Ruben Oppenheimer |
domingo, 11 de setembro de 2022
Análise do poema "Crê"
O uso do soneto serve para o desenvolvimento racional do tema, mas serve também para sugerir. O «crê» é uma exortação, um incentivo que já estava presente no poema anterior. O clima de exortação vai conferir ao poema um tom de idealização, que é próprio do Romantismo, usando uma forma do Parnasianismo. É um poema herdeiro do idealismo romântico: "Toda a alma necessita / De uma esfera de cânticos, bendita, / Para andar crendo e para andar gemendo!" Assim, neste poema temos ideias e tópicos de escolas diferentes: a exortação remete-nos para o idealismo romântico; o partir do particular para o genérico é uma técnica parnasiana e a ideia de transcendência aproxima-o do Simbolismo.
A ideia de transcendência também aparece em Antero, mas neste o alcance do «êxtase bendito» é feito por uma depuração do espírito; é muito racionalista, ao contrário de Cruz e Sousa, que é mais emocional: é a dor que transcendentaliza. Há quase um certo gozo na dor.
O último terceto envolve o poema num certo clima etéreo, clima este que nos vai ser proporcionado pelo Simbolismo.
sábado, 10 de setembro de 2022
Análise do poema "Acrobata da dor"
Este poema está mais próximo do Parnasianismo. O tema - o contraste entre o interior e o exterior - é desenvolvido de forma racional, sem apelo à sugestão. É um soneto com todos os requisitos que esta forma impõe:
. colocação
. desenvolvimento
. síntese do tema
O tema fala da superação da dor pelo palhaço, designado por quatro diferentes: "palhaço", "clown", "gravoche" e "acrobata da dor".
Enquanto o Parnasianismo preferia paisagens físicas, aqui temos alguém que fala do sentimento de um palhaço, mas mascarado pelo riso. Há um distanciamento do «eu» lírico. Esta forma racional de abordar o tema é já parnasiana.
Mas quem é o palhaço? O palhaço é o coração: "Ri! coração, tristíssimo palhaço." Ao usar a terceira pessoa, há um distanciamento relativamente ao objeto: o coração pode ser o dele ou o de outro qualquer.
Esta forma de abordar o interior sem cair no lirismo derramado do Romantismo, mas abordando-o de forma racionalista é o que vamos encontrar em Antero de Quental, que procurou um Romantismo racionalista. Ora, também o soneto era uma forma cara a Antero, que foi apreciado por Cruz e Sousa.
Análise do poema "Arte", de Cruz e Sousa
"Arte" é um poema claro, conciso e com certa objetividade. A maneira de expor é parnasiana, mas a busca de palavras raras, velhas mostra já um certo simbolismo. Está numa confluência de estilos. Há a ideia simbolista do conteúdo se sobrepor à forma. Daí a ideia de que o verso deve ser certeiros, mas ter um grande alcance. Não há o submeter da ideia à forma, como em Bilac.
Neste poema, temos ainda presentes as ideias de sugestão e de apelo a todos os sentidos, o que é típico do Simbolismo. Mas ao longo de todo o texto, assistimos a uma tenção entre o Parnasianismo e o Simbolismo, alternando estrofe a estrofe, ora ideias parnasianas, ora simbolistas.
No Brasil, foram os poetas parnasianos que tiveram projeção; os simbolistas eram vistos como poetas de subúrbio. Isto acontece por aspetos variados. Por exemplo, quando Bilac era rico e médico, Cruz e Sousa era negro e filho de escravos e um autodidata. É a imagem do poeta marginal. Isto é importante inclusive para ver como a cultura brasileira se organiza nesta época. Daí o Modernismo ir contra o Parnasianismo.
Análise do poema "In Extremis"
Não é um soneto, que é a forma privilegiada do Parnasianismo, mas possui algo característico desse movimento: gosto pelos títulos em latim. O Parnasianismo volta-se para as formas clássicas em busca do seu equilíbrio. A própria ideia do escultório tem a ver não com a grandiosidade, mas com o equilíbrio. O título está por conta desse gosto pelos clássicos.
