O que significa o seguinte momento glorioso?
O stor avisarate.
André A.
O que significa o seguinte momento glorioso?
O stor avisarate.
André A.
▪ formosa
▪ alegre
▪ apaixonada
▪ exultante, radiante
▪ canta doce e harmoniosamente
▪ disfarça o seu amor
▪ saudosa
▪ ansiosa por voltar a ver o amigo
O poema, de Eugénio de Andrade, baseia-se no recurso intenso à interrogação retórica. Assim, o «eu» começa por questionar um «tu»: “Que fizeste das palavras?” Com esta interrogação retórica, ele reflete sobre o seu ofício de poeta, que é alguém que trabalha com as palavras. Ora, estas são constituídas por vogais e consoantes, resultam da fusão desses dois elementos.
As vogais
são «azuis» (sensação visual), cor que simboliza a tranquilidade e a paz (a cor
azul relembra, por exemplo, o céu e o mar, que reflete aquele), enquanto as
consoantes ardem entre o “fulgor / das laranjas [cor quente] e o sol [símbolo de
vida] dos cavalos” (animais que representam a força e a vitalidade). Assim
sendo, as palavras possuem um grande potencial e diversidade. Por outro lado,
estas metáforas traduzem a relação das palavras com a Natureza.
No terceiro
terceto, o «eu» poético associa, metaforicamente, as palavras a “minúsculas
sementes” (vv. 8-9), relacionando-as novamente à Natureza. Através desta
metáfora (as palavras são sementes), ele sugere que o poeta e uma espécie de
semeador, pois fá-las germinar, ou seja, semeia-as e fá-las nascer e crescer,
isto é, o poeta constrói o poema como se se tratasse de um ser vivo. Então,
isto significa que o poeta é um criador, dá vida (ao poema, à poesia) e tem de
ser muito cuidadoso com o seu ofício.
Este poema, constituído por um dístico e duas sextilhas, foi datado de 9 de dezembro de 1956, quando Jorge de Sena acabara de completar 37 anos, vivia ainda em Lisboa como engenheiro e se preparava, a convite do British Council, para se deslocar para Inglaterra, para um estágio sobre betão armado.
O título do poema (“Quem a tem”) é constituído por
uma frase incompleta com uma referência não concretizada. Tendo em conta que o
pronome pessoal «a» se refere à liberdade, essa frase reticente deixa por
saber quem é que possui liberdade ou o que faz quem a tem.
No dístico, o sujeito poético manifesta o desejo de não
morrer sem assistir à chegada da liberdade, isto é, de a ver chegar ao seu
país. Tendo o poema sido escrito em 1956, facilmente se conclui que a ausência
de liberdade referida é a que se vivia em Portugal durante o Estado Novo, o
regime salazarista. Por outro lado, este dístico repete-se como os dois versos
finais da última estrofe. Esta repetição traduz a convicção do sujeito lírico
na crença de que um dia verá a liberdade chegar ao seu país. Essa convicção é
tal que ele está determinado a viver o tempo que for necessário para que o
desejo/a situação se concretize. Neste contexto, há também a destacar o recurso
à metáfora, ao atribuir-se à liberdade uma cor. Esta estrofe inicial indicia um
profundo sentimento de esperança na humanidade e no movimento de mudança
próprio da História. Os versos inscrevem-se em duas realidades distintas: a
realidade da censura que se vivia em Portugal na época de escrita do texto; a
presentificação de um futuro assente na certeza de que a liberdade haverá de
chegar, mais tarde ou mais cedo.
No início da segunda estrofe afirma a impossibilidade de,
sendo português, não poder ser outra coisa que não português, ainda que possa viver
noutros espaços (por exemplo, de exílio), na ânsia de viver em plena liberdade.
A pertença a uma pátria específica torna plena a consciência de que, apesar de
ser um cidadão do mundo, é e será sempre português. Há aqui, nomeadamente nos
versos 3 a 5, a noção de uma pertença dupla ao mundo e a Portugal.
No verso 7, o sujeito poético questiona-se acerca da
verdade da liberdade, isto é, como ela será quando chegar a Portugal? Já o
verso 9 (“Trocaram tudo em maldade”) coloca-nos perante outro traço do regime
salazarista: a denúncia e a difamação.
