sexta-feira, 22 de maio de 2020
Contexto histórico de Aparição
Vida de Vergílio Ferreira
sábado, 16 de maio de 2020
Análise do poema "Green God", de Eugénio de Andrade
● Título
O título do poema surge em inglês. O
adjetivo “green” remete para a cor que predomina na natureza – o verde –,
a qual nos remete também para questões ambientais.
O nome “God” associa a figura
descrita no poema a um “deus”, que, no entanto, possui traços humanos: o corpo
(v. 3), os passos (v. 8), os braços (v. 9) e o sorriso (v. 11).
● Análise do poema
▪ 1.ª estrofe
• O corpo do “Green God” é associado, nos dois primeiros versos, à graciosidade das fontes e, nos versos 3 a 5, é comparado a um rio e à sua serenidade.
• As fontes simbolizam a água viva e a pureza, sendo, por isso, símbolo de vida.
• O rio simboliza o movimento, a passagem, a fertilidade, a renovação, a juventude.
• Deste modo, o retrato que a primeira estrofe nos permite traçar do Green God é caracterizado pela graciosidade, pela serenidade, pela juventude e pela vitalidade, em comunhão com a natureza.
▪ 2.ª estrofe
• A segunda estrofe abre com nova comparação: “Andava como quem passa / sem ter tempo de parar” (vv. 6-7).
• De seguida, é descrito
o processo de vegetalização do corpo: o “deus” vai-se metamorfoseando e
fundindo com a natureza, que, por sua vez, se vai transformando à medida que
ele passa:
‑ ervas nascem dos seus
passos;
‑ troncos crescem dos
seus braços;
‑ transforma-se numa flor ao vento, que se vai desfolhando ao dançar (vv. 12-13).
• É um deus, portanto, criador de vida.
▪ 3.ª estrofe:
• Esta estrofe inicia-se com nova comparação: o “deus” sorria como quem dança.
• O vocabulário
predominante na estrofe pertence ao campo da dança e realça a vitalidade, a
graciosidade e a alegria do corpo, dançando e tremendo ao ritmo da música.
● Retrato do Green God
▪ É um deus vivo e criador: os seus passos criam ervas e o seu corpo cria troncos.
▪ É um deus que sorri e dança quando passa, criando uma atmosfera de encantamento.
▪ É um deus que se vegetaliza, que transforma e se funde com a natureza. O processo de vegetalização do seu corpo atesta o seu caráter telúrico.
▪ É um deus associado às artes, nomeadamente à poesia, à dança e à música.
● A tradição literária e a contemporaneidade no poema
▪ O tema da natureza está presente na literatura portuguesa desde a Poesia Trovadoresca, passando pelos clássicos renascentistas, até à contemporaneidade.
▪ O mesmo sucede com a temática do bucolismo, presente na imagem da flauta.
▪ O uso do verso heptassílabo está presente na literatura nacional desde o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, e dos clássicos renascentistas.
▪ A modernidade/contemporaneidade deste poema reside na abordagem ecológica da temática da natureza.
Análise de "Quando em silêncio passas entre as folhas"
• O sujeito poético dirige-se a um «tu» que passa, silenciosamente, na natureza.
• Essa natureza relembra, de certa forma, o «locus amoenus» clássico: as folhas, a ave, as espigas e as fontes são os elementos que a representam.
• O «tu» tem
um grande impacto e enormes efeitos na natureza:
▪ faz renascer as aves;
▪ as espigas, maduras, tremem;
▪ as fontes param, contemplando-lhe a face.
Em suma, ele provoca alegria na natureza e é detentor de um poder divino, o de dar vida: ele traz da morte as aves.
• O sujeito poético mostra-se fascinado com esses efeitos que o «tu» tem na natureza.
• Ainda que
curto, o texto é bastante rico em matéria de recursos expressivos:
▪ a personificação da natureza (“comedidas / param
as fontes”);
▪ metáfora:
. “tremem maduras todas as espigas”;
. “param as fontes a beber-te a face”;
▪ comparação: “como se o próprio dia as inclinasse”.
