Português

domingo, 22 de janeiro de 2023

Biografia de Camilo Castelo Branco


 
Camilo Castelo Branco foi um dos escritores mais prolíficos da segunda fase do Romantismo português e a sua obra é a mais vasta e diversificada de todo o século XIX. Ele foi poeta, panfletário, prefaciador, tradutor, crítico, polemista, romancistas, dramaturgo, bibliógrafo, historiador, cultor de todos os géneros. A sua intensa atividade literária justifica-se pelo facto de Camilo ser um escritor profissional, isto é, viver daquilo que publicava.
 
Camilo Castelo Branco foi uma figura ímpar do Romantismo em Portugal, nomeadamente da segunda geração romântica, cujas vida e obra se entrelaçaram de forma muito intensa.
 
A existência do escritor foi uma vida de amor e de perdição: uma vida repleta de amores vários, mas também de sofrimento, dor e morte. No fundo, estamos na presença de uma novela ou de um romance tipicamente românticos.
 
As principais circunstâncias biográficas que o caracterizam podem sintetizar-se da seguinte forma:

 

bastardia: Camilo é um filho bastardo – a sua mãe era criada do seu pai;

 

orfandade: a mãe morre antes de Camilo completar dois anos, e o pai quando ele tem dez, por isso vai viver para casa de uma tia paterna, em Vila Real;

 

educação religiosa: em determinado momento, Camilo passa a viver em Vilarinho de Samardã, em casa de uma irmã mais velha, onde recebe uma educação religiosa e literária, ensinado por um padre;

 

aventuras sentimentais:

em 1841, casa, pela primeira vez, com Joaquina Pereira de França, uma camponesa de quem tem uma filha, mas abandona-as pouco tempo depois;

em 1846, rapta Patrícia Emília e por essa razão é preso na Cadeia da Relação do Porto, mas acaba igualmente por abandonar essa mulher e a filha que dela tivera;

a permanência no Porto, a partir de 1848, acentua a sua inconstância amorosa: envolve-se com uma freira, mantém uma paixão simultânea por duas senhoras, vive em mancebia com uma costureira;

conhece Ana Plácido, casada com um rico comerciante brasileiro, Manuel Pinheiro Alves: a partir de 1850, a paixão por essa mulher domina a vida sentimental do escritor, levando-o a cometer vários atos desregrados por causa desse amor – entra no seminário do Porto, como forma de aniquilar a paixão, rapta Ana Plácido e foge, entra na Cadeia da Relação do Porto (Camilo e Ana Plácido são acusados de adultério). Absolvidos e libertos em 1861, não mais se separam e acabam mesmo por casar em 1888 (o marido de Ana Plácido falecera em 1863). Têm três filhos;

 

vida boémia e turbulenta: no Porto, o escritor leva uma vida agitada. Por causa de amores, por questões jornalísticas (Camilo colabora em vários jornais) ou por outros motivos, Camilo envolve-se em polémicas, em rixas e desacatos;

 

convívio com a paisagem física e humana das províncias do Norte: a vida do escritor decorre praticamente toda no Norte do país (à exceção de curtos períodos na capital) – primeiro, em Vila Real e em Samardã, depois em Friúme, sempre em casa de familiares; entre 1844-45, reside na cidade do Porto, onde frequenta, sem sucesso, o curso de Medicina; posteriormente, desloca-se para Coimbra para cursar Direito (o que acaba por não acontecer); a partir de 1864, Camilo e Ana Plácido vivem em São Miguel de Seide, uma existência marcada pelo isolamento, pela doença e por vários dramas (morte do primeiro filho, loucura do filho Jorge, comportamento desregrado do filho Nuno; Camilo arquiteta, inclusive, o rapto de uma jovem para casar com esta o seu último filho);

 

conhecimento íntimo do meio portuense: as largas temporadas que passa no Porto dão ao escritor uma visão profunda e realista da sociedade portuense e dos seus diferentes elementos;

 

pobreza e doença: os seus últimos anos de vida são marcados por dificuldades económicas (Camilo chega mesmo a vender parte da sua biblioteca em leilão) e pelo avanço da cegueira, doença que já lhe havia sido detetada anos antes;

 

profissionalismo: Camilo vive exclusivamente do que escreve, o que faz com que seja um verdadeiro profissional das Letras. Assim se explica o seu ritmo febril de produção, bem como a extensa obra literária que nos legou: 173 títulos, não contando traduções, prefácios e outros textos dessa natureza.