Os versos 11 e 12, pontuados pela metáfora, denunciam a
ocultação de informação e da realidade que o Estado Novo cultiva (aparentemente
Portugal era um paraíso, um mundo perfeito), bem como a política de manter os
portugueses na ignorância e de desencorajar a intervenção pública e as
limitações à liberdade de expressão (“mudo”).
O estado de espírito do sujeito poético é caracterizado
pela tristeza e ansiedade, mas temperado pela esperança na chegada da liberdade.
O seu tom ao longo do poema é marcado pela melancolia e pela especulação,
associado a um certo desânimo e à ansiedade do «eu», mas também à tal esperança
que tem na mudança deste estado de coisas.
A exposição é um texto de caráter demonstrativo que visa divulgar informação sobre uma área ou domínio da realidade, de forma fundamentada e objetiva, ou seja, informar os leitores/ouvintes acerca de um determinado assunto.
A exposição responde ao como
e ao porquê, apresentando sempre informação fundamentada e ilustrada com
exemplos adequados.
Tendo em conta os seus objetivos, o
texto expositivo caracteriza-se pelo rigor e pela pertinência dos factos que
apresenta, pela clareza na justificação das ideias e pelo recurso a uma
linguagem simples e direta.
A exposição envolve processos como
identificar, caracterizar, analisar, relacionar um assunto e as ideias que a
ele estão associados.
Definição |
É
um texto de caráter demonstrativo sobre uma área ou domínio da realidade com
base em explicações e fundamentações. |
Exemplos |
• Manuais escolares (História,
Biologia…). |
Marcas
específicas de género |
• Mobilização de informação
significativa. • Natureza informativa: dá a conhecer
e caracteriza o tema/o assunto. • Carácter demonstrativo: elucida
acerca do tema/assunto, fundamentando-o. • Encadeamento lógico dos tópicos
tratados. • Concisão e objetividade. • Relevância de aspetos paratextuais. • Valor expressivo das formas linguísticas
(conectores, deíticos, …). |
Estrutura
e organização |
• Título: identificação
objetiva, clara e sintética do tema.
• Introdução: apresentação do
tema/assunto a tratar.
• Desenvolvimento: apresentação
organizada e lógica da informação (presença opcional de subtítulos, secções)
ilustrada/fundamentada com exemplos e/ou explicações relevantes (presença
opcional de ilustrações e esquemas).
• Conclusão: síntese e/ou recuperação
das informações expostas mais significativas.
• Outros elementos paratextuais:
subtítulo, epígrafe, prefácio, notas de rodapé, bibliografia, índice e
ilustrações (opcional).
|
Recursos
linguísticos |
• Linguagem clara, objetiva e rigorosa
marcada pelo uso de: - 3.ª pessoa; - frases declarativas; - verbos como ser, ter, consistir,
haver, pertencer, etc.; - formas verbais no presente (e também
no pretérito perfeito e futuro do indicativo); - conectores e marcadores discursivos,
sobretudo de causa e consequência e/ou adição; - frase passiva, usualmente, sem
complemento agente da passiva. • Registo formal. • Organizadores da informação:
subtítulos, alíneas, travessões, parênteses, sublinhados, reformulações… • Vocabulário do campo lexical do tema
desenvolvido. • Léxico especializado, com recurso a
termos genéricos (hiperónimos) e/ou específicos (holónimos) ou das suas
partes (merónimos). • Combinação adequada dos recursos
verbais com os recursos não verbais (postura, tom de voz, articulação, ritmo,
entoação, expressividade, silêncio, olhar). • Ausência de juízos de valor |
Etapas
de elaboração da exposição |
• Pesquisa e seleção
pertinente de informação em livros, revistas ou sítios credíveis da Internet. • Planificação das ideias através
de tópicos, organizados segundo as marcas do texto expositivo, em três
partes. • Textualização: - escrever a exposição respeitando o
tema; - mobilizar a informação selecionada
na fase da planificação e organizar as ideias de forma lógica; - respeitar as normas de citação e
indicar as fontes utilizadas e a bibliografia consultada. • Revisão: - assegurar a correção ortográfica; - verificar o cumprimento da estrutura
e dos aspetos temáticos; - verificar o uso pertinente e variado
de expressões de ligação entre fases e parágrafos. • Registo da informação, das
ideias e das citações das fontes de informação, organizando-as por tópicos,
em esquemas, em tabelas ou em mapas de ideias. |
Há muitos anos, ainda a figura não era Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa entrevista, saiu-se com um «paspanha» (querendo dizer «para Espanha»). Pode ser um ótimo comentadeiro, uma magnífico professor de Direito, ou um excelso PR, porém, quando toca ao uso da língua portuguesa, é um desastre ambulante.