Este poema, pelo contrário, não mostra equilíbrio, mas o desenrolar de diversas emoções. Bilac não se consegue conter nos limites do equilíbrio parnasiano. As emoções são traduzidas através do contraste entre o exterior da paisagem e o seu interior.
A morte é fruto da imaginação e daí advém a grande proposta que contraria o Parnasianismo: a paisagem suscita uma emoção no poeta: "Nunca morrer num dia / Assim de um sol assim". A paisagem interior é imaginada a partir do exterior.
Além do contraste, há outras formas de mostrar a emoção: pontuação, repetição de vocábulos, gradação. Apesar disso, há o gosto parnasiano pela descrição objetiva da paisagem. Apesar deste descritivismo, o poeta emociona-se e imagina algo que pudesse acontecer.
Bilac, embora muito parnasiano, é um parnasiano onde o sentimento e uma certa sensualidade começam a aflorar. Mas é uma sensualidade deslocada e mórbida: "Tu, desgrenhada e fria...". Mas o que escolhe para falar do mórbido é o beijo, o que é uma valorização sensual do mórbido. Isto acontece, porque a estética parnasiana no Brasil convive já com a estética do Decadentismo simbolista. Daí encontrarmos no Parnasianismo penetração do Simbolismo decadentista e neste, com em Cruz e Sousa, penetração do Parnasianismo.
Bilac convive, assim, com o movimento de fim de século, que é o Simbolismo decadentista. Este movimento procura uma exacerbação do Parnasianismo, a palavra rara. O Parnasianismo procurava a melhor palavra, enquanto o Simbolismo busca a palavra rara, não pela sua precisão, mas pela sua imprecisão, pois é aquela que não é muito conhecida e, por isso, apenas sugere algo das pessoas. Os simbolistas vão entrar nesta inexatidão e sugestão através das palavras raras.
Usam outras formas que não o soneto, pois não pretendem que os seus poemas caibam numa forma. Usam também as reticências, exclamações, pois serão a base da sugestão. Procurando contrariar o espírito parnasiano, vão gostar muito das paisagens interiores e exteriores, mas em vez de descrevê-las, vão sugeri-las. Daí a frase sem verbo.
O Simbolismo decadentista vai ser o reflexo de toda a deceção, do esvaziamento da euforia para com a ciência (visível no Fradique de Eça). Abel Botelho, Teixeira Queiroz fazem romances como teses científicas, mas neles deixam perpassar um certo desencanto. A poesia do fim de século caracteriza-se pela inércia.
O Parnasianismo brasileiro
Paralelamente ao Realismo, mais no final do século XIX (década de 80) surge uma nova corrente de poesia, que convive ainda com a poesia romântica, que é o Parnasianismo.
O Parnasianismo, que em Portugal não teve grande repercussão (o representante do Parnasianismo português foi "importado" do Brasil: Gonçalves Crespo) obteve no Brasil uma larga aceitação: tão larga que, até hoje, ainda encontramos pessoas a escrever sob a forma parnasianista e estarem dentro destes cânones. Mas este movimento literário acabou por perder, exagerado que foi com a forma e sem cuidado com o conteúdo.
Os maiores representantes do Parnasianismo (século XIX) no Brasil foram os seguintes:
- Olavo Bilac;
- Raimundo Correia;
- Alberto de Oliveira.
Destes três autores, o que teve maior público e mais popularidade foi Olavo Bilac, embora o mais ortodoxo fosse Alberto de Oliveira. Bilac foi eleito por uma revista feminina chamada "Fon-Fon" (revista que buzina notícias) o príncipe dos poetas. Bilac era interessado por problemas cívicos, tendo criado no Brasil o serviço militar obrigatório.
Escreveu um livro de poesias infantis e, juntamente com outro escritor da viragem do século, Manuel Bonfim, escreve também o livro intitulado Contos Pátrios, destinado às escolas. Isto revela-nos a dimensão de Bilac na cultura brasileira do final do século XIX.
Dentro do espírito cívico e parnasianista, Bilac foi um grande cultor da língua. Tem um poema importante chamado "Língua Portuguesa". Talvez por este e outros poemas louvarem a língua e os cânones parnasianos, é que tiveram uma grande importância e repercussão na língua portuguesa. Bilac pertenceu ao Parnasianismo.
