Ao
contrário de muitas outras composições poéticas, este texto é caracterizado
pela regularidade formal. Assim, é constituído por 12 versos octossílabos,
distribuídos por três quadras, com rima entre o segundo e o quarto versos de
cada estrofe, sendo os demais brancos ou soltos. Existe ainda rima interna nos
versos 3 (“procura”/”sepulturas” – esta rima enfatiza o clima de morbidez
presente no poema desde o verso inicial) e 11 (“quero”/”espero”).
O tema
do texto é a morte, mais concretamente o testemunho da perda do pai do sujeito
poético, associado à sensação da morte do próprio «eu». A isto soma-se uma
súplica do sujeito, órfão paterno, para que o leitor do poema tenha compaixão
de si e lhe dedique uma oração. Note-se que o título se encontre no
plural, pelo que não se refere “ao finado” pai, mas encadeia “pai e filho”,
como se ambos estivessem “finados”, “mortos”. A palavra “finado” é o particípio
do verbo «finar» e indica aquilo ou aquele que se finou, que faleceu
(eufemismo).
O
primeiro verso do poema alude ao Dia de Finados: “Amanhã é dia dos mortos”.
Esta é uma data da liturgia cristã, que cai oficialmente no dia 2 de novembro,
posterior ao Dia de Todos os Santos, que aproxima o divino (santos) e o terreno
(os mortos, a finitude).
O culto
dos mortos é um ritual muito antigo que faz parte da maior parte das religiões.
Inicialmente, estava ligado aos cultos agrários e de fertilidade, dado que as
pessoas criam que, como as sementes, os mortos eram sepultados com vista à sua
ressurreição. No caso da Igreja Católica, o Dia de Finados foi criado como um
vínculo suplementar entre os vivos e os mortos. Já no século I d.C., os
cristãos rezavam pelos seus entes falecidos: visitavam os túmulos dos mártires
para orar pelos que tinham morrido. Mais tarde, no século V, a Igreja passou a
dedicar um dia do ano para rezar por todos os mortos, pelos quais ninguém
rezava e dos quais ninguém se lembrava. No século X, a Igreja católica
instituiu oficialmente o Dia de Finados e, a partir do século seguinte, os
papas Silvestre II (1009), João XVII (1009) e Leão IX (1015) passaram a obrigar
a comunidade a dedicar um dia aos mortos. No século XIII, esse dia passou a ser
comemorado no dia 2 de novembro, porque o primeiro é a Festa de Todos os
Santos. Com o passar do tempo, a celebração ultrapassou o seu traço
exclusivamente religioso e passou a estar associado a um momento emocional: a
saudade de quem perdeu entes queridos. Presentemente, o Dia de Finados é um dos
feriados mais universais, sendo que as pessoas costumam celebrar os seus mortos
levando flores aos túmulos e rezando por eles.
O
sujeito poético, através de formas verbais no imperativo na segunda pessoa do
singular, dirige-se a um «tu», pedindo-lhe que vá ao cemitério e procure a
sepultura do seu pai (dele, «eu» lírico), num tom confessional. A reiteração da
forma verbal «vai», no imperativo, por ser idêntico à forma do verbo «ir» no
presente do indicativo, suaviza a ordem e sugere um pedido.
Neste
poema, o «eu» poético procura a representação da presença do ouvinte, uma característica
da língua falada. Assim, o «eu» dialoga com um «tu» implícito, propiciando um
tom próximo da conversa e atenuando a distância entre o «eu» poético e o
leitor. Exemplos deste diálogo são o verso 1 (“Amanhã que é dia dos mortos”) e
os versos 2 a 8,onde o suposto diálogo com o interlocutor é marcado por formas
verbais no imperativo (“vai”, “procura”, “leva”, “ajoelha”), através das quais
o «eu» se dirige ao «tu» com uma série de ordens/pedidos. Desta forma, o
sujeito poético cria um clima de cumplicidade entre ambos.
A
segunda quadra inicia-se com novo pedido do «eu» poético, através da linguagem
coloquial, exemplificada pelo uso do advérbio de intensidade «bem» no verso 5:
que o seu interlocutor leve rosas ao túmulo do seu pai. Este gesto de depositar
flores numa sepultura corresponde ao cumprimento de um ritual católico para homenagear
os que já partiram. A essa oferenda soma-se a postura / posição de humilhação
reverente e religiosa (a genuflexão) e a prática da oração. No entanto, o verso
seguinte introduz uma nota incomum e ilógica relativamente ao culto: a reza não
se destina ao pai (morto), mas ao filho (vivo). Como se justifica este pedido,
esta súplica? O filho, o «eu» poético, sofre pela ausência dos seus entes
queridos mortos, nomeadamente o pai, de tal forma que a dor e a solidão que o
caracterizam levam-no a desejar a morte.
Neste
contexto, o verso 8 é muito significativo: o sujeito poético, ao recorrer ao
termo coloquial «precisão», mostra que a necessidade dele, do filho, é muito
maior que a necessidade de oração do pai morto. A morte aplacaria o sofrimento de
que padece enquanto vivo. Tudo isto, no fundo, casa com a visão cristã pessimista
da existência: a vida é sofrimento e amargura. Este pessimismo é acentuado pela
reiteração do pronome indefinido «nada», que representa o fim dos desejos e das
expectativas em relação à vida: “Pois nada quero, nada espero”. As perdas dos
entes queridos levam o sujeito poético a sentir-se só, por isso pede aos que
estão de forma que se compadeçam do seu sofrimento. Ele sente essa perda como
uma antecipação da sua própria morte, como uma sensação de morte em vida.
Deste
modo, a identidade do «eu» poético passa a ser a do pai morto, pois ele também
se julga falecido. Relembre-se que um pai, normalmente, representa um modelo
para o(s) seu(s) filho(s), além de simbolizar refúgio, proteção. Ora, sendo
assim, perdê-lo é ficar só e por sua conta no mundo, desabrigado, desprotegido,
caso não seja emocionalmente autónomo, como parece ser o caso do «eu» poético.
Neste contexto, o último verso do poema constitui uma espécie de profissão de
fé, uma completa identificação com o pai, sempre presente na sua vida.
Para
finalizar, uma última nota para o ritmo do poema, um ritmo entonacional,
durativo e pausado, nomeadamente pela presença da pontuação, de que é exemplo o
uso da vírgula no verso 7, que tem como efeito a criação de uma dupla leitura:
o sujeito poético desdobra-se entre o «eu» e aquele do qual se fala. Um outro
recurso usado pelo sujeito lírico é a chamada técnica do «feedback», cuja
função é esclarecer o que o «eu» quer dizer. São exemplos deste processo os
versos 3 e 4 e 7e 8.
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