sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
Caracterização da hospedeira
Narrador / Personagem / Escritor-Furão em O Delfim
Este início da obra
remete para a dupla função de narrador e personagem, porém a sua presença não
se limita a isso, visto que revela constantemente a sua consciência do fenómeno
da criação literária, introduzindo mesmo a