Mas o que é o Parnasianismo? De onde provém o nome?
O poema máximo do Parnasianismo brasileiro é de Bilac. Nele, expõe tudo o que pensa que vai ser a poesia: intitula-se "Profissão de Fé".
O nome Parnasianismo vem de uma revista francesa chamada "Parnasse Contemporaine", editada entre 1866 e 1876 e que congregava vários poetas franceses, como: Heredia, Sully Prudhome e Coppé, três dos principais poetas parnasianos. Tentaram fazer uma poesia objetiva, nada intimista, onde a forma fosse bem trabalhada e o vocabulário usado fosse bastante rico, mesmo difícil. A objetividade pretendida começou a tender para o ornamental e a poesia foi ficando esvaziada do seu conteúdo, acabando por ser uma poesia do tipo "arte pela arte".
Isto é importante para ver o que o que acontece no Brasil. Muitos poetas vão inclusive pensar numa poesia descritiva, pois identificam objetividade com descritivismo. Havia também o gosto pelo uso da mitologia clássica, numa tentativa de distanciação do «eu» lírico com o sujeito.
Os parnasianos dão preferência ao uso do soneto, que é uma forma fixa e rígida, o que faz com que o poeta tenha de dominar muito bem o assunto para escrever nuns parcos versos tudo o que quer. O soneto é uma forma racionalista por excelência.
No Brasil, o Parnasianismo só entra mais ou menos nos anos 80. Há quem aponte a data de 79, pois foi quando surgiu um soneto de António Carvalho Júnior, onde diz que odeia as "virgens pálidas", numa reação nítida ao Romantismo. Mas só nos anos 80 o Parnasianismo entra em vigor. O primeiro grande poeta deste movimento publica em 1822 - Raimundo Correia; Olavo Bilac só vai publicar em 1888.
Análise do poema "Uraguai", de Basílio da Gama
Este poema, enquanto épico, é constituído por:
👉 Invocação ("musa");
👉 Proposição ("honremos o herói que o povo rude/Subjugou do Uraguai");
👉 Dedicatória;
👉 Invocação: pede proteção ao Marquês;
👉 Início da narração de uma ação, onde vai falar do homem já referido por Cláudio e onde mostra a luta entre os portugueses e os espanhóis pela província cisplatina.
Gama lança mão de elementos indígenas como:
- Sepê - figura da mitologia indígena (canto III);
- O herói é um índio do Paraguai, o que antecede o que vai acontecer no Romantismo com Alencar e G. Dias (ex.: "Juca Pirama"). Mas este é o único momento (canto III) em que B. Gama explora esta situação. Nos outros casos, fala do índio como um europeu, sem verdadeira noção dessa realidade.
- Morte de Lindóia (canto IV): é o único episódio de amor (entre índios) do poema. Posteriormente, "Vila Rica" já apresenta episódios de amor entre branco e índia, passo em frente para o que vai acontecer no Romantismo.
Análise do poema "Vila Rica", de Cláudio Manuel da Costa
Este poema foi escrito já no fim da sua vida e vem na linha de um outro poema épico, "Uraguai" (Basílio Gama), que trata da conquista dos sete povos das missões. É uma composição elaborada não em função do Brasil, mas de interesses pessoais.
"Vila Rica" segue um pouco o estilo de "Uraguai", mas é diferente, porque é construído com mais sentimento e onde podemos ver o nativismo de Cláudio. Neste poema, podemos encontrar dois planos:
👉 um com fundamento épico: história da fundação de Vila Rica;
👉 outro com um fundamento lírico-amoroso: paixão de uma índia por um colonizador bandeirante.
Ele não consegue equilibrar os dois planos e chegamos ao fim sem saber qual o mais importante, embora pareça ser o primeiro. Mas o poeta desequilibra o poema, a contar a história amorosa e ao introduzir lendas para marcar a brasilidade do poema. Isto acaba por o desorientar como poema épico.
