Camões não se afogou no Côa?
Eduardo G.
Camões não se afogou no Côa?
Eduardo G.
▪ bastardia: Camilo é um filho bastardo – a sua
mãe era criada do seu pai;
▪ orfandade: a mãe morre antes de Camilo
completar dois anos, e o pai quando ele tem dez, por isso vai viver para casa
de uma tia paterna, em Vila Real;
▪ educação religiosa: em determinado momento, Camilo passa
a viver em Vilarinho de Samardã, em casa de uma irmã mais velha, onde recebe
uma educação religiosa e literária, ensinado por um padre;
▪ aventuras sentimentais:
→ em 1841, casa, pela primeira vez,
com Joaquina Pereira de França, uma camponesa de quem tem uma filha, mas
abandona-as pouco tempo depois;
→ em 1846, rapta Patrícia Emília e por
essa razão é preso na Cadeia da Relação do Porto, mas acaba igualmente por
abandonar essa mulher e a filha que dela tivera;
→ a permanência no Porto, a partir de
1848, acentua a sua inconstância amorosa: envolve-se com uma freira, mantém uma
paixão simultânea por duas senhoras, vive em mancebia com uma costureira;
→ conhece Ana Plácido, casada com um
rico comerciante brasileiro, Manuel Pinheiro Alves: a partir de 1850, a paixão
por essa mulher domina a vida sentimental do escritor, levando-o a cometer
vários atos desregrados por causa desse amor – entra no seminário do Porto,
como forma de aniquilar a paixão, rapta Ana Plácido e foge, entra na Cadeia da
Relação do Porto (Camilo e Ana Plácido são acusados de adultério). Absolvidos e
libertos em 1861, não mais se separam e acabam mesmo por casar em 1888 (o
marido de Ana Plácido falecera em 1863). Têm três filhos;
▪ vida boémia e turbulenta: no Porto, o escritor leva uma vida
agitada. Por causa de amores, por questões jornalísticas (Camilo colabora em
vários jornais) ou por outros motivos, Camilo envolve-se em polémicas, em rixas
e desacatos;
▪ convívio com a paisagem física e
humana das províncias do Norte: a vida do escritor decorre praticamente toda no Norte do
país (à exceção de curtos períodos na capital) – primeiro, em Vila Real e em
Samardã, depois em Friúme, sempre em casa de familiares; entre 1844-45, reside
na cidade do Porto, onde frequenta, sem sucesso, o curso de Medicina; posteriormente,
desloca-se para Coimbra para cursar Direito (o que acaba por não acontecer); a
partir de 1864, Camilo e Ana Plácido vivem em São Miguel de Seide, uma existência
marcada pelo isolamento, pela doença e por vários dramas (morte do primeiro
filho, loucura do filho Jorge, comportamento desregrado do filho Nuno; Camilo
arquiteta, inclusive, o rapto de uma jovem para casar com esta o seu último
filho);
▪ conhecimento íntimo do meio
portuense: as largas
temporadas que passa no Porto dão ao escritor uma visão profunda e realista da
sociedade portuense e dos seus diferentes elementos;
▪ pobreza e doença: os seus últimos anos de vida são
marcados por dificuldades económicas (Camilo chega mesmo a vender parte da sua
biblioteca em leilão) e pelo avanço da cegueira, doença que já lhe havia sido
detetada anos antes;
▪ profissionalismo: Camilo vive exclusivamente do
que escreve, o que faz com que seja um verdadeiro profissional das Letras.
Assim se explica o seu ritmo febril de produção, bem como a extensa obra
literária que nos legou: 173 títulos, não contando traduções, prefácios e
outros textos dessa natureza.
Bibliografia:
. imprensanacional./pt/camilo-castelo-branco/;
. Jacinto do Prado Coelho, Introdução ao Estudo da
Novela Camiliana, 2.ª ed., 2.º vol., 1983.
. José Viale Moutinho, Memórias Fotobiográficas
(1825-1890), Lisboa, Ed. Caminho, outubro, 2009.
. Amor de Perdição, Coleção Resumos, Porto
Editora;
. livro.dglab.gov.pt
Ora, o mesmo aconteceu com
«golo»: vem de «goal», a palavra inglesa que significa «objectivo». É,
literalmente, o objectivo do jogo. A origem um pouco mais remota de «goal» era
uma antiga palavra do inglês médio que significava «limite». Se continuarmos a
escavar, acabaremos numa palavra ainda mais antiga que significava algo como
«brecha». No entanto, pouco é certo nestas viagens tão profundas. A etimologia
é tão interessante quanto perigosa.
Na nossa língua, e tal como
«futebol», a palavra começou por ser adaptada foneticamente e, depois, com o
tempo, também ortograficamente. Acabámos com o «golo» em Portugal e com o «gol»
no Brasil. As diferenças entre as duas normas do português são especialmente
marcadas na área do futebol; afinal, esta foi uma área que se desenvolveu já
depois da separação política entre os dois países — as importações e adaptações
fonéticas e ortográficas foram feitas em separado.
Como em tantas coisas na língua,
a transformação de «football» em «futebol» e «goal» em «golo» foi um processo
gradual. Cada vez mais se escreveu a forma adaptada até chegar ao dia em que já
ninguém escrevia a forma original.
Por outro lado, o futebol mostra
que um estrangeirismo não é inevitável. Durante muito tempo, usámos — só como
exemplo — a palavra inglesa «corner» nos relatos de futebol. Ora, o «corner» à
portuguesa, em vez de se transformar em «córner» — morreu. Alguém se lembrou de
«pontapé de canto» e os falantes, pelo menos desta vez, aceitaram bem a
expressão portuguesa.