Estes recursos enfatizam a humanização da natureza e os efeitos nela provocados pela passagem do ser descrito.
• O poema é constituído por uma única estrofe, de 7 versos (sétima), todos eles brancos ou soltos e de rima cruzada, de acordo com o esquema rimático ABCDEDE.
Análise de "Agora as palavras", de Eugénio de Andrade
• Ao longo do poema, opõe-se dois tempos: o presente (“agora” – v. 1) e o passado.
• Com a passagem do tempo, a
relação do sujeito poético com as palavras alterou-se e, no presente, é
caracterizada pelo seguinte:
»
passou a sentir mais dificuldade em dominar as palavras (“não fazem / caso do
que lhes digo” – vv. 3-4), que o ignoram;
»
as palavras começaram a resmungar (“A propósito / de nada resmungam” – vv.
2-3);
»
as palavras não lhe obedecem (vv. 1-2) ou obedecem-lhe muito menos;
»
as palavras desrespeitam-no, desrespeitam a sua idade (“não respeitam a minha
idade.” – v. 5);
»
as palavras são “ariscas” e escapam-se-lhe “por entre / as mãos” (vv. 16-17);
» as palavras mostram-lhe os dentes, como forma de protesto (verso 17).
• A referência à idade do «eu» lírico no verso 5, associada aos dois versos finais, significa que, com a passagem do tempo, aquele reconhece que a sua relação com as palavras se alterou e parece não ter a certeza acerca de quem é responsável por essa mudança. De facto, embora ao longo do texto lhas pareça atribuir, a interrogação desses dois últimos versos parece indiciar que não tem a certeza disso.
• Ao longo do poema, predomina a personificação das palavras, a quem são associados atributos humanos e que parecem ter vida própria. Sobretudo no presente, mostram-se independentes, sentem, reagem e lutam com o sujeito poético.
• Por outro lado, é-lhes associado um caráter metafórico, ao serem associadas a animais: elas são desobedientes, arreganham os dentes (como um cão, por exemplo), eram controladas pela rédea (como um cavalo) do sujeito poético. Todos estes recursos, incluindo a personificação, contribuem para dar vida às palavras e sugerir que o ofício de ser poeta é bastante exigente.
• Os versos 6 a 9 permitem-nos compreender perfecionismo e o processo de criação artística sustentado pelo «eu»: é um processo meticuloso e rigoroso – ele trabalha as palavras com rigor (“mão rigorosa” – v. 8), caracterizado também por um controlo absoluto delas (daí o uso do nome «rédeas») e pela recusa dos artifícios (“a indiferença pelo fogo de artifício.”).
• Pelo contrário, no passado, as palavras gostavam do sujeito lírico (“e elas durante muitos anos / também gostaram de mim” – vv. 11-12), eram obedientes, causavam-lhe alegria e entre ambos havia uma relação harmoniosa (“dançavam / à minha roda quando as encontrava.” – vv. 12-13). Esta relação passada entre o «eu» e as palavras é explicitada a partir dos dois pontos.
• A metáfora do verso 14 (“Com elas fazia o meu lume”) estabelece uma associação entre palavra, poesia e vida. O lume, o fogo, equivale a vida.
• A interrogação final, como já foi referido, aponta para uma explicação alternativa para a mudança operada nas palavras: talvez tenho sido, afinal, o sujeito poético quem mudou, visto que passou a procurar as palavras mais difíceis (“Ou será que / já só procuro as mais encabritadas?” – vv. 18-19).
• Ao longo do texto, o sujeito
poético enuncia as possíveis causas para esta alteração de comportamento das
palavras. Em síntese:
▪
1.ª) o envelhecimento do sujeito poético (“não respeitam a minha idade”
– v. 5);
▪
2.ª) o sujeito poético não sabe escolher as palavras mais apropriadas
(vv. 18-19);
▪
3.ª) as palavras cansaram-se do controlo excessivo por parte do sujeito
poético (“Provavelmente fartaram-se da rédea” – v. 6).