A mais recente investida terá ocorrido hoje durante as cerimónias em honra de Aristides de Sousa Mendes, como conta o blogue O Lugar da Língua Portuguesa [ler post].
O nome não contável é o nome comum que designa algo em que não é possível distinguir partes e que não pode ser cantado, enumerável.
Assim, são não contáveis os nomes
que designam:
1. Uma
entidade material homogénea:
▪ água, gasolina, omo, petróleo, etc.
2.
Uma ideia não material, não divisível:
▪ felicidade, tristeza, liberdade,
educação, etc.
O nome não contável pode ser
antecedido do determinante artigo definido singular o, a:
▪ A liberdade é indiscutível.
O nome não contável pode ocorrer
também no singular, sem ser antecedido de artigo, em posição de complemento:
▪ Encontraram petróleo no Beato.
Alguns nomes não contáveis podem ser
enumerados através de uma expressão partitiva ou de medida. É sobre essa
expressão que recai a marca de plural:
▪ Comprei um quilo de batatas.
▪ Comi apenas três colheres de sopa.
Quando o nome contável surge no plural,
este designa:
a)
qualidade e não quantidade:
▪ Há ótimos vinhos na região
do Dão. [= Há várias qualidades de vinho na região do Dão]
b)
o objeto e não o material de que é feito:
▪ Os estanhos desta loja são feios.
Há nomes
comuns não contáveis que, em certos contextos, podem ocorrer como nomes
contáveis:
O nome contável é o nome comum que designa algo que pode ser contado, enumerável: uma casa → duas casas.
Assim, são contáveis:
1.
As entidades materiais, individualizadas e descontínuas:
▪ canetas, livros, folhas, casas…
2.
As entidades abstratas que podem ser individualizadas:
▪ direitos, sentimentos, emoções, pensamentos…
3.
As unidades de medida:
▪ metros, quilómetros, quilos, gramas,
litros…
4.
As entidades que podem ser antecedidas:
• do
artigo indefinido (um, uma):
• de um quantificador
numeral cardinal:
• de um
quantificador existencial (alguns, poucos, muitos…):
Heitor é a maior figura de entre os Troianos. O filho de Príamo destaca-se pela sua grandeza heroica e humana. Ele constitui o modelo de filho, de marido, de pai e de cidadão. Enquanto Aquiles luta pela glória pessoal, Heitor fá-lo pela sua cidade e pelo seu povo, bem como pela sua família. Esta forma como Homero trata o inimigo configura uma prova clara de imparcialidade e da superioridade moral grega. Outro exemplo disto verifica-se quando Heitor morre às mãos de Aquiles. Nesse instante, os Aqueus aproximam-se para o verem de perto e não se coíbem de expressar a sua admiração pela beleza física do inimigo morto.
Heitor é, pois, o comandante do
exército troiano e nenhum guerreiro do seu exército se aproxima do seu valor,
coragem e valentia. Assim sendo, é ele quem lidera o ataque que, por fim, rompe
a resistência grega e penetra as suas muralhas, é ele o primeiro e único
troiano a atear fogo a um navio inimigo e, não menos importante, é ele quem
mata Pátroclo e, deste modo, se torna o responsável pelo regresso de Aquiles à
guerra. Tal sucede a partir do instante em que tira a vida a Pátroclo e suscita
o desejo de vingança no filho de Tétis. Em consequência, Heitor sentencia,
nesse momento, a sua morte.
Além disso, enquanto primogénito de
Príamo e Hécuba, será o futuro rei de Troia. A sua preocupação com as mulheres
troianas e com a comunidade troiana no seu conjunto enquadram-se perfeitamente
neste contexto.
Ao longo do poema, Heitor contrasta
com Aquiles: aquele é um homem com família e consciente das suas
responsabilidades nos seus diversos papéis, enquanto o segundo se apresenta
como uma figura extremamente orgulhosa, excessiva e barbaramente cruel. Nenhum
dos dois, no fundo, acredita na guerra, mas Heitor continua a lutar dado que é
a atitude honrada a ter nas presentes circunstâncias, enquanto Aquiles se
retira do conflito porque o seu orgulho foi ofendido por Agamémnon.