Outras tentativas de criação de
expressões com materiais portugueses falharam. Havia uma proposta antiga, ainda
do século XIX, para substituir «football» por «ludopédio». Não pegou. Só por
isso não ouvimos hoje relatos do Campeonato Português de Ludopédio.
Por que razão o «pontapé de
canto» caiu no goto dos falantes e «ludopédio» nem por isso? Não sei. A nós,
habitantes do século XXI, parece óbvio: mas só é óbvio porque temos décadas e
décadas de hábito a dizer «pontapé de canto» e a ignorar «ludopédio».
A língua é assim: os falantes às
vezes hesitam, baralham-se, voltam atrás, mas há momentos em que se decidem,
mesmo sem ninguém perceber bem porquê. «Ludopédio» morreu. O «corner» também.
Mas «futebol» e «golo» estão vivos e recomendam-se. Quando os falantes, no seu
conjunto, se decidem, as palavras passam a fazer parte da língua e nada há a
fazer se não aprendê-las.
E o outro golo?
Como disse no início, para
falarmos da origem de «golo» temos de pensar nas duas palavras que partilham a
forma. «Golo» é o que um jogador de futebol quer marcar, mas também é aquele
momento em que engolimos algo.
Neste segundo sentido, a origem
é também interessante, embora muito diferente: os falantes pegaram num verbo
antigo, de origem latina — «engolir» — e retiraram-lhe partes. Deixaram o
«gol-», com um «o» final a compor o nome. Chama-se a isto derivação regressiva
— ou seja, os falantes criam uma palavra nova desmontando uma outra palavra
maior. Há muitos, muitos exemplos em português. É uma das maneiras que os
falantes de português têm para criar palavras novas.
Para percebermos a origem da confusão do pobre turista, e antes de olharmos para a nossa palavra «carro», tentemos descortinar a origem de «coche» — as voltas que deu têm o seu quê de inesperado.
Tudo começou na localidade húngara de Kocs (lê-se algo como «cotche»), onde no século XV se começou a fabricar uma carruagem com uma suspensão mais agradável às costas dos passageiros. Este tipo de veículo foi chamado de «kocsi» (húngaro para «de Kocs») e o nome, com as habituais amolgadelas sempre que as palavras viajam, foi aproveitado por outras línguas, desde o italiano «cocchio» ao alemão «Kutsche», passando pelo inglês «coach».
A palavra inglesa acabou por ganhar também o sentido de treinador por um caminho arrevesado: «coach» era um termo usado entre estudantes ingleses de meados do século XIX para denominarem um professor que ajudava alguém, individualmente, a treinar para um exame. O professor era o veículo — «coach» — que levava o aluno até à meta. Esta metáfora acabou por ser usada em particular no desporto, onde a meta era a vitória, e deixou de ser vista como uma figura de estilo. Há muitas destas metáforas mortas nas nossas línguas e é também por isso que o mesmo vocábulo pode ganhar significados tão diferentes em diferentes lugares. As palavras andam a entornar-se pelos idiomas, mas vão sendo absorvidas à maneira de cada língua, como tinta que ganha novos tons conforme o tecido por onde alastra.
Antes das transformações desportivas, os ingleses tinham recebido a palavra do francês — que, como era costume, também a oferecera aos primos ibéricos, com a forma «coche». Assim ficámos todos com uma nova palavra para designar aquele tipo de carruagem, numa viagem que tinha começado na Hungria.
Quando, no século XIX, surgiram os automóveis, os nossos vizinhos aproveitaram o nome dos coches para designar esta novíssima carruagem que não sujava tanto as ruas das cidades (mal sabíamos nós…).
Já os falantes de português, perante um automóvel, não pensaram no coche engalanado. Virámo-nos para a velha palavra «carro», que remetia para um veículo puxado por animais num ambiente bem mais rural que o dos coches. Este sentido de «carro» ainda não se perdeu, mesmo entre quem vive na cidade: todos sabemos o que é pôr o carro à frente dos bois.
A palavra «carro» tinha vindo do latim que, por sua vez, a tinha ido buscar à velha língua celta dos gauleses — e estes tinham-na herdado do «*kers-» do proto-indo-europeu, que significava «correr». A mesmíssima palavra latina também foi exportada pelos franceses para o inglês e acabou por ser aproveitada da mesma maneira: o «car» inglês e o «carro» português têm a mesma origem. As histórias de palavras fazem-se de alguma lógica e muito acaso.
Portanto, ali por fins do século XIX, tanto portugueses como espanhóis tinham o mesmo problema: o que chamar ao novo veículo sem animais (tirando os que lá forem dentro)? Encontrámos soluções parecidas: pegámos numa palavra que já existia e reutilizámo-la com um novo sentido. A única diferença foi a palavra escolhida — e assim se explica que um espanhol amante de motores e afins se veja de repente num mundo de reis e cinderelas.
Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que
fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.
Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que
espalhei pelas famosas redes sociais.
Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão»
(a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma
palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é
mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão
sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra
tão rara que mal se percebe.
Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo
o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os
palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões.
Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão,
para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá
conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se»,
«caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas
hoje não é dia de falar deles.
Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu
ao trabalho de responder ao meu inquérito?
Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se
virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la
com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva,
diga-se a bem da verdade.
Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a
particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então
se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra
com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na
Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…
O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se
fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho
de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma
página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para
mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos
a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como
«mrd» em lugar do palavrão…
Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão
«f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a
maioria absoluta.
(Houve ainda 7% de respostas variadas.)
Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós
andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais
comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a
asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um
inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma
fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».
A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…
Fonte: Certas Palavras, de Marco Neves.