● Intertextualidade
Se
relacionarmos este poema com outros de Eugénio de Andrade, como, por exemplo,
“As palavras”, verificamos que, neste último, as palavras se deixavam dominar e
controlar pelo poeta, ao contrário do presente, em que se mostram rebeldes, esquivas
e indomáveis.
● Processo de criação artística
O sujeito
poético relaciona-se de modo quase conflituoso com a sua poesia, em decorrência
da tensão que existe entre a sua vontade de trabalhar as palavras e a
incapacidade de o fazer, como confessa nos versos 16 e 17.
Por outro lado, declara todo o rigor, perfecionismo e recusa do “fogo de artifício” com que encara o processo de criação poética.
Análise do poema "Amoras", de Eugénio de Andrade
● Neste poema, o sujeito poético começa por associar o seu país a algo positivo – as amoras bravas no verão: ambos têm o mesmo sabor.
● De seguida, nos versos 3 e 4, através da personificação, identifica alguns traços negativos do país: a simplicidade e a pequenez (“não é grande” – v. 3), a falta de inteligência (“nem inteligente” – v. 4). Estamos, portanto, perante um país pequeno, fechado (v. 10), pouco inteligente e feio.
● A conjunção coordenativa (“mas” – v. 5) introduz uma outra visão do seu país, novamente positiva, como no início do texto: é doce e alegre, mesmo em circunstâncias difíceis, ideia presente na referência às silvas (v. 6), uma planta selvagem que causador e sofrimento quando nelas nos picamos.
● No verso 7, o sujeito poético declara que raramente falou no seu país e assinala uma possível (advérbio “talvez”) razão que está na base desse facto: a falta de afeto por ele (“nem goste dele” – v. 8), a juntar aos defeitos apontados anteriormente: a ausência de dimensão, de inteligência e elegância.
● O verso 10 associa ao país do sujeito poético um outro traço negativo: o fechamento, o isolamento, a falta de horizontes e liberdade, como se pode inferir da referência a “os seus muros”.
● No entanto, a oferta de amoras bravas por parte de um amigo faz com que o sujeito poético ganhe consciência de que o seu país é humilde e alegre, de certa forma, o que o faz libertar-se temporariamente da contrariedade que constituem os “seus muros”, que limitam os horizontes. Nesse momento de generosidade e amizade, os muros parecem-lhe brancos (paz, pureza) e apercebe-se de que o céu é, ali, também azul, ou seja, também ali é possível ter uma existência feliz.
terça-feira, 12 de maio de 2020
Análise do capítulo I de Os Maias
▪ é a residência da família Maia, em
Lisboa;
▪ situa-se na Rua de S.
Francisco, às Janelas Verdes;
▪ é um “sombrio casarão
de paredes severas”;
▪ tem “um renque de
estreitas varandas de ferro”;
▪ possui também “uma tímida
fila de janelinhas”;
▪ “tinha o aspeto tristonho
de residência eclesiástica”;
▪ estivera desabitado
durante longos anos, pelo que ganhara tons de ruína;
▪ é um edifício de “gravidade
clerical”;
▪ interior:
- “disposição apalaçada”;
- “tetos apainelados”;
- “paredes cobertas de
frescos”.
sábado, 9 de maio de 2020
Análise do poema "A sílaba", de Eugénio de Andrade
● Assunto: o sujeito poético encara o ato
de escrever poesia, por mais ínfimo que seja, como essencial à vida do poeta.
● Título
O título sugere que a poesia está presente em tudo na nossa vida,
desde a realidade mais simples e ínfima, como, por exemplo, a sílaba.
