o português) e o trabalho escravo (negros escravos e mestiços), o que possibilitava a construção de uma ascendência heroica que derivava do indígena.
            Na primeira estrofe, o sujeito poético apresenta-se como o pai indígena no momento do nascimento do seu filho, que chora, e que lhe dá as boas-vindas, transmitindo-lhe os valores e a história heroica dos seus antepassados, não os portugueses, mas os tamoios. Assim sendo, mostra-lhe que, na vida, há que seguir com bravura, ser forte e lutar, pois “Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate”. Além disso, exalta os fortes.
            A exclamação que abre a segunda oitava enfatiza a ideia de que é importante viver na condição de homem forte e dominador. O homem forte não teme a morte, apenas a fuga, pois tal seria sinónimo de cobardia, pelo que é importante ficar e lutar. De seguida, o «eu» pai aconselha o filho recém-nascido a, nas situações de tensão, a agir como um caçador e a acionar os seus instintos de defesa: “No arco que entesa / tem certa uma presa”. Assim, chama a atenção para a contradição e a tensão existente entre as classes sociais que sinaliza o poder de um grupo, havendo evidências da constituição do homem brasileiro mestiço que se formava: “Quer seja tapuia, condor ou tapir”.
            A diferença entre o homem fraco e o forte retorna no início da estrofe seguinte: o primeiro é cobarde (porque foge, desiste, não luta) e invejoso da condição do segundo – lutador, determinado, corajoso, garboso e feroz. O verso 21 introduz a figura dos velhos, destacando-se a sua sabedoria (traduzida pela metáfora “Curvadas as frontes”, isto é, franzindo o rosto, a testa) e o facto de escutar a voz do homem fraco, cobarde e invejoso, aconselhando-o, porém, no sentido de o convencer da importância de ser um homem forte.
            A quarta oitava destaca a força do destino: o que está destinado, destinado está e, por isso, é fundamental ser sempre corajoso, porque a morte virá quando tiver de vir. A vida relaciona-se com a dominação e a morte com o descanso merecido após a jornada de conquistas. O que foi feito ficará na memoria. Os versos 29 e 30 introduzem um tema que atravessa autores e épocas: a passagem do tempo é inexorável e a morte inevitável. Assim sendo, a vida deverá ser vivida de forma digna e honrada, isto é, com bravura e força, devendo constituir uma referência para as gerações futuras. O sujeito poético é o pai que enfatiza a necessidade de construir um presente que molde o futuro, por isso é importante registar a história do país, as suas tradições, a sua cultura e os seus costumes.
            A estrofe seguinte enfatiza a noção da herança da tribo, nomeadamente a sua coragem e valentia: “Tamoio nascestes, / Valente serás.” Esta noção é acentuada pela referência ao brasão. Relembremos que brasão é o conjunto dos emblemas e signos distintivos de uma família nobre ou de uma coletividade. Deste modo, essa referência simboliza o orgulho nas suas qualidades, em tempo de paz ou de guerra.
            Desde o início do poema, o «eu» poético enfatiza a valentia do indígena, construindo uma imagem de luta, de combate, na qual o grito de guerra é a arma mais potente e com ele amedronta o oponente. A assonância em «ao» nos versos 45 e 49 e a comparação (“Pior que…”) com o efeito de susto e barulho como os sons da flecha lançada e o trovão, som da natureza que evidencia força e barulho que se ouve a grandes distâncias, destacam o tom grave do texto e essa noção de força e luta.
            A luta e a guerra tiveram lugar num passado distante e não tiveram como inimigo o colonizador, antes sucederam entre as diferentes tribos indígenas e causaram o horror. A referência à guerra e à grandeza do nome indígena sucede num momento em que esses eventos já não existem mais na objetividade da história brasileira.
            A partir deste ponto, o poema transforma-se num canto fúnebre, num canto de mote, ainda que se trate de uma morte heroica, impávida e audaz. O sujeito poético – o pai – apela ao filho para que, na sua última hora, se cair nos braços dos inimigos, reflita sobre a sua conduta moral diante do legado da sua tradição, com firmeza e astúcia: “Na última hora / Tens feitos memoria, / Tranquilo nos gestos, / Impávido, audaz.”
            A nona oitava explica, de forma metafórica, o heroísmo e a grandiosidade que presidiram à história do povo que ali vivia antes da chegada do homem branco. A conquista possível é a da honra dos tamoios, representada pelo brasão, que os torna os melhores e mais bravos guerreiros. Neste sentido, apesar de toda a idealização, o poema aproxima-se da realidade, visto que para o filho do índio não há possibilidade alguma de outra conquista.
            Este poema eleva o indígena à categoria de herói nacional, idealizando-o, mas, por outro lado, também demonstra o nascimento e a morte da possibilidade de um outro projeto de nação em que, de facto, estivessem incluídos os dominados.
            Há que ter sempre o melhor na vida e na luta, como se só isso fosse o caminho para algo eterno, que fica para lá da morte. Esta superioridade em tudo lembra a ἀρετή (a virtude) dos gregos.
           O ritmo do poema é incisivo e forte, adequado ao tipo de discurso, e a métrica é breve (redondilha menor). Isto está presente também no poema “I – Juca Pirama”. A Linguagem é substantiva, o que marca o equilíbrio da poesia de Gonçalves Dias.

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