 
1825 (ou 1826) – Nasce em Lisboa, na Rua da Rosa, no seio de uma família da pequena burguesia de raízes transmontanas, Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, a 16 de março, filho natural de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco e de Jacinta Rosa, criada do próprio Manuel. A 14 de abril é batizado na Igreja dos Mártires. Não obstante, o escritor sempre se apresentou e contou os anos da sua vida e dos acontecimentos que nela o marcaram como tendo nascido em 1826, algo que era reconhecido pelos seus contemporâneos. De facto, na sua certidão de óbito, ocorrido a 1 de junho de 1890, regista-se a idade de 64 anos.
 
1827 (6 de fevereiro) – Morre a mãe.
 
1835 (22 de dezembro) – Morre o pai. Acompanhado pela irmã Carolina, mais velha, vai viver para Vila Real, para casa de uma tia paterna (Rita Emília). Nestes anos, frequenta, em Lisboa, a escola do mestre Minas Júnior, onde, entre outros, tem como colega o futuro Conde de Ouguela.
 
1839-1840 – Vai habitar em Vilarinho de Samardã com a irmã, que ali casa com um estudante de medicina, com cujo irmão, o Padre António José de Azevedo, convive e que o inicia na leitura dos clássicos e o ajuda a desenvolver o seu gosto pelas humanidades e pela escrita.
 
1841 – Em agosto, casa-se com Joaquina Pereira de França, de 14 anos, em Friúme, aldeia do concelho de Ribeira de Pena, onde passa a viver e trabalha como escrevente num tabelião. Com ela, tem uma filha, logo abandonando as duas. Entretanto, perde parte da herança paterna.
 
1843 – Regressa a Vilarinho da Samardã. Morrem a mulher e a filha de ambos pouco tempo depois. Em outubro, no Porto, faz exames em disciplinas de Humanidades e inscreve-se na Escola Médica, que frequenta até 1845, e na Academia Politécnica do Porto, mas não chega a concluir os estudos.
 
1844 – Começa a viver a vida literária e boémia (“do espírito”) portuenses e estreia-se como jornalista. Começa a publicar artigos em periódicos do Porto (“O Nacional”, “O Eco Popular”, “O Jornal do Porto”, “A Semana”, “O Portugal”, “O Portuense”, “O Mundo Elegante”, “O Porto e a Carta”, “O Clamor Público”, “Gazeta Literária do Porto”), atividade que continuará intensamente nos anos seguintes e que exercerá até ao final da vida. Escreve e publica poemas, assinando, a princípio, com as iniciais C. C. B. Além disso, usa diversos pseudónimos, entre eles os seguintes: Um Académico Conimbricense, Anastácio das Lombrigas, Anacleto dos Coentros, O Antigo Juiz das Almas de Campanhã, José Mendes Enxúndia, Rosário dos Cogumelos, A. E. Y. O. U. Y., Manuel Coco, João Júnior, Barão de Gregório.
 
1845 – Publica Os Pundonores Desagravados, poema heroico burlesco.

1846 – Rapta Patrícia Emília e por essa razão dá entrada na cadeia da Relação do Porto. Eventualmente, abandona-a também e a filha que dela tivera algum tempo depois. Na sequência da revolta da Maria da Fonte, terá combatido nas hostes de D. Miguel, o que lhe vale a nomeação para amanuense do Governo Civil em Vila Real, mas foge da cidade depois de ter publicado, no jornal “O Nacional”, duas cartas contra o governador civil. Vai viver sozinho para o Porto. Inscreve-se em Direito, em Coimbra, mas não conclui o curso.
 
1847 – Publica o drama histórico Agostinho de Ceuta.

1848 – Falece a filha que tivera com Joaquina Pereira e nasce-lhe outra, Bernardina Amélia, que tem com Patrícia Emília. Instala-se no Porto, onde vai viver permanentemente, até mudar, em 1864, para São Miguel de Seide, onde residirá até ao final da vida, na companhia de Ana Plácido. Neste e nos anos seguintes, publica, nos periódicos, no espaço do «folhetim», ou noutros, inúmeros artigos, crónicas e os primeiros embriões de narrativa ficcional. Publica, em folheto, sob anonimato (“Mandada Imprimir por Um Mendigo”), um relato onde está já presente a figura de narrador que dará o cunho camiliano dos seus romances e novelas posteriores, Maria! Não me Mates Que Sou Tua Mãe, a partir de um crime ocorrido em Lisboa.