● Análise
▪ O sujeito poético abre o poema, afirmando que passou toda a manhã à procura de uma sílaba. Esta referência sugere que o ato de escrever poesia é um processo demorado, paciente e pormenorizado: a procura ocupa uma manhã inteira, sendo feita, portanto, de forma lenta e cuidadosa. Em suma, a escrita poética é um processo lento/moroso, aturado e demorado. Repare-se, aliás, na relação que se pode estabelecer desde já desta composição com o título da obra de que faz parte: Ofício de Paciência.
▪ A criação poética é um ato de conquista de cada palavra e é exemplificado através da busca da sílaba perfeita ao longo de uma manhã. Essa sílaba é entendida como fundamental, crucial (“faz-me falta. Só eu sei / a falta que me faz.”).
▪ A conjunção coordenativa adversativa («mas») estabelece uma relação de contraste com os três primeiros versos: o sujeito poético mostra que tem consciência («é certo») da aparente «insignificância» da sílaba (“É pouca coisa”, “quase nada”), mas ela faz-lhe falta, é crucial para que o poema esteja depurado (“Mas faz-me falta.” – v. 4). Por outro lado, isto mostra a insatisfação do sujeito poético; além disso, o processo de criação poética, laborioso como é, está atento ao mais elementar constituinte da palavra: “uma vogal, / uma consoante”.
▪ O verso 6 reafirma, ou confirma, que o ato de escrever poesia é “um processo aturado de atenção, pormenor e rigor” (CAMEIRA, Célia et alii, Mensagens): “Por isso a procurei com obstinação.”.
▪ Essa procura obstinada da sílaba é mais facilmente entendida se a relacionarmos com as referências às estações do ano: a sílaba que irá formar a palavra que irá constituir o poema será o princípio do processo de criação de um produto artístico que permanecerá para além do “frio de janeiro” ou da “estiagem / do verão”, isto é, que permanecerá no tempo.
▪ De facto, o verso 7 apresenta a poesia como uma forma de defesa “do frio de janeiro, da estiagem / do verão”, ou seja, da passagem do tempo. Esta referência às estações do ano constitui então uma metáfora precisamente da passagem do tempo e da efemeridade da vida.
▪ Assim sendo, esta sílaba representa a «salvação» do sujeito poético face à voragem do tempo. Para se defender dela, ele necessita de encontra a sílaba certa (“Uma sílaba. / Uma única sílaba.” – vv. 9-10), ou seja, o poema (sinédoque). O poema / a poesia é a forma que o “eu” lírico encontrou para sobreviver à passagem do tempo.
▪ A sílaba representa a construção do poema, que implica uma busca constante da palavra exata, que conduzirá ao poema «perfeito». Não é uma palavra qualquer que serve para um determinado poema; as palavras combinam-se, nos versos, pelos seus sentidos, sons, etc. Como refere Alberto Caeiro no poema XXXVI, o poeta que é artista põe verso sobre verso, como quem constrói um muro, vê se está bem e tira se não está.
▪ O que está aqui em causa é a busca incessante
do sujeito poético pela palavra, pelo verso, em suma, pela poesia que o
salvará. A arte poética, um dos temas poéticos preferidos de Eugénio de
Andrade, constitui, neste poema, uma reflexão sobre a própria composição
poética (aquilo que se costuma designar metapoesia, ou seja, a poesia
sobre a própria poesia), na qual o «eu» procura essa «sílaba» que lhe falta.
● Conceção de arte poética
A poesia é encarada como uma salvação essencial à vida do poeta, uma
defesa contra a passagem do tempo, bem como uma vida para a redenção, um
instrumento na busca pela perfeição.
Por outro lado, o processo de criação poética é uma tarefa aturada,
obstinada, laboriosa e de difícil execução.
● Estrutura formal
▪ Estrofe: uma décima.
▪ Versilibrismo: o poema é constituído por
um número diferente de sílabas métricas.
▪ Rima: ausência de um esquema rimático definido.