domingo, 3 de setembro de 2023
Sequências narrativas de "O Tesouro"
Segundo João A. F. Guerra e José
A. S. Vieira, é possível dividir este conto em três sequências:
®
sequência inicial:
a) os três irmãos encontram um cofre;
b) mergulham as mãos no ouro;
c) cada um cerra a sua fechadura;
®
sequência intermédia:
a)
Rui e Rostabal emboscam-se;
b)
Rostabal assassina Guanes;
c)
Rui assassina Rostabal;
®
sequência final:
a)
Rui abre as três fechaduras;
b)
Rui bebe o vinho envenenado;
c)
Rui oscila e morre.
5.1. Processo
de articulação das sequências narrativas
As ações articulam-se por encadeamento.
Estrutura da ação de "O Tesouro"
• Introdução (2 primeiros parágrafos):
▪ apresentação das personagens
▪
localização da ação no tempo e no espaço
• Desenvolvimento
(até ao penúltimo parágrafo):
→ funções cardinais:
1.ª)
a descoberta de um cofre;
2.ª)
a decisão da partilha;
3.ª)
a distribuição das chaves pelos três;
4.ª)
o fechamento do cofre;
5.ª)
a partida de Guanes para Retortilho;
6.ª)
os argumentos de Rui:
=> o irmão dissiparia a sua parte
rapidamente com más companhias, no jogo e no vinho;
=> a avareza de Guanes:
. se ele tivesse achado o
tesouro sozinho, não o dividiria com eles;
. a recordação de velhas
questiúnculas com Rotabal: a recusa do empréstimo de três ducados;
=> a iminência da morte de Guanes;
=> com a parte dele, poderão compor a casa
e Rostabal obter ginetes, armas, trajes nobres e o seu terço de solarengos;
=> Guanes tratava, publicamente, Rostabal
por «cerdo» e «torpe».
7.ª)
a condenação de Guanes;
8.ª)
a chegada de Guanes;
9.ª)
o assassínio de Guanes;
10.ª)
Rostabal lava-se;
11.ª)
o assassínio de Rostabal;
12.ª)
os preparativos para comer;
13.ª)
Rui bebe;
14.ª)
Rui oscila / sente um fogo interior que o devora.
→ catálises:
2.ª)
a espera de Guanes;
3.ª)
a descrição do assassínio;
4.ª)
as reflexões sobre a posse do ouro;
5.ª)
as reflexões do marrador.
• Conclusão
(dois últimos parágrafos):
→ função cardinal:
15.ª)
a morte de Rui.
→ catálise:
6.ª)
conclusões e descrição do cenário.
Resumo do conto "O Tesouro"
Três
irmãos esfomeados Rui, Guanes e Rostabal
– , que viviam em Paços de Medranhos, no
reino das Astúrias, encontram na mata um grande cofre de ferro, repleto de
dobrões de ouro.
Desconfiados
uns dos outros e para não despertar as atenções, decidem transportar o tesouro
para Medranhos de noite e que Guanes, por ser o mais magro, iria à povoação
mais próxima comprar comida para eles e para as éguas e uns sacos de couro.
Cada vez mais desconfiados, cada um fica com uma chave e fecha a sua fechadura
do cofre.
Acicatado
por Rui, Rostabal aceita a ideia de assassinar o irmão e, quando Guanes
regressa, assim procedem.
De
regresso ao local do tesouro, enquanto Rostabal lava os braços, a cara e as
barbas salpicadas de sangue do irmão, Rui, serenamente, enterra uma navalha nas
suas costas. De imediato, tira-lhe também a chave e deixa-o escorregar na borda
do riacho.
Cheio
de fome e sede, bebe uma garrafa de vinho. Descansa, de seguida, um pouco e
prepara-se para regressar a Medranhos, quando sente uma espécie de lume que o
devora por dentro e que nenhuma água consegue apagar. Compreende então que
Guanes tinha envenenado o vinho que os irmãos iriam beber. Horas depois jaz
também junto aos outros com a face negra.
Tema e assunto de "O Tesouro"
Tema: a ambição desmedida.
Assunto: três fidalgos arruinados que viviam
completamente na miséria e que a ambição de recuperar um passado glorioso (após
a descoberta de um tesouro) conduziu à sua aniquilação total.