1850 – Afirma ser, de profissão, “escritor público” e dedica-se totalmente ao ofício da escrita. Vive em Lisboa durante algum tempo e aí, na Imprensa Nacional, publica o seu primeiro romance, Anátema. Ser-lhe-á atribuído o folhetim “O Clero e o Sr. Alexandre Herculano”, publicado anonimamente, também na capital, em defesa do amigo. Conhece Ana Plácido, casada com Manuel Pinheiro Alves, cujo amor impossível quase o leva a abraçar o sacerdócio, que lhe é vedado por causa da vida aventurosa que levara até então.

1850-1851 – Matricula-se no curso de Ciências Teológicas, no Porto.

1852 – Submete-se a exame para obter ordens menores, que lhe são recusadas devido à sua vida aventurosa. Abando o Curso de Ciências Teológicas. É cofundador do jornal “O Cristianismo”. Colabora em publicações de poesia.

1853-1854 – Publica, primeiro em folhetim, no diário portuense “O Nacional”, depois em volume, Mistérios de Lisboa, novela de “terror grosso”, resposta, no panorama da literatura portuguesa, a Les Mystêres de Paris, de Eugène Sue (1842-1843). A maioria dos seus romances foi publicada inicialmente em folhetim, em periódicos, antes de sair em volume, como era costume na época.

1854 – Publica o livro de poemas Folhas Caídas Apanhadas na Lama, sob o pseudónimo Um Antigo Juiz das Almas de Campanha. Com Augusto Soromenho, é redator de A Cruz. Semanário Religioso.

1855 – Publica, no Porto, O Livro Negro do Padre Dinis.

1855-1856 – Publica os três volumes de «Cenas Contemporâneas», a que pertencem, entre outras pequenas novelas, os romances A Filha do Arcediago e A Neta do Arcediago.

1856 – Publica Onde Está a Felicidade?

1857 – Reside durante cerca de dois meses em Viana do Castelo, como redator do jornal “A Aurora do Lima”, e aí publica Cenas da Foz. Regressa ao Porto e publica, entre outras obras, Duas Horas de Leitura.

1858 – Publica, em Viana do Castelo, o «romance original» Carlota Ângela, que saíra em folhetins n’”A Aurora do Lima”. Publica também Vingança e O que fazem Mulheres. No final do ano, Camilo é aprovado para sócio correspondente da Academia de Ciências, por proposta de Alexandre Herculano.

1859 – Nos últimos anos, vê frustradas as diversas tentativas de ocupar cargos em instituições públicas, segundo alguns, devido à relação que mantém com Ana Plácido, uma mulher casada. Neste ano, vão viver ambos para Lisboa. O marido move-lhes “querela de adultério”. Antes do final do ano, regressam ao Porto. Camilo continua a publicar em jornais. De facto, a ligação adúltera entre Camilo e Ana Plácido é censurada pela sociedade portuense, por ela ser casada com um homem respeitado na cidade e ser cunhada de Bernardo Ferreira, filho da famosa Ferreirinha da Régua. Nessa sequência, os escritos do autor passam a ser recusados pelos jornais do Porto, o que o deixa sem meios de subsistência. Depois de Ana Plácido ter dado à luz um filho, presumivelmente de Camilo, Pinheiro Alves move aos dois amantes em processo de adultério.

1860 – Ana Plácido é presa (o adultério era crime na época), enquanto Camilo anda fugido à Justiça, que também o procura. Em outubro, entrega-se na Cadeia da Relação, no Porto, onde ambos recebem a visita do rei, D. Pedro V. Entrementes, continua a publicar em jornais e traduz romances franceses; em simultâneo, são feitas reedições de algumas das duas obras anteriores. A reedição de parte considerável dos seus romances torna-se, a partir de agora, regular. Estreia-se em Lisboa, no Teatro Nacional D. Maria II, a 10 de maio, o seu drama Abençoadas Lágrimas.

