Causou alguma comoção, quando
foi eleita, o facto de Dilma Roussef se ter intitulado “presidenta”.
Ora, o termo em questão não foi
propriamente uma invenção da sucessora de Lula da Silva. De facto, já constava
de dois documentos de meados do século XX, concretamente os dicionários de
Augusto Moreno (1944) e Cândido de Figueiredo (1953). Convém ter presente,
porém, que o vocábulo “presidenta” possuía então um cunho popular e era usado
de forma irónica e pejorativa. Além deste, as obras mencionadas registavam outros
casos semelhantes, como, por exemplo, “giganta” e “hóspeda”.
Por outro lado, os dois
principais dicionários brasileiros (o de Aurélio Buarque de Holande e o de
Antônio Houaiss), bem como o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado
pela Academia Brasileira de Letras, a entidade que estabelece a norma da língua
portuguesa para o Brasil, registam a forma “presidenta” como feminino de “presidente”.
“Presidente” pertence ao
conjunto dos nomes (terminados em –ente)
que têm origem nas formas do particípio presente latino, que não variava em
género: “amans”, “amantis” (amante, que ama), “audiens”, “audientis” (ouvinte,
que ouve), etc. São os chamados nomes
comuns de dois, isto é, possuem a mesma forma para o masculino e para o
feminino. É o que sucede, por exemplo, em “o doente” e “a doente”, “o tenente”
e “a tenente”, “o docente” e “a docente”.
Nesta questão, há que ter em
conta ainda um conjunto de exceções que fogem à norma: “infante” / “infanta”, “governante”
/ “governanta”, “”elefante” / “elefanta”. Observe-se o que diz Regina Rocha
sobre esta questão (Ciberdúvidas): «Como
ponto prévio, direi que a dúvida apresentada diz respeito a três palavras de
natureza diferente, e que estas palavras não terminam em -ente (como presidente),
do particípio presente de verbos latinos, mas em -ante.
Analisemos, então, cada uma das
palavras e por que motivo elas têm o morfema -a no feminino.
A palavra infante provém do latim infans,
infantis,
que significava «aquele que não fala», «aquele que tem pouca idade», «criança»,
passando, em português, também a designar «filho do rei, irmão do príncipe
herdeiro», «irmão do rei». Na acepção de «criança», a palavra entra no
português como substantivo comum de dois («o ou a infante») e assim é utilizada
pelos clássicos. Entretanto, por influência do francês infante, feminino de infant,
começa a utilizar-se o termo infanta, apenas na acepção de «filha
de rei ou de rainha, não herdeira da coroa». O termo infanta não é, pois, formado do pretenso «masculino» infante, mas provém do francês.
Quanto à palavra governante,
trata-se de um termo oriundo do francês, ainda sentido em meados do século XIX
como um «francesismo inadmissível e desnecessário» (Novo Diccionario da Lingua Portugueza, por Eduardo de Faria, 1857).
Com o significado de «pessoa que governa», é um substantivo comum de dois («o
ou a governante»). A palavra governanta entra posteriormente no
português, também proveniente do francês, com o significado de «mulher a quem
estava confiada a administração de uma casa» e também vai ser sentida como
galicismo, por ocupar o mesmo espaço que aia,
ama, criada grave. Não é,
pois, uma palavra formada do português governante, não tendo, naturalmente,
o significado de «mulher que preside ao governo de um país ou dele faz parte».
Finalmente, o substantivo
feminino elefanta já está registado há séculos em dicionários: provém do
latim, de um substantivo que assume normalmente as duas formas (o elefante e a
elefanta), não sendo formado de nenhum verbo. Há, no entanto, quem utilize
apenas uma forma, considerando-o um substantivo epiceno, como é regra geral em
grande parte dos nomes de animais.
Em suma, estas palavras terminadas em -e que formam o feminino com a utilização do
morfema -a são exceções em
relação à regra relativa à formação do feminino dos substantivos ou adjectivos
terminados em -ente da mesma família
de verbos cujos particípios presentes são reveladores de quem pratica a ação
daquele verbo.».