Além das responsabilidades sociais
que possui e das qualidades guerreiras que alardeia, Heitor é um comandante
preocupado e atencioso; por outro lado, respeita as divindades olímpicas, por
isso recusa o vinho que a sua mãe lhe oferece, visto que se encontra cansado e
impuro e receia que a bebida o faça esquecer o seu dever para com as suas
tropas.
Heitor é um homem virtuoso, um
modelo de herói homérico. Um claro exemplo disso verifica-se quando censura
Páris, seu irmão, por ter raptado Helena, atitude que precipitou a guerra com
os Aqueus. O gesto vergonhoso do irmão coloca Heitor numa posição complexa,
pois, se é verdade que tem de proteger Páris, também é necessário que o
repreenda. Deste modo, o seu código de conduta enquanto herói e modelo exemplar
colocam-no numa posição delicada.
De modo semelhante, Helena deixa-o
perante um dilema. Por um lado, ela é a companheira amorosa do irmão e uma
convidada da cidade de Troia. Além disso, como foi raptada, é uma esposa sem
dote, algo que desrespeita os princípios da sociedade troiana. Heitor não a
responsabiliza por nada, incluindo a guerra e os seus dramas, mas, sendo casada
indevidamente, constitui um símbolo de desordem e uma ameaça às normas sociais
de ambos os povos em conflito.
Por seu turno, Andrómaca representa
algo bem diferente para o «domador de cavalos», desde logo porque é a sua
esposa de forma legítima e de acordo com as normas. Heitor ama-a profundamente,
pelo que a perspetiva de, perdendo Troia a guerra, ela ser feito prisioneira e
escrava dos Gregos, o deixa extremamente inquieto e preocupado.
Esta postura e o relacionamento de
Heitor com as mulheres e crianças estão profundamente enraizados na cultura
homérica. De acordo com o código da época, um filho imita o pai na guerra, mas
também é criado pela mãe, que o ensina a comportar-se como um herói, lutando
por ela e por outras mulheres enquanto progenitores de heróis. A cultura da
época preocupava-se imenso com as mulheres e as crianças, visto que se trata de
seres humanos frágeis, dependentes e vulneráveis a vários males, como, por
exemplo, a escravidão. Neste sentido, Heitor é o herói que é, simultaneamente,
uma extensão do seu pai e da sua mãe.
Não obstante ser o comandante do
exército troiano e o mais valoroso dos seus combatentes, Heitor tem falhas. Por
exemplo, no Canto XVII, foge duas vezes quando combate com Ájax e só retorna
após ser insultado por Glauco e Eneias. Outra falha ocorre quando promete às
suas tropas a vitória na guerra após a expulsão dos Aqueus dos seus navios.
Quando discursa perante elas, anuncia-lhes o seu plano, segundo o qual
acamparão fora das muralhas, prontas para um ataque rápido. Tal perceção em
torno de uma possível vitória tem origem nu erro de interpretação da promessa
de Zeus, que, na verdade, se tinha comprometido a favorecer os Troianos apenas
até eles alcançarem os navios gregos, para que Agamémnon seja castigado pelo
que fez a Aquiles. Outra falha tem a ver com o seu excesso de confiança, que o
leva a recusar a retirada do exército para a segurança do interior da cidade,
sob a proteção das suas muralhas, tal como aconselha Polidamas, na noite que
antecede o retorno de Aquiles à guerra, o que conduz ao descalabro do dia
seguinte. Todos estes factos colocam-nos perante uma personagem impulsiva e
nada prudente, mas está bem longe do orgulho de Aquiles e da arrogância e
autoritarismo de Agamémnon.
Seja como for, Heitor é um homem de
família que ama a esposa e o filho e um patriota que se preocupa com troia e os
seus cidadãos. No entanto, quando abandona o interior da cidade, mostra-se uma
pessoa diferente, talvez pelo desejo do sucesso militar na guerra, pela sua
própria força e pela ilusão de que Zeus apoio incondicionalmente a sua causa. O
processo de isolamento que ocorre no exterior de Troia culminará no instante em
que se vê só no campo de batalha, lutando até à morte com Aquiles.