1861 – Publica Amor de Perdição (a data impressa no rosto é 1862), que diz ter escrito em quinze dias (“os mais atormentados da [sua] vida”, de acordo com a Introdução da novela), durante a sua prisão na Cadeia da Relação do Porto por adultério. Esta obra, de tipo passional, será considerada, por Miguel de Unamuno, como o maior romance da Península Ibérica no género. Publica ainda O Romance d’Um Homem Rico. É editada, no Porto, uma biografia de Camilo, da autoria de J. C. Vieira de Castro. Em outubro, Camilo e Ana Plácido são julgados, o tribunal absolve-os, saem em liberdade e vão viver para Lisboa.

1862 – Publica Memórias do Cárcere.

1863 – Nasce Jorge, seu filho com Ana Plácido, em Lisboa, que vem juntar-se a Manuel, que nascera quando Ana ainda vivia com o marido. Publica diversas obras (como O Bem e o Mal e Noites de Lamego, entre outras). Começa a sair em folhetins de periódico no Rio de Janeiro, um romance seu.

1864 – Instala-se em São Miguel de Seide, em Vila Nova de Famalicão, juntamente com Ana Plácido, Jorge e Manuel, na casa que ela herda do marido, entretanto falecido, que se tornará, a partir deste momento, a residência permanente do casal até ao final da vida do escritor. Nasce-lhes o terceiro filho, Nuno. Publica Amor de Salvação e Vinte Horas de Liteira, entre outros. Inicia colaboração no “Diário de Notícias”. Camilo vê-se obrigado a viver da sua pena e a escrever abundantemente para dar uma existência condigna à família.

1865 – Publica novas obras, como, por exemplo, A Sereia e O Morgado de Fafe.
 
1866 – Publicado A Que de Um Anjo, que virá a ser considerado um dos seus melhores romances de sátira da vida política, O Judeu, um dos seus mais apreciados romances históricos, A Enjeitada, Vaidades Irritadas e Irritantes, etc.

1867 – Publica O Senhor do Paço de Ninães, cuja ação se desenrola desde a partida de D. Sebastião para Alcácer Quibir até às conquistas na Índia, e A Bruxa do Monte Córdova.

1868 – Publica Mistérios de Fafe e Retrato de Ricardina, entre outras obras. Publica, ao longo de dez meses, uma série de artigos na “Gazeta Literária do Porto”, que reúne em Mosaico e Silva de Curiosidades Históricas, Literárias e Biográficas. O filho Jorge, a quem, mais tarde, dedica carinhosamente um livro, é dado como louco. De facto, os filhos são uma preocupação: Jorge pelos seus problemas mentais e os outros dois pela vida boémia e desorientada que levam.

1869 – Vive cerca de um ano em Lisboa. Publica Os Brilharetes do Brasileiro.

1870 – É-lhe recusado o título de Visconde que solicita, por viver «amancebado».

1871 – É representado no Teatro D. Maria II, em Lisboa, o seu drama O Condenado, em defesa do amigo Vieira de Castro, condenado por ter assassinado a mulher, supostamente adúltera. Publica Voltareis, ó Cristo?. Faz um primeiro leilão da sua biblioteca, por causa das difíceis condições de subsistência.

1872 – Publica-se em Madrid a tradução em castelhano de Amor de Perdição. D. Pedro II, Imperador do Brasil, concede-lhe a Ordem da Rosa. Publica, entre outros, o romance O Carrasco de Victor Hugo José Alves.

1873-1874 – Publica O Demónio do Ouro e O Regicida. Em janeiro de 1874, sai o n.º 1 de Noites de Insónia, oferecidas a quem não pode dormir, publicação mensal. Publica o volume Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco. (O amigo tinha, entretanto, morrido no degredo, em Angola). Quase toda a sua restante correspondência e as polémicas serão publicadas postumamente, em grande parte por Alexandre Cabral.

1875 – Publica A Filha do Regicida, um romance histórico.

1875-1877 – Saem, em “publicação mensal”, a público, sucessivamente, as Novelas do Minho, que o integrarão na escola realista, anteriormente inaugurada programaticamente por Eça de Queirós. Em 1876, publica um Curso de Literatura Portuguesa. Os seus problemas de saúde, nomeadamente as dificuldades de visão, agravam-se.

1879 – Publica Eusébio Macário, apresentado, na edição d’O Primeiro de Janeiro de 27 de julho, como “primeiro romance da longa coleção faceta, sob o título geral de ‘Sentimentalismo e História’”.

