“Canção do Tamoio” é um poema da
autoria de Gonçalves Dias, constituído por dez oitavas de versos de redondilha
menor. Pertence ao género épico, pois exalta a coragem dos índios. O sujeito da
enunciação é o pai que se dirige ao filho que acaba de nascer e chora. Estes
conselhos revelam uma mundividência indígena, que tem a ver com o caráter do
índio: coragem e força. Há uma tentativa de registar a cultura dos indígenas
brasileiros e a relação de poder dirigida aos herdeiros da classe dominante. Por
outro lado, o poema enfatiza a posição de guerreiros dos índios, mas acaba por
reforçar o seu estatuto de inferioridade e a noção da supressão do mestiço na
sociedade do Brasil. A fase indianista da literatura brasileira transmite uma
imagem positiva do povo, assente no amor à liberdade, no apego à terra e a
valores locais. Esta valorização do índio é um reconhecimento do seu valor e da
sua importância na fundação do país, bem como a recriação da história da origem
do povo, desassociando-a dos seus traços sociais e históricos, que evidenciavam
a condição atrasada e periférica da jovem nação: a colonização (o português) e
o trabalho escravo (negros escravos e mestiços), o que possibilitava a
construção de uma ascendência heroica que derivava do indígena.
Na primeira estrofe, o sujeito
poético apresenta-se como o pai indígena no momento do nascimento do seu filho,
que chora, e que lhe dá as boas-vindas, transmitindo-lhe os valores e a
história heroica dos seus antepassados, não os portugueses, mas os tamoios.
Assim sendo, mostra-lhe que, na vida, há que seguir com bravura, ser forte e
lutar, pois “Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate”. Além
disso, exalta os fortes.
A exclamação que abre a segunda
oitava enfatiza a ideia de que é importante viver na condição de homem forte e
dominador. O homem forte não teme a morte, apenas a fuga, pois tal seria
sinónimo de cobardia, pelo que é importante ficar e lutar. De seguida, o «eu»
pai aconselha o filho recém-nascido a, nas situações de tensão, a agir como um
caçador e a acionar os seus instintos de defesa: “No arco que entesa / tem
certa uma presa”. Assim, chama a atenção para a contradição e a tensão
existente entre as classes sociais que sinaliza o poder de um grupo, havendo
evidências da constituição do homem brasileiro mestiço que se formava: “Quer
seja tapuia, condor ou tapir”.
A diferença entre o homem fraco e o
forte retorna no início da estrofe seguinte: o primeiro é cobarde (porque foge,
desiste, não luta) e invejoso da condição do segundo – lutador, determinado,
corajoso, garboso e feroz. O verso 21 introduz a figura dos velhos, destacando-se
a sua sabedoria (traduzida pela metáfora “Curvadas as frontes”, isto é,
franzindo o rosto, a testa) e o facto de escutar a voz do homem fraco, cobarde
e invejoso, aconselhando-o, porém, no sentido de o convencer da importância de
ser um homem forte.
A quarta oitava destaca a força do
destino: o que está destinado, destinado está e, por isso, é fundamental ser
sempre corajoso, porque a morte virá quando tiver de vir. A vida relaciona-se
com a dominação e a morte com o descanso merecido após a jornada de conquistas.
O que foi feito ficará na memoria. Os versos 29 e 30 introduzem um tema que atravessa
autores e épocas: a passagem do tempo é inexorável e a morte inevitável. Assim
sendo, a vida deverá ser vivida de forma digna e honrada, isto é, com bravura e
força, devendo constituir uma referência para as gerações futuras. O sujeito
poético é o pai que enfatiza a necessidade de construir um presente que molde o
futuro, por isso é importante registar a história do país, as suas tradições, a
sua cultura e os seus costumes.
A estrofe seguinte enfatiza a noção
da herança da tribo, nomeadamente a sua coragem e valentia: “Tamoio nascestes,
/ Valente serás.” Esta noção é acentuada pela referência ao brasão. Relembremos
que brasão é o conjunto dos emblemas e signos distintivos de uma família nobre
ou de uma coletividade. Deste modo, essa referência simboliza o orgulho nas
suas qualidades, em tempo de paz ou de guerra.
Desde o início do poema, o «eu»
poético enfatiza a valentia do indígena, construindo uma imagem de luta, de
combate, na qual o grito de guerra é a arma mais potente e com ele amedronta o oponente.
A assonância em «ao» nos versos 45 e 49 e a comparação (“Pior que…”) com o
efeito de susto e barulho como os sons da flecha lançada e o trovão, som da
natureza que evidencia força e barulho que se ouve a grandes distâncias,
destacam o tom grave do texto e essa noção de força e luta.
A luta e a guerra tiveram lugar num
passado distante e não tiveram como inimigo o colonizador, antes sucederam
entre as diferentes tribos indígenas e causaram o horror. A referência à guerra
e à grandeza do nome indígena sucede num momento em que esses eventos já não
existem mais na objetividade da história brasileira.
A partir deste ponto, o poema
transforma-se num canto fúnebre, num canto de mote, ainda que se trate de uma
morte heroica, impávida e audaz. O sujeito poético – o pai – apela ao filho
para que, na sua última hora, se cair nos braços dos inimigos, reflita sobre a
sua conduta moral diante do legado da sua tradição, com firmeza e astúcia: “Na
última hora / Tens feitos memoria, / Tranquilo nos gestos, / Impávido, audaz.”
A nona oitava explica, de forma
metafórica, o heroísmo e a grandiosidade que presidiram à história do povo que
ali vivia antes da chegada do homem branco. A conquista possível é a da honra
dos tamoios, representada pelo brasão, que os torna os melhores e mais bravos
guerreiros. Neste sentido, apesar de toda a idealização, o poema aproxima-se da
realidade, visto que para o filho do índio não há possibilidade alguma de outra
conquista.
Este poema eleva o indígena à
categoria de herói nacional, idealizando-o, mas, por outro lado, também
demonstra o nascimento e a morte da possibilidade de um outro projeto de nação
em que, de facto, estivessem incluídos os dominados.
Há que ter sempre o melhor na vida e
na luta, como se só isso fosse o caminho para algo eterno, que fica para lá da
morte. Esta superioridade em tudo lembra
a ἀρετή (a virtude)
dos gregos.
O
ritmo do poema é incisivo e forte, adequado ao tipo de discurso, e a métrica é
breve (redondilha menor). Isto está presente também no poema “I – Juca Pirama”.
A Linguagem é substantiva, o que marca o equilíbrio da poesia de Gonçalves
Dias.
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