O lado negativo da personalidade de
Heitor evidencia-se noutro momento: a morte de Pátroclo. Nesse instante, foge
ao ideal do herói homérico, concretamente no momento em que ameaça arrastar o
corpo morto do inimigo até Troia para o deitar aos cães da cidade, quando o
código lhe impunha que o devolvesse aos Aqueus, para que estes o sepultassem
adequadamente. É também por isto que Aquiles maltratará o corpo do próprio
Heitor depois de o matar. Por outro lado, se é verdade que foge do filho de
Tétis aquando desse combate final e que, durante breves momentos, acalenta a
esperança de negociar a sua saída desse duelo, não o é menos que acaba por
enfrentar o seu poderoso inimigo, mesmo quando toma consciência de que os
deuses o abandonaram. A sua recusa em fugir nesse momento, mesmo perante forças
bem superiores a si, tornam-no a figura mais trágica da Ilíada.
Sob certo prisma, Heitor constitui o
mais heroico dos heróis no poema. Enquanto Aquiles, como já foi referido, passa
grande parte da obra amuado por causa do seu orgulho ferido, Heitor parece ser
bem menos egoísta, preocupando-se essencialmente com o destino de Troia e com a
sua família. Por outro lado, facilmente o leitor simpatizará com esta
personagem, desde logo porque sabe desde cedo que os deuses decidiram já que os
Gregos triunfarão e que Troia está condenada a sucumbir e que intervirão no
desenrolar dos acontecimentos, de modo a assegurarem-se de que esse será o
desenlace do conflito. Em suma, Heitor nunca teve qualquer hipótese de sair
vencedor.
A morte de Heitor é um dos passos
mais importantes da Ilíada, como é óbvio. No Canto XII, enquanto Aquiles
aniquila ferozmente todos os soldados troianos que lhe urgem à frente, Heitor
recua em direção aos portões da cidade. Vários compatriotas conseguem
refugiar-se no seu interior, todavia o filho de Príamo permanece no exterior,
apesar de os pais lhe implorarem que se coloque a salvo do inimigo. Heitor, no
entanto, decide ficar e lutar, num acesso de confiança nas suas capacidades e
força, no entanto subitamente essa confiança desaparece e ele foge. Aquiles
persegue-o em torno das muralhas três vezes, mas os deuses interferem nos
eventos e o «domador de cavalos» cumpre o seu destino e morre no campo de batalha,
confirmando-se também a ideia de que é um instrumento dos deuses.
Note-se que a Ilíada
principia focada em Aquiles e na sua cólera, contudo termina com os funerais de
Heitor. O estudioso James Redfield considera, por isso, que a figura principal
do poema é Heitor, a personagem cuja tragédia comove o leitor; a personagem
que, ao contrário de Aquiles, não participa na guerra por escolha pessoal, nem
dela se pode retirar quando algo o ofende. Assim sendo, isto é, porque não tem
escolha, o papel de Heitor é trágico: é seu dever proteger e defender os pais
idosos, a esposa, o filho, os concidadãos, Troia. Todos dependem dele.
Confirmando isto, quando ele morre às mãos do filho de Tétis, a cidade morre consigo.
Heitor é um homem nobre, um guerreiro viril e corajoso, com espírito de
sacrifício, uma figura que aceita o seu destino, o filho, o pai e o marido
ideal e exemplar. Exemplo de tal é a sua despedida de Andrómaca, um momento de
amor, ternura e compreensão mútua.
A donzela acabou de chegar do baile
e a sua mãe repreende-a por ter rompido a roupa/o manto. Além disso, adverte-a
para que tenha cuidado, pois o baile aproxima-se da fonte, onde, aparentemente,
o baile teve lugar. Ora, no contexto da cantiga de amigo, a fonte constitui o
lugar do encontro erótico e o veado/cervo o símbolo da sexualidade masculina.
Por outro lado, a dança/o baile configuram um comportamento de cariz sensual ou
erótico, isto é, através do qual a jovem procura seduzir o amigo que a observa.
As roupas rasgadas (“e rompestes i o
brial”) simbolizam a perda da virgindade na poesia trovadoresca. O «brial» era
uma peça de vestuário exterior, uma espécie de túnica ou manto, feita de seda
ou outro tecido fino.