1880 – A referida coleção consta de três obras: neste ano, publica a Corja e, em 1882, A Brasileira de Prazins. Apresenta-se com o objetivo de fazer «destroços», através da paródia de alguns recursos da «nova escola», mas o último é considerado como uma magistral adaptação da já antiga e consagrada escrita camiliana às características do novo programa realista.

1885 – Por lei de 20 de julho, o rei D. Luís concede-lhe o título de Visconde de Correia Botelho. É nomeado Académico Correspondente da Real Academia Sevilhana de Buenas Letras, a 1 de abril.

1885-1886 – Publica a «Crónica mensal de Literatura amena», Serões de São Miguel de Seide, «novelas, polémica mansa, crítica suave dos maus livros e dos maus costumes». Saem seis fascículos. Em 1886, publica Boémia do Espírito e Vulcões de Laura, o seu último romance.

1888 – Apesar da consulta cada vez mais assídua a médicos, no Porto e em Lisboa, o seu estado de saúde é cada vez mais débil. Casa, finalmente, com Ana Plácido, a 9 de março, a fim de garantir a segurança financeira aos filhos, num período em que a relação estava gasta pela erosão e por uma convivência tensa. Envia ao amigo Freitas Fortuna uma carta que ele próprio considera como uma “cláusula testamentária”, com disposições sobre o seu “cadáver” e o local onde quer ser sepultado. É feito Visconde de Correia Botelho.

1889 – Funda com Tomás Ribeiro Mensageiro, cujo n.º 1 é “consagrado a Sua Majestade Imperial o Sr. D. Pedro d’Alcântara”, e reúne um conjunto de textos memorialísticos em Delitos da Mocidade. Obtém uma pensão vitalícia para o filho Jorge, cuja loucura é irreversível.

1890 – A 1 de junho, suicida-se com um tiro na fronte, após a visita que lhe faz o oftalmologista Edmundo Machado, que lhe confirma a cegueira irremediável. De acordo com J. Viale Moutinho (2009), Camilo escrevera ao especialista a solicitar que o visitasse e examinasse, com estas palavras: “Sou o cadáver representativo de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país, durante 40 anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego.” Na verdade, no final da vida, sente-se atormentado pela doença e pela ameaça da cegueira. É frequentemente assolado pela instabilidade psíquica e por período de grande desânimo. É sepultado no Porto, no cemitério da Lapa, no jazigo do velho amigo Freitas Fortuna. A certidão de óbito regista que morreu aos 64 anos. Nas Trevas – Sonetos Sentimentais e Humorísticos é a última obra do escritor publicada em vida.

Bibliografia:

. imprensanacional./pt/camilo-castelo-branco/;

. Jacinto do Prado Coelho, Introdução ao Estudo da Novela Camiliana, 2.ª ed., 2.º vol., 1983.

. José Viale Moutinho, Memórias Fotobiográficas (1825-1890), Lisboa, Ed. Caminho, outubro, 2009.

. Amor de Perdição, Coleção Resumos, Porto Editora;

. livro.dglab.gov.pt

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Oração subordinada substantiva completiva


Origem da palavra «golo»

                 Muitas palavras relacionadas com o futebol têm origem inglesa, desde logo a designação — era «football», acabou «futebol». Parece quase igual, mas houve, primeiro, uma certa adaptação fonética e, logo a seguir, uma adaptação ortográfica. A palavra começou por se escrever como em inglês, às vezes com um hífen («foot-ball»), mas acabou por se adaptar à escrita portuguesa.

                Ora, o mesmo aconteceu com «golo»: vem de «goal», a palavra inglesa que significa «objectivo». É, literalmente, o objectivo do jogo. A origem um pouco mais remota de «goal» era uma antiga palavra do inglês médio que significava «limite». Se continuarmos a escavar, acabaremos numa palavra ainda mais antiga que significava algo como «brecha». No entanto, pouco é certo nestas viagens tão profundas. A etimologia é tão interessante quanto perigosa.

                Na nossa língua, e tal como «futebol», a palavra começou por ser adaptada foneticamente e, depois, com o tempo, também ortograficamente. Acabámos com o «golo» em Portugal e com o «gol» no Brasil. As diferenças entre as duas normas do português são especialmente marcadas na área do futebol; afinal, esta foi uma área que se desenvolveu já depois da separação política entre os dois países — as importações e adaptações fonéticas e ortográficas foram feitas em separado.

