Fiquei a pensar um pouco. Não me parecia haver um palavrão que
fosse mais usado que todos os outros… Dei a minha resposta, com muitas dúvidas.
Decidi perguntar a mais pessoas. Fiz um pequeno inquérito, que
espalhei pelas famosas redes sociais.
Antes de revelar os resultados, gostaria que olhar para «palavrão»
(a palavra). Parece ser um aumentativo, mas raramente é usada para designar uma
palavra muito grande (embora também o possa ser —«otorrinolaringologista» é
mesmo um palavrão) — designa, a maior parte das vezes, as palavras que estão
sujeitas a um qualquer tabu (também chamadas «asneiras») ou, então, uma palavra
tão rara que mal se percebe.
Também temos aquilo a que podemos chamar «palavrõezinhos», fazendo
o diminutivo do aumentativo (a língua permite-nos fazer estas malandrices). Os
palavrõezinhos são aquelas palavras que aparecem em substituição dos palavrões.
Quando damos um pontapé na mesa, a nossa boca descai-se logo para o palavrão,
para aliviar a dor (e alivia mesmo!). Quando chegamos à segunda sílaba, lá
conseguimos tomar as rédeas à palavra e sai-nos algo como «fogo», «fosga-se»,
«caraças» ou «poças»… Estes palavrõezinhos são interessantes só por si, mas
hoje não é dia de falar deles.
Qual será então o palavrão mais usado, pelo menos por quem se deu
ao trabalho de responder ao meu inquérito?
Em terceiro lugar do pódio ficou «porra», com 12% das respostas. Se
virmos bem, esta palavra já não é bem um palavrão (nem me atrevo a disfarçá-la
com asterisco). A divisão entre palavras feias e palavrões é muito subjectiva,
diga-se a bem da verdade.
Atrás de «porra», ficou «c*r*lh*», com 8%, que tem a
particularidade de se dar muito melhor com os ares do Norte que do Sul. Então
se passarmos a fronteira e entrarmos pela Galiza adentro, encontramos a palavra
com uma frequência que assusta qualquer português meridional. Certamente, na
Galiza, o «c*r*lh*» não ficaria em quarto lugar…
O segundo lugar, com 31%, foi para a palavra em que votei (se
fossem eleições, o meu partido teria perdido): «m*rd*». É um palavrão a caminho
de se tornar um palavrãozinho, mas ainda tem a sua força. Como esta é uma
página familiar, até a m*rd* fica com asteriscos — o que também serve para
mostrar como podíamos usar um sistema de escrita sem vogais. Aliás, se ainda usássemos
a escrita fenícia, de onde surgiu o nosso alfabeto, escreveríamos algo como
«mrd» em lugar do palavrão…
Por fim, o vencedor, com 43% das respostas, foi a expressão
«f*d*-s*», que, mesmo assim, teria de negociar uma coligação para atingir a
maioria absoluta.
(Houve ainda 7% de respostas variadas.)
Quando dei a Gaston Dorren os resultados, ele disse-me que nós
andamos a navegar entre o palavrão mais comum do alemão, «Scheiße», e o mais
comum do inglês, «fuck» (como são palavrões estrangeiros, não têm direito a
asterisco). Talvez sejamos um país indeciso nos palavrões; ou talvez um
inquérito que explicitasse a região do falante permitisse encontrar uma
fronteira entre a zona do «f*d*-s*» e a zona da «m*rd*».
A verdade é que os dois palavrões mais usados têm resultados muito próximos. As respostas válidas que recebi foram apenas 127 — um inquérito com uma amostra maior talvez desse a vitória nacional à «m*rd*»…
Fonte: Certas Palavras, de Marco Neves.
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