Enquanto pertencente ao género épico, tem uma Dedicatória, que é feita dentro e fora do poema, ao conde de Bobadela. É escrito em decassílabos e é constituído por dez cantos. Apresenta uma característica que denuncia a sua inspiração num poema épico francês, Henriade, de Voltaire: a rima emparelhada, que no português dá um péssimo efeito.
Outra fonte inspiradora foi o já referido poema "Uraguai", de B. Gama, além de ter algo a ver com Iracema. É que é o primeiro poema a celebrar os amores de uma índia com um branco. São os três poemas épicos que, em fins do século XVIII, falam do índio. Ele já nos aparece em Gregório e Bento Teixeira, mas com referências depreciativas.
O poema começa com a Dedicatória, que se estende por quatro versos, seguida da Proposição (oito versos) e a Invocação, também constituída por oito versos. É uma estrofação irregular. Primeiro, prepara o cenário para a narração e só depois começa a narrar. Traça em rápidas pinceladas a história da descoberta do Brasil, para depressa chegar à história da descoberta de Minas. A fundação de Vila Rica é uma consequência da deslocação da economia para o interior.
O canto VIII diz respeito ao plano lírico-amoroso do poema, que conta a paixão de uma índia, Aurora (nome clássico), com um bandeirante. A mulher apaixona-se pelo bandeirante e dele recebe uma moeda de ouro que, mais tarde, quando ambos são mais velhos e se reencontram permite a reconciliação.
Mas no poema vamos ainda encontrar uma outra história amorosa: Eulina é uma espécie de ninfa que mostra ao bandeirante os tesouros escondidos no leito do rio, que é o Ribeirão do Carmo. O rio tem as águas vermelhas, porque têm o sangue do namorado de Eulina, que se mata por não poder casar com ela.
Este episódio tem semelhanças com a "Ilha dos Amores" (influência camoniana): Eulina mostra essa riqueza ao bandeirante como recompensa pela sua coragem. Um aspeto que marca a diferença em relação a Camões é que as ninfas andavam enfeitadas não com flores, mas com pedras preciosas, elemento de exploração brasileira.
Encontramos ainda outra lenda, inspirada pelo episódio do Adamastor, que é a do Gigante Itamonte, que aterrorizava os bandeirantes e lhes barrava o caminho. Mas depois, admirado pela sua coragem, acaba por lhes abrir o caminho e mostrar todas as suas riquezas,
A composição termina, no canto X, com uma visão de glória e triunfo. Pertence ao primeiro plano já apontado.
Em suma, este poema aborda algumas lendas de matéria indígena de forma afetiva, não só pelo espaço que ocupam, mas também pela admiração demonstrada pelo narrador. Esta admiração não aparece no poema "Uraguai", construído por Basílio Gama como uma espécie de alibi para fugir à perseguição do Marquês, falando contra os jesuítas. São precisamente as guerras que os jesuítas travam no Sul que constituem o motivo do poema. Os índios são apenas motivos de decoração. Gama não lhes dá muita importância, embora os seus índios tenham um contorno menos idealizado do que os de Cláudio Manuel da Costa ou mesmo de José de Alencar.
A poesia de Cláudio Manuel da Costa
Cláudio Manuel da Costa conserva ainda alguns traços barrocos na sua poesia e, por isso, é um poeta de transição. Como bom árcade, tem nome de pastor: Glauceste Satúrnio. O nome arcádico de Gonzaga era Dirceu. Chegou a escrever "Versos a Marília".
Cláudio Manuel, tendo estudado em Coimbra, mostra na sua poesia, tal como Gregório de Matos, uma ligação muito forte aos cânones europeus, mas também evidencia já uma afetividade para com a sua terra que não aparece em Gregório de Matos. Este fala de assuntos brasileiros, mas não mostra amor à terra, enquanto Cláudio Manuel vem na linha do ufanismo de Botelho de Oliveira e Itaparica.