                Como em tantas coisas na língua, a transformação de «football» em «futebol» e «goal» em «golo» foi um processo gradual. Cada vez mais se escreveu a forma adaptada até chegar ao dia em que já ninguém escrevia a forma original.

                Por outro lado, o futebol mostra que um estrangeirismo não é inevitável. Durante muito tempo, usámos — só como exemplo — a palavra inglesa «corner» nos relatos de futebol. Ora, o «corner» à portuguesa, em vez de se transformar em «córner» — morreu. Alguém se lembrou de «pontapé de canto» e os falantes, pelo menos desta vez, aceitaram bem a expressão portuguesa.

                Outras tentativas de criação de expressões com materiais portugueses falharam. Havia uma proposta antiga, ainda do século XIX, para substituir «football» por «ludopédio». Não pegou. Só por isso não ouvimos hoje relatos do Campeonato Português de Ludopédio.

                Por que razão o «pontapé de canto» caiu no goto dos falantes e «ludopédio» nem por isso? Não sei. A nós, habitantes do século XXI, parece óbvio: mas só é óbvio porque temos décadas e décadas de hábito a dizer «pontapé de canto» e a ignorar «ludopédio».

                A língua é assim: os falantes às vezes hesitam, baralham-se, voltam atrás, mas há momentos em que se decidem, mesmo sem ninguém perceber bem porquê. «Ludopédio» morreu. O «corner» também. Mas «futebol» e «golo» estão vivos e recomendam-se. Quando os falantes, no seu conjunto, se decidem, as palavras passam a fazer parte da língua e nada há a fazer se não aprendê-las.

                E o outro golo?

                Como disse no início, para falarmos da origem de «golo» temos de pensar nas duas palavras que partilham a forma. «Golo» é o que um jogador de futebol quer marcar, mas também é aquele momento em que engolimos algo.

                Neste segundo sentido, a origem é também interessante, embora muito diferente: os falantes pegaram num verbo antigo, de origem latina — «engolir» — e retiraram-lhe partes. Deixaram o «gol-», com um «o» final a compor o nome. Chama-se a isto derivação regressiva — ou seja, os falantes criam uma palavra nova desmontando uma outra palavra maior. Há muitos, muitos exemplos em português. É uma das maneiras que os falantes de português têm para criar palavras novas.

As dimensões política, nacionalista e trágica em Frei Luís de Sousa


domingo, 8 de janeiro de 2023

O milagre sueco do combate à COVID-19

     De acordo com o artigo seguinte, o combate à COVID-19, na Suécia, pautou-se pelo seguinte:
  1. As autoridades, intencionalmente, não informaram a população acerca das condições de transmissão do vírus ou da proteção conferida pelo uso de máscara.
  2. O responsável pela gestão da situação decidiu sozinho e à margem da comunidade científica.
  3. Foi negado oxigénio aos doentes idosos, que, deste modo, morreram mais depressa.
    Foi publicado a 22 de Março de 2022, na revista Humanities and Social Sciences Communications (do grupo Nature) o artigo Evaluation of science advice during the COVID-19 pandemic in Sweden que inclui vários autores suecos, dos quais o primeiro autor é investigador do prestigiado Instituto Karolinska. O artigo procede a uma evolução cronológica da situação vivida na Suécia contendo afirmações que nos devem fazer pensar e questionar o suposto "milagre sueco". Apurou o artigo, entre outras coisas, que (i) a Suécia estava bem equipada e preparada para enfrentar a pandemia, com um elevado nível de literacia na população e de confiança nas autoridades (ii) a população sueca não recebeu informação elementar, nomeadamente, quanto à transmissão por via aérea do SARS-CoV-2, à possibilidade de os assintomáticos poderem ser fonte de contágio e ao facto de a máscara facial proteger o próprio e os outros; (iii) as recomendações do seu epidemiologista-chefe actuariam, supostamente, com base em mera responsabilidade individual, sem qualquer tipo de sanções em caso de ausência de cumprimento; (iv) ao longo de 2020 a Suécia teve taxas de mortalidade por COVID-19 dez vezes mais elevadas do que a vizinha Noruega; (v) muitos idosos receberam morfina em vez de oxigénio, o que acelerou a sua morte, e muitas crianças ainda sofrem de Long Covid, algumas perderam um ou os dois pais e várias faleceram.