O primeiro verso do refrão adverte-a
para a aproximação do veado, que vai beber à fonte, a metáfora da virilidade,
portanto do amigo, ou seja, a figura materna chama a atenção da filha para a
vinda do amigo. Já o verso seguinte do refrão (“esta fonte seguide-a bem”)
apresenta dificuldades de interpretação. De facto, interpretá-lo de forma
literal parece não fazer sentido, visto que as fontes não se movem. Por outro
lado, a mãe também não está a mandar a filha para a fonte. Poder-se-á
aindaconsiderar que, neste caso, “seguide-a bem” poderá significar “observar” (“observa-a
bem”), indiciando que a progenitora está a alertar a jovem para ter cuidado com
algo. Todavia, de acordo com alguns críticos, este significado não foi
atestado. A forma «seguir» provém do latim vulvar “sequire”, pelo contrário “sequi”
(«seguir»), da raiz indo-europeia “sekw”. Assim, «vê», «observa» estão entre as
possibilidades decorrentes da raiz e este uso ocorre, efetivamente, em latim. A
Eneida, o célebre poema épico de Virgílio, contém o uso da expressão “oculis
sequi” com o sentido de «seguir (um objeto que recua) com os olhos”. Assim,
neste contexto, a evolução semântica da expressão seria algo como «seguir» >
«observar um objeto em movimento» > «observar um objeto». No entanto, se
correto, o uso é único.
A segunda cobla, como é
característico das cantigas de amigo paralelísticas perfeitas, repete o
conteúdo da primeira, sendo os respetivos versos muito semelhantes, com pequenas
variações, mais concretamente das palavras rimantes. Ainda assim, convém deixar
uma nota a propósito do termo «loir» (v. 6), cuja origem parece residir no
latim «ludere» (via «ludire»). «Loir» talvez não seja um sinónimo exato de
«bailar», mas regra geral significa «jogar» ou «brincar».
O segundo par de coblas insiste na
censura da mãe por a filha ter rompido as vestes, acrescentando nova informação
– como é hábito no paralelismo perfeito –, neste caso o pesar da progenitora
pelo sucedido, o que traduz a sua oposição à situação.
Em suma, tal como sucede em vários
outros cantares de amigo, esta composição é passível de uma dupla leitura. A
primeira, singela, coloca-nos perante uma mãe que censura a sua filha por esta ter
ido bailar e lá ter rasgado a sua roupa de tecido fino. A segunda, de cariz
metafórico, recorda-nos que o baile constitui um momento de sensualidade e
sedução do amigo por parte da donzela. Por outro lado, o «brial», que é uma
peça fina de vestuário, conota igualmente sensualidade e o seu rompimento
simboliza o rompimento do hímen, isto é, a perda da virgindade. Deste modo, estaremos
na presença da primeira relação sexual da jovem. Quanto à fonte,
geograficamente constitui o local do encontro amoroso, mas simboliza também a
figura feminina; já a sua forma, fálica, representa o amigo, que é igualmente
representado pela figura do cervo, um animal que, tradicionalmente, metaforiza
o homem.
Deste modo, poderemos concluir que a
donzela se foi encontrar com o amigo na fonte, onde se concretizou o ato sexual
e a consequente perda da virgindade da menina. A dança representa a sua
maturidade sexual; a fonte, o encontro e a concretização do ato; o romper do
brial, uma metonímia do rompimento do hímen, da perda da virgindade.
Tudo isto causa o descontentamento
da mãe, que comunica com a filha através de uma espécie de código, ao desvendar
o segredo da filha. As duas coblas finais acrescentam uma informação que parece
confirmar a ideia segundo a qual a donzela deseja manter ter relações sexuais
com o amigo: foi ela quem fez o vestido, sem o consentimento da mãe. Ora, este
dado implica que a figura materna se opõe ao relacionamento sexual da filha.
Porquê? Provavelmente, porque considera que a jovem não está ainda pronta para
dar tal passo, ou porque não tinha boa opinião do amigo.