Mas, além de Cláudio Manuel, podemos falar noutros poetas, como Domingos Caldas Barbosa e Alvarenga Peixoto. Isto mostra que, enquanto no Barroco tivemos manifestações isoladas de poetas que sobressaíram (Botelho de Oliveira, Itaparica, Gregório de Matos), no Arcadismo temos já uma poesia que se comunica com outra, um sistema literário que se começa a organizar. Por exemplo, António Cândido começa a sua obra Formação da Literatura Brasileiro no campo do Arcadismo, porque é quando a literatura brasileira se organiza como sistema literário. No Barroco, embora tenham surgido as Academias, elas eram reuniões que se constituíam em ocasiões especiais.
Cláudio Manuel é o homem típico da transição e mostra um desligamento afetivo entre o padrão europeu e o brasileiro. Nele encontramos a dualidade campo/cidade, um sentimento contido sob a forma ou amaneiramento da forma e traços bem barrocos, como a fugacidade do tempo e uma imaginação da pedra (ou seja, sucessão de várias imagens em torno da pedra - ideia que vem de Gregório). Nele vemos ainda uma grande vontade de falar do pátrio rio, que é o Ribeirão do Carmo, rio que banha Mariana, a sua cidade natal. Ele divide-se entre o Mondego e o Ribeirão do Carmo.
No poema «Leia a posteridade, ó pátrio Rio...» - II, vê-se a atitude de cantar as coisas pátrias, o que não chega a ser ufanismo, mas marca de uma certa afetividade para com as coisas da pátria. Porém, logo na segunda quadra, ele refere elementos europeus, de Coimbra, para logo no primeiro terceto voltar ao pátrio rio, que é um rio aurífero, famoso na época da mineração pelas suas areias amareladas.
Aqui se manifesta a sua grande dualidade: lembra padrões europeus, mas fala de elementos nacionais.
Em «Enfim te hei de deixar, doce corrente» - LXXVI, jura fidelidade ao Mondego, aos padrões europeus. É uma fidelidade que não deixa de seguir, mas que divide com a fidelidade ao Ribeirão do Carmo, aos padrões nacionais. Não deixa de usar as estruturas apreendidas na Europa, mas vai impregná-las de um assunto nacional.
Para os árcades, que falam de paisagens imaginadas, esta ideia encontrou eco em Minas Gerais, porque é uma região que poderia ter alguns pontos de contacto com a antiga Arcádia. Era uma paisagem bucólica (várzea e montanha) que a Baía não tinha. Talvez por isto o Arcadismo se desenvolva mais em Minas. Assim, a ideia de falar de paisagem, gado, não é estranha ao Arcadismo.
Em «Torno a ver-vos, ó montes...» - LXII, é abordado um dos temas caros ao Arcadismo: a dualidade campo/cidade, com preferência pelo campo. Tudo o que é sofrimento passa a ser alegria ao contactar com o campo. O louvor deste espaço em detrimento da cidade é uma temática semelhante à do primeiro momento romântico, mas isto não quer dizer que Cláudio Manuel fosse um pré-romântico. Pelo contrário, o poeta é tipicamente árcade: prefere o campo e imagina-se pastor e em contacto com outros pastores: Almendro e Corino.
Em «Já me enfado de ouvir este alarido», faz a apologia do campo e da solidão e coloca-se como pastor: toma as suas vestes e utensílios. Abandona o que é sinónimo de cidade: ostentação, vaidade, roupas de altos prémios.
O seu apreço pelo campo é bem evidente no último terceto: "Eu não chamo a isto já felicidade / Ao campo me recolho, e reconheço, / Que não há maior bem que a soledade."
Por sua vez em «Torno a ver-vos, ó montes», Cláudio Manuel volta a contrapor a cidade (lugar de fingimento, louca fantasia) e campo (lugar dos vaqueiros, da simplicidade), mostrando preferência pelo último.
Cláudio é um poeta onde podemos encontrar uma temática arcádica, mas também barroca. Vejamos os elementos do Barroco presentes no poema «Onde estou! Este sítio desconheço.»: mostra a fugacidade do tempo, temática que vem do Maneirismo e prossegue no Barroco. Ao mesmo tempo que aborda a fugacidade do tempo, também empresta ao poema um tom subjetivo. Ele não consegue manter-se neutro, como era proclamado pelo Arcadismo.