Fonte: DN on-line

Origem da palavra «carro»


       Um espanhol, quando entra no Museu dos Coches, é bem capaz de coçar a cabeça: então onde estão os automóveis? Vejamos a história da palavra «coche» e da palavra «carro».

Para percebermos a origem da confusão do pobre turista, e antes de olharmos para a nossa palavra «carro», tentemos descortinar a origem de «coche» — as voltas que deu têm o seu quê de inesperado.

Tudo começou na localidade húngara de Kocs (lê-se algo como «cotche»), onde no século XV se começou a fabricar uma carruagem com uma suspensão mais agradável às costas dos passageiros. Este tipo de veículo foi chamado de «kocsi» (húngaro para «de Kocs») e o nome, com as habituais amolgadelas sempre que as palavras viajam, foi aproveitado por outras línguas, desde o italiano «cocchio» ao alemão «Kutsche», passando pelo inglês «coach».

A palavra inglesa acabou por ganhar também o sentido de treinador por um caminho arrevesado: «coach» era um termo usado entre estudantes ingleses de meados do século XIX para denominarem um professor que ajudava alguém, individualmente, a treinar para um exame. O professor era o veículo — «coach» — que levava o aluno até à meta. Esta metáfora acabou por ser usada em particular no desporto, onde a meta era a vitória, e deixou de ser vista como uma figura de estilo. Há muitas destas metáforas mortas nas nossas línguas e é também por isso que o mesmo vocábulo pode ganhar significados tão diferentes em diferentes lugares. As palavras andam a entornar-se pelos idiomas, mas vão sendo absorvidas à maneira de cada língua, como tinta que ganha novos tons conforme o tecido por onde alastra.

Antes das transformações desportivas, os ingleses tinham recebido a palavra do francês — que, como era costume, também a oferecera aos primos ibéricos, com a forma «coche». Assim ficámos todos com uma nova palavra para designar aquele tipo de carruagem, numa viagem que tinha começado na Hungria.

Quando, no século XIX, surgiram os automóveis, os nossos vizinhos aproveitaram o nome dos coches para designar esta novíssima carruagem que não sujava tanto as ruas das cidades (mal sabíamos nós…).

Já os falantes de português, perante um automóvel, não pensaram no coche engalanado. Virámo-nos para a velha palavra «carro», que remetia para um veículo puxado por animais num ambiente bem mais rural que o dos coches. Este sentido de «carro» ainda não se perdeu, mesmo entre quem vive na cidade: todos sabemos o que é pôr o carro à frente dos bois.

A palavra «carro» tinha vindo do latim que, por sua vez, a tinha ido buscar à velha língua celta dos gauleses — e estes tinham-na herdado do «*kers-» do proto-indo-europeu, que significava «correr». A mesmíssima palavra latina também foi exportada pelos franceses para o inglês e acabou por ser aproveitada da mesma maneira: o «car» inglês e o «carro» português têm a mesma origem. As histórias de palavras fazem-se de alguma lógica e muito acaso.

Portanto, ali por fins do século XIX, tanto portugueses como espanhóis tinham o mesmo problema: o que chamar ao novo veículo sem animais (tirando os que lá forem dentro)? Encontrámos soluções parecidas: pegámos numa palavra que já existia e reutilizámo-la com um novo sentido. A única diferença foi a palavra escolhida — e assim se explica que um espanhol amante de motores e afins se veja de repente num mundo de reis e cinderelas.

 
Enfim, há enganos bem piores.


Fonte: Certas Palavras, da autoria de Marco Neves.

Qual é o palavrão mais usado em Portugal?


Há uns meses, Gaston Dorren, autor de óptimos livros sobre línguas, perguntou-me qual é o palavrão mais usado em Portugal. Há muitos, claro, mas qual é aquele que todos dizemos quando damos com o pé na esquina da porta?

Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.

Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que espalhei pelas famosas redes sociais.

Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão» (a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra tão rara que mal se percebe.

Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões. Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão, para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se», «caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas hoje não é dia de falar deles.

Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu ao trabalho de responder ao meu inquérito?

Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva, diga-se a bem da verdade.

Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…

O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como «mrd» em lugar do palavrão…

Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão «f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a maioria absoluta.

(Houve ainda 7% de respostas variadas.)

Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».

A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…


Fonte: Certas Palavras, de Marco Neves.

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