Análise do conto "O Tesouro", de Eça de Queirós
I. Ação
1. Tema
2. Assunto
3. Resumo
4. Estrutura, funções cardinais e catálises
II. Personagens
1. Caracterização
a) Rui
b) Guanes
c) Rostabal
1.1. Notas sobre as personagens
5. Composição
III. Espaço
1. Espaço físico ou geográfico
IV. Tempo
V. Narrador
VI. Modos de apresentação e expressão
VII. Indícios trágicos
VIII. Linguagem
IX. Simbologia
sexta-feira, 1 de setembro de 2023
quinta-feira, 31 de agosto de 2023
Séries de animação do meu tempo: "Tom Sawyer"
Passava aos sábados de manhã, logo depois de o pão fresco chegar a casa. Trata-se de uma versão sensacional da obra imortal de Mark Twain. A acompanhar a série, além de produtos diversos, era imprescindível fazer a respetiva coleção de cromos
E, assim, chega ao fim a recordação de várias séries de desenhos animados que marcaram a nossa infância e princípio da adolescência. Não couberam aqui todas, pelo que houve que fazer uma seleção. Se abrimos com Jacky, finalizamos com o inigualável Tom. Como ele, vivemos aventuras, não no Mississipi, mas na ribeira do Coval; como ele, construímos uma casa de madeira no cimo da enorme carvalha que o progresso destruiu já neste século; como ele, sonhámos, brincámos e crescemos. Uns gostavam tão pouco da escola como ele, outros fizeram carreira a partir dela; todos chegaram a adultos e encontraram um rumo na vida.
Cronologia de Aquilino Ribeiro
1885 – Nasce em Carregal de Tabosa
(concelho de Sernancelhe), no dia 13 de setembro.
1895 – Muda-se para Soutosa,
concelho de Moimenta da Beira. Faz exame de instrução primária. Entra no
Colégio de Nossa Senhora da Lapa.
1900 – Entra no Colégio de Lamego.
Estuda Filosofia em Viseu. Entra depois no Seminário de Beja, obedecendo a um
desejo da sua mãe, que queria fazê-lo sacerdote.
1904 – Expulso do Seminário,
regressa a Soutosa.
1906 – Vai para Lisboa. Colabora
no jornal republicano A Vanguarda.
1907 – É preso por ser anarquista
na sequência de uma explosão no seu quarto na Rua do Carrião, a 28 de novembro,
em Lisboa, na qual morre um carbonário.
1908 – Evade-se da prisão em 12 de
janeiro e, durante a clandestinidade em Lisboa, mantém os contactos com os
regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em
frente da Boa Hora.
1910 – Estuda na Faculdade de
Letras da Sorbonne. Vem a Portugal após o 5 de outubro e regressa a Paris, onde
conhecera Grete Tiedemann.
1912 – Reside alguns meses na
Alemanha.
1913 – Casa com Grete Tiedemann e
regressa a Paris.
1914 – Nasce o primeiro filho,
Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro. Declarada a Primeira Guerra Mundial,
Aquilino regressa a Portugal, sem ter terminado a licenciatura.
1915 – É colocado como professor
no Liceu Camões, onde ficará durante três anos.
1919 – Entra para a Biblioteca
Nacional de Portugal, a convite de Raul Proença.
1921 – Integra a direção da
revista Seara Nova.
1927 – Entra na revolta de 7 de
fevereiro, em Lisboa. Exila-se em Paris. No fim do ano, regressa a Portugal,
clandestinamente. Morre a primeira mulher.
1928 – Entra na revolta de Pinhel.
Encarcerado no presídio de Fontelo (Viseu), evade-se e volta a Paris.
1929 – Casa em Paris com Jerónima
Dantas Machado, filha de Bernardino Machado. Em Lisboa, é julgado à revelia em
Tribunal Militar e é condenado.
1930 – Nasce-lhe o segundo filho,
Aquilino Ribeiro Machado, que viria a ser o 60.º Presidente da Câmara Municipal
de Lisboa – (1977-1979).
1931 – Vai viver para a Galiza.
1932 – Volta a Portugal
clandestinamente.
1933 – Recebe o Prémio Ricardo
Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa, pelo seu livro As Três
Mulheres de Sansão.
1935 – É eleito sócio
correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.
1952 – Faz uma viagem ao Brasil,
onde é homenageado por escritores e artistas, na Academia Brasileira de Letras.
1958 – Publica Quando os Lobos
Uivam. É nomeado sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa. É
militante da candidatura de Humberto Delgado à presidência da República.
1960 – É proposto para o Prémio
Nobel da Literatura.
1962 – Nasce-lhe a primeira neta,
Mariana, a quem dedica O Livro da Marianinha.
1963 – É homenageado em várias
cidades do país por ocasião dos cinquenta anos de vida literária. Morre no dia
27 de maio. Nessa mesma hora, a Censura comunicava aos jornais não ser mais
permitido falar das homenagens que lhe estavam a ser prestadas. É sepultado no
Cemitério dos Prazeres.
1974 – É publicado o livro de
memórias Um Escritor Confessa-se. Como escreve José Gomes Ferreira no
prefácio, Aquilino sabe mentir a verdade.
1982 – A 14 de abril é agraciado a
título póstumo com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
2007 – A Assembleia da República
decide homenagear a sua memória e conceder aos seus restos mortais as honras de
Panteão Nacional.
quarta-feira, 30 de agosto de 2023
Análise de O Malhadinhas
Intertextualidade em O Delfim
Em O Delfim, existem diversas
manifestações de intertextualidade:
1. Citações: “(…) As paredes estão na Andaluzia…
/ De repente todo o espaço para / Para, escorrega, desembrulha-se…, (…) Chuva
Oblíqua, edições Ática, Lisboa.”; «”Desta terra da Gafeira quis a
Providência fazer exemplo de castigo.”». O primeiro exemplo, o narrador
assinala com grafia diferente (o itálico) o texto, indica o seu título, nomeia
o autor (Fernando Pessoa) e refere o editor, bem como o local de edição, “é só
copiar”. O segundo é uma citação da Monografia do Termo da Gafeira, do
Abade Agostinho Saraiva, aceitando que esta obra, tal como o Tratado das
Aves / Composto por / Um Prático, os artigos de jornais e revistas, mesmo
sendo ficção, criam o efeito de real – é como se realmente existissem, passam a
fazer parte da realidade.
2. Transcrições: “Ofélia [Maria das Mercês] à flor das
águas como no sempre venerado Santo Shakespeare (…) Hamlet, Cena V…”; “Vem
tudo em Santa Teresa [d’Ávila], Las Moradas.”; “(…) a «irmã,
jardim fechado» das Escrituras (Salomão IV-3)”; “O regresso ao líquido
amniótico… Correto, doktor Freud?”. Nestes exemplos, estamos parenta
referências ao conteúdo de obras literárias (os três primeiros) e a teorias (o
quanto). Em todos os casos, a explicitação do autor e / ou da obra é um ponto
de contacto entre o texto e o intertexto. Trata-se, portanto, de alusões.
3.
Imitações declaradas: “Fiz-me entender, leitor benigno?”; “(…) esta Viagem
à Roda do Meu Quarto.” Estes exemplos constituem, de facto, imitações das Viagens
na Minha Terra, de Almeida Garrett, que, por sua vez, já se tinha inspirado
na Viagem à Roda do Meu Quarto, obra publicada em 1795 por Xavier de
Maistre. Note-se que as personagens-tipo da obra (o Cauteleiro, o Batedor, a
Estalajadeira) fazem lembrar as de Eça de Queirós ou de Gil Vicente.
4.
Paródias de passagens bíblicas: “No princípio era a água e a água estava nele.”;
“Porque, irmãos, é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que
fazer entrar um bebedor no reino privado dos barmen.”; «”Alegrem-se os Céus e a
Terra…” Cantavam os querubins na Lagoa (…)».
5.
Intertextualidade homo-autoral (textos de um autor mantêm relações
intertextuais com outros do mesmo autor): em determinado passo, o narrador
alude a uma obra – O Anjo Ancorado – como sendo sua, quando, na realidade,
foi escrita por José Cardoso Pires.
Em
suma, o narrado, subtraindo passagens do seu contexto original, atualiza-as,
subverte-as, e o novo texto ganha quase sempre um tom humorístico ou satírico.
Outras vezes, a referência intertextual é sentida como uma ironia, mais ou
menos amarga, chegando mesmo a raiar o sarcasmo. Assim sendo, é necessário ser
furão, isto é, estar permanentemente, caso contrário, perder-se-á informação
nas entrelinhas.
Por
outro lado, a intertextualidade reflete o padrão cultural da época. As
referências a textos e autores assumidos como clássicos são os lugares-comuns
da literatura, característicos de uma política cultural e educacional instituída.
Pode interpretar-se a sua presença como uma desmistificação dessa ordem.
Atente-se nos seguintes exemplos, prenhes de ironia: “Pessoa, o obrigatório”, “o
sempre venerado Santo William Shakespeare”, “(…) e outros literatos menores,
sem esquecer os das estátuas.”
A verosimilhança em O Delfim
A verosimilhança é a qualidade do
que é verosímil, ou seja, aquilo que, neste caso, no romance se conta é crível,
dado que é semelhante à realidade.
No caso de O Delfim, o efeito
de verosimilhança é criado de diversas formas. Em primeiro lugar, convém ter
presente que estamos na presença de uma narrativa narrada na primeira pessoa.
De facto, o narrador conta uma história em que participa como personagem
(narrador homodiegético) e que se institui como tal desde a página inicial: “Cá
estou”. Desta forma, cria-se a sensação de que aquilo que o narrador relata é
supostamente verdadeiro, o que é reforçado pela focalização interna. Por outro
lado, o facto de a personagem-narrador percorrer os vários espaços e a
descrição da paisagem natural (os estratos e as relações sociais) transmitem
igualmente essa sensação de realidade. Além disso, ele contacta, de facto, com
as personagens que evoca, que também o (re)conhecem. Afinal, o Sr. Escritor tem
uma história de, pelo menos, um ano por aquelas bandas, que depois narra a
partir da memória.
Em segundo lugar, são introduzidos
constantemente na narrativa referentes espácio-temporais históricos e universais.
Essa introdução de referentes históricos, políticos, sociais e culturais –
nacionais e universais –, localizados no espaço e no tempo, tornam crível que
tudo é verdade. No entanto, convém ter presente que alguns referentes espaciais
são fictícios. São os casos da Gafeira, da Lagoa e da Urdiceira.
Esta coexistência de referentes
reais e fictícios tem um papel importante na obra. De facto, ela faz com que a
Gafeira seja um local e exista. Por exemplo, na obra consta que a localidade
vem no mapa do ACP e que se situa a 135 km de Lisboa, mais concretamente no
distrito de Leiria, tal como sucede com a Lagoa e a Urdiceira.
Outro aspeto a ter em conta é a
intertextualidade, ou seja, a inserção de citações e documentos na narrativa.
Esses documentos têm várias proveniências: património oral, património
tradicional (como, por exemplo, os provérbios e sentenças populares), citações
ou alusões a obras e autores mais ou menos consagrados. Há ainda os casos da Monografia
do Termo da Gafeira, do Abade Agostinho Saraiva, e o Tratado das Aves,
composto por um Prático. Serão estas obras mais ou menos ficção? A mesma dúvida
se coloca a propósito dos títulos e notícias de periódicos.
O próprio narrador, nalguns casos,
admite que determinados elementos são pura ficção da sua autoria. É o que
acontece, por exemplo, neste passo: “Esta canção, October sigh, nunca
existiu. Nem jamais alguém a poderá repetir, incluindo eu que acabo de a
inventar e que não me hei de lembrar dela por muito tempo”. Noutros momentos,
ele cita passagens do seu caderno de apontamentos, algumas das quais não se
lembra onde as colheu (“li isto algures”, “Onde diabo fui eu buscar isto?”) e
que, por vezes, surgem a título de nota de pé de página, a qual pretende garantir
a veracidade, dado que a nota (quer do autor, quer do editor), por definição,
tem como finalidade complementar ou esclarecer algum aspeto mais ou menos
equívoco, mas sempre sobre algo que é real ou se tornou real.
Em terceiro lugar, temos a
alternância entre falar e mostrar, que é dada pela inserção alternada de
discurso direto e indireto e pela pluralidade de pontos de vista. Relativamente
ao discurso, o narrador prefere apresentar o discurso das personagens na sua
forma mais pura: o discurso direto. Em vez de dizer o que elas disseram,
dá-lhes voz no texto. No entanto, noutras ocasiões, resume as falas das
personagens por uma questão de economia narrativa ou por motivos estilísticos.
No que diz respeito à pluralidade de pontos de vista, a reconstituição de
acontecimentos (à frente das quais as mortes) baseia-se em grande medida nos
depoimentos / versões das várias personagens. Deste modo, a versão que o leitor
constrói parece-lhe credível e ele sente que participa na construção do
raciocínio.
Provérbios e outras expressões populares em O Delfim
Os provérbios contribuem para o
enriquecimento da linguagem do romance. Alguns deles, pelo seu uso constante,
colam-se às personagens, tipificando-as. É o que sucede, por exemplo, com a
frase “Para a cabra e p’ra mulher, rédea curta é o que se quer”, que traduz o
marialvismo de Tomás Manuel.
Outros, quando aplicados a Tomás
Manuel da Palma Bravo, caracterizam-no indiretamente como o burguês sem
lucidez, opressor e poderoso que não merece possuir esse poder: “Estes tipos
quanto mais nos olham menos nos querem ver”; “tal senhor, tal cão”, “um homem
dá tudo menos os cães e os cavalos”; “quem trata mal os criados é porque não me
pode tratar mal a mim.”
Outro conjunto de provérbios
aplicados a esta personagem, de caráter social, comprova que a grande maioria
dos mesmos é adulteração do narrador, imitando os genuínos. Os que Tomás Manuel
usa são todos inventados, o que atesta uma falsa erudição da personagem.
Pelo já exposto, estes provérbios
contribuem para a crítica de cariz social e económico, para a construção de um
retrato da sociedade da época. Por exemplo, no que diz respeito à mulher, essas
frases retratam-na de forma depreciativa. Atentemos nos seguintes: “Rédea curta
e porrada na garupa”; “Fazer filhos em mulher alheia é perder tempo e feitio.”
Os mesmos sugerem o machismo da época, bem como a prepotência, a falta de
liberdade e a violência a que a figura feminina estava sujeita. Por outro lado,
apontam para a prepotência de Palma Bravo face a Maria das Mercês, apenas
contrariado por um dito do Cauteleiro: “quem muito fornica acaba fornicado.”
A falta de vocabulário do Engenheiro
é especialmente evidenciada pelo recurso frequente ao advérbio «positivamente»,
que funciona como uma espécie de muleta, na qual ele se apoia sempre que lhe
faltam as palavras ou como suporte de uma afirmação, à partida insustentável, e
que ele procura instituir concluindo como o referido advérbio.
A linguagem popular de Tomás Manuel
é evidenciada também pelas expressões que usa para se referir às suas regras de
ouro para a caça e a pesca: “na caça cão e batedor”, “os cães são a memória dos
donos”, “Água para os Peixes, Vinho para os Homens (y mierda si no te gusta”).
O caráter pitoresco da linguagem
estende-se a todas as personagens, visível nos seguintes exemplos: “cala-te
boca”; “quem se mata leva destino”; “preparou a cama deitou-se nela”; “toda a
abundância traz castigo”; “quem não se sente não é filho de boa gente”;
“mexericos do povo que onde não vê põe ouvidos”; “imaginação e velhacaria fazem
boa companhia”. Pela observação destes exemplos, facilmente se comprova que
muitos dos provérbios introduzidos na obra são adulterados e/ou parodiados,
todavia respeitam a estrutura que lhes é inerente.
Por seu turno, o povo, no seu
conjunto, acredita em lendas, mitos, parábolas e outras historietas povoadas de
fantasmas, lobisomens, cães-manetas e almas penadas. Essa crença permite ocupar
o tempo, que se arrasta e demora a passar, tardando em trazer a tão ansiada
mudança, a acabar com as profecias e maldições que pairam sobre a aldeia, tal
como consta na Monografia do Dom Abade.
Deste modo, podemos concluir que,
por detrás da aparente simplicidade da linguagem, há uma mensagem só acessível
aos leitores mais atentos, àqueles a quem o narrador se dirige, uma forma de
ironizar com a censura.
Por outro lado, o coloquialismo (“se
me permitem”, “mas continuemos”, “fiz-me entender leitor benigno? fui claro
monge amigo? e nós minha hospedeira?”) tem uma dupla função. Por um lado, aproxima
o leitor do texto; por outro, alerta-o para a mistura de planos, para a ironia
fina que está presente ao longo das páginas e para a necessidade de saber ler
nas entrelinhas e não ser “alguém desprevenido”. Expressões como “a dar com um
pau”, “a pata que o pôs”, “atrás de saias”, “quem o mandou ser parvo”, “que me
tem feito a vida negra”, etc., tornam-se clandestinas e constituem um ferrete
para o leitor que as partilha com o narrador.
A linguagem popular em O Delfim
A Gafeira é uma aldeia situada
algures na costa portuguesa, cujos habitantes são, em grande parte, rurais,
simples e modestas, pelo que a linguagem que usam também se caracteriza pela
simplicidade, mas não em demasia.
A escrita coloquial do romance, em
jeito de conversa com o leitor, ao jeito de Almeida Garrett nas Viagens na
Minha Terra, não cai no exagero do pitoresco ou do calão, não faz uso de
regionalismos, mas a expressões quotidianas. Se o narrador não tivesse tomado
esta opção, a atenção do leitor poderia ser desviada do que é realmente
importante: retratar as mudanças da Gafeira e não a linguagem dos seus
habitantes que, tal como eles, se vai tornando clandestina. Como exemplo, podem
citar-se as referências à crendice popular e à religião: “Jesus, o que são as
coisas!”, ou a alusão a lendas, lengalengas, profecias, mitos, superstições e
parábolas.
Séries de animação do meu tempo: "Charlie Brown"
Charlie Brown é o protagonista de uma série de animação cujas personagens e histórias provêm das tiras de banda desenhada de Charles M. Schulz, intitulada Peanuts, que passou originalmente na cadeia de televisão CBS entre 1983e 1985, produzida por Bill Melendez e Lee Mendelson.
A personagem principal é uma criança generosa, mas tímida e desastrada, apaixonada por uma menina ruiva que não lhe presta atenção. O seu animal de estimação chama-se Snoopy e é um cão que joga basebol, ténis, golfe, vê televisão e adora biscoitos de chocolate. Lucy é outra menina, autoritária e egoísta, que resolve os conflitos à base do grito e que derruba qualquer oponente com os seus comentários verrinosos e sarcásticos. Linus é o irmão mais novo de Lucy e o melhor amigo de Charlie Brown, tem problemas emocionais e nunca larga o seu cobertor azul. Shroeder, a paixão de Lucy, é o artista do grupo: toca, num piano de brincar, as grandes obras de Beethoven, o seu ídolo. Peppermint Patty é uma rapariga com sardas e cabelo castanho, que interpreta de forma errada conceitos e ideias básicos que a generalidade das pessoas considera óbvios.
O léxico de O Delfim
A primeira nota a ter em
consideração é o facto de o autor privilegiar o uso do nome em detrimento do
adjetivo. Por outro lado, deita mão de diversos empréstimos, isto é,palavras e
expressões de línguas estrangeiras, bem como latinas (“Ad usum Delphini”,
“naturae vitae delphini”, etc.). O recurso aos latinismos é sinónimo de
erudição, um reflexo de uma herança cultural e um traço característico de muita
literatura portuguesa: “Como se dissesse: «Quod scripsi, scripsi» – e fosse um
imponente eco romano”. No entanto, periodicamente o narrador adultera o seu
sentido, transformando-as em humorísticas ou irónicas, como sucede com a
seguinte: “Ecce Homo, este é o meu whisky”.
No que diz respeito aos empréstimos,
o maior conjunto pertence ao inglês, com cerca de quinze ocorrências, seguida
do francês com doze e do castelhano com seis. Este traço significa que o
narrador conhece múltiplos idiomas, o que se concretiza quer no discurso do
narrador, quer no diálogo com Palma Bravo. Por outro lado, quer dizer que a
personagem do Engenheiro domina o vocabulário básico dessas línguas (inglês,
francês, italiano, alemão, castelhano), bem como os lugares comuns da cultura
livresca. Em terceiro lugar, relaciona-se com o tema e o clima das conversas,
quer as que ocorrem no bodegón, quer na lagoa, com o grau de álcool, com
os «bons» ou «maus vinhos» do Engenheiro. Além disso, tenha-se presente que,
nas várias conversas que o narrador-personagem recorda, existem modas, isto é,
ora se fala inglês, ora francês, ora castelhano.
Outro recurso utilizado é a chamada polinomásia,
ou seja, o mesmo indivíduo ou entidade é designado por vários nomes: o próprio,
o apelido, o do seu estatuto social, profissão e situação. É o que acontece, por
exemplo, com Palma Bravo, com o Cauteleiro e com a dona da pensão (hospedeira,
estalajadeira, patroa, formiga-mestra, Santa hospedeira, Santa Dona Hospedeira.
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