Esta cantiga – à semelhança de
outras de Pero Meogo – alude à passagem da adolescência à idade adulta por
parte da donzela. De facto, as nove cantigas que conhecemos deste trovador
constituem um conjunto que conta uma história. Assim, as cantigas I a IV
configuram o prelúdio de uma iniciação sexual vivida pela donzela entre a preocupação
pelos sentimentos que alberga por ela o amigo, a segurança do namoro dele e a
procura dos conselhos da mãe. A cantiga V é o clímax de um encontro amoroso,
prolongado na plenitude do poema VI e sistematizado no VII. As cantigas VIII e
IX supõem a resposta da mãe à transgressão moral e mostram a sua preocupação
ante um abandono por parte do amigo.
Nestas cantigas, encontramos vários
elementos simbólicos, como o cervo, o mar, a fonte, etc. O mar é apresentado
como um espaço de morte. A rapariga que penteia os cabelos na fonte
relaciona-se com as figuras das «mouras», das «donas», das «lavadeiras» e da
própria Morrigana (a deusa da guerra e da morte para os celtas), de grande
conotação sexual, geradora de vida e de morte. O cervo é o símbolo da força
geradora, da virilidade. A sua origem encontra-se na raiz proto-indoeuropeia *ker,
com as variantes *kor e *kr-, que têm o significado de corno. Os
cornos do veado são elementos geradores relacionados com uma mística primitiva,
na qual se unem as forças masculinas e femininas.
• Estrofes/coblas/cobras:
três sextilhas (4 + 2) heterométricas.
• Métrica: versos
decassílabos, alternando com versos tetrassílabos no refrão.
• Rima:
- esquema rimático: aaabab
- emparelhada e cruzada
- rica (“velidas”/”frolidas”)
e pobre (“amar”/”bailar”)
- grave (“velidas”/”frolidas”)
e aguda (“amar”/”bailar”)
- consoante (“velidas”/”frolidas”)
• Refrão: intercalado, monorrimo;
sugere o ritmo do baile a realizar; reitera o convite à dança realizado nas
coblas. Introduzindo a condição «se amigo amar».
• Ritmo: mais rápido no
refrão, coincidente com a alternância entre versos compridos e mais curtos.
• Transporte: vv. 1-2,
5-6, etc.
• Nomes:
- “amigas”: as donzelas
das cantigas de amigo;
- “amigo”: o objeto
visado pela ação (a dança) das donzelas, isto é, a figura para quem pretendem
dançar e, assim, seduzir;
- “avelaneiras”, “ramo”:
indiciam o ambiente (espaço e tempo) em que ocorre o baile.
• Pronome «nós»: indicia
uma ação coletiva.
• Adjetivos (“velida”, “louçana”):
encarecem a beleza física das donzelas, afinal aquilo que, juntamente com a
dança, atrairá os amigos.
• Verbos: encontram-se no
conjuntivo/imperativo, na 1.ª pessoa do plural, e traduzem o apelo, a exortação
à dança coletiva.
• Numeral cardinal três:
especifica o número exato de donzelas; simboliza a harmonia e a perfeição.
• Interjeição «ai»:
indicia a alegria do convite.
• Vocativo “ai amigas”:
identifica as confidentes, o destinatário do convite para bailar.
• Tipos de frases:
imperativas – traduzem o apelo/convite da donzela às amigas para dançarem.
• Anáfora: intensifica o
apelo à dança.
• Paralelismo semântico (“louçanas”/”velidas”),
estrutural e anafórico (“Bailemos”/”Bailemos”):
- salienta o objetivo do
convite, evidente na repetição de “Bailemos nós já todas três” (vv. 1 e 7);
- sublinha a relação de
proximidade afetiva entre as donzelas pela substituição da palavra “amigas” por
“irmanas”;
- evidencia a
consciência, por parte da donzela, de que ela e as suas amigas são belas,
através da sinonímia entre “velidas” (v. 3) e “louçanas” (v. 9);
- exprime a passagem de
uma visão geral do espaço (campo com avelaneiras onde as donzelas bailarão)
para uma visão circunscrita (a árvore e o ramo sob o qual decorrerá a dança),
através da substituição da expressão “avelaneiras frolidas” (v. 2) por “aqueste
ramo destas avelanas” (v. 8);
- contribui para a
cadência melódica da cantiga.
• Apóstrofe “Ai amigas”:
identifica o destinatário do discurso da donzela.
• Comparações: enfatizam
a beleza e a formosura das donzelas; incitam ao encontro, à dança e à
celebração do amor pelas donzelas enamoradas.