Cláudio Manuel aborda ainda um outro tema muito caro ao Arcadismo: a dualidade rústico/civilizado. Este tema não aparece desligado da sua condição colonial. Quando fala em padrão europeu, refere-se à corte, à metrópole e, quando fala em afeto ao torrão natal, mostra a sua condição de colono. A isto se liga também a sua subjetividade.
A sua poesia assenta, assim, em três temáticas principais:
=> oposição campo / cidade;
=> padrão europeu / afetividade ao torrão natal;
=> fugacidade do tempo com olhar subjetivo.
Todavia, estes temas estão ligados e não aparecem estanques. A sua mistura de estilos vai evidenciar-se num poema que escreve tardiamente e que é uma composição épica: "Vila-Rica".
A fase arcádica de Gregório de Matos
Se, por um lado, a poesia de Gregório de Matos se inseria nos cânones barrocos que tratavam assuntos não ligados à terra, por outro lado, a sua poesia chega a apresentar aspetos cronísticos. Esta é a vertente realista do Barroco. ou melhor, da sátira. A poesia satírica de Gregório está ligada à feição cronística.
No entanto, vamos também encontrar essa vertente satírica de Gregório na fase seguinte, fase esta que convive com o Barroco, mas que o sucede. Ou seja, esta nova fase, embora surja quando o Barroco ainda manifesta um certo vigor, apresenta uma vitalidade diferente e própria. É o Arcadismo. O Barroco brasileiro estendeu-se por um longo período de tempo, daí ter convivido com o Arcadismo.
Com este novo movimento, há uma mudança de eixo na poesia. Durante o período colonial, a cultura centra-se no Nordeste brasileiro (Baía e Recife); agora, com a descoberta do ouro, o eixo da produção poética, que vai estar em consonância com a economia, desloca-se para Minas Gerais. Há também uma produção que começa a surgir no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Isto acontece também por causa da produção aurífera, pois são os portos destas cidades que escoam o ouro para Portugal. O deslocamento do interesse cultural não é originado apenas pela fundação de novas cidades em Minas Gerais, mas também porque as pessoas ricas se centram aí e mandam os seus filhos estudar na Europa, sobretudo em Coimbra. Vamos, assim, encontrar aqui mais brasileiros que no tempo de Gregório de Matos. Entre eles, encontramos Cláudio Manuel da Costa, um brasileiro que foi importante num movimento que eclodiu em Minas.
Com a deslocação do eixo da economia, Portugal começou a viver, não da produção do Nordeste, mas sim da aurífera. Os exploradores brasileiros tinham de pagar impostos aos portugueses. No fim do século XVIII, o ouro começa a escassear, mas os impostos continuam. Assim, os brasileiros que estudaram em Portugal e os portugueses ligados à exploração aurífera colocaram-se contra a derrama, um imposto. Entre os revoltosos contam-se Cláudio Manuel da Costa e Tomaz António Gonzaga (português que estava no Brasil). Além destes, houve uma outra figura que não era portuguesa nem tinha estudado em Coimbra: Joaquim José da Silva Xavier (conhecido por Tiradentes). Acresce ainda o português José Joaquim dos Reis. Estes e outros revoltaram-se contra a referida derrama. Surgiram, então, uns versos satíricos chamados "As cartas chilenas", que comparavam a exploração do Chile à situação mineira. O seu autor parece ter sido Tomás A. Gonzaga.
Mas além destes versos, este grupo fez coisas concretas: pensavam que, no dia da derrama, não só não pagariam, como proclamariam a independência. Tinham inclusive uma bandeira com um lema latino:
A sátira não era o forte destes poetas, com exceção de "As Cartas Chilenas", por causa da censura e porque a sátira não era o forte dos árcades. A poesia arcádica, em geral, não retrata uma realidade vivida, mas uma realidade imaginada. Daí que eles até adotassem nomes arcádicos.
No Brasil, as Academias barrocas que proliferaram na Baía e no Rio de Janeiro acabaram por conviver com outras Academias de tipo árcade: as Arcádias. Nelas participaram autores como Cláudio Manuel da Costa e Tomaz Gonzaga.
sexta-feira, 9 de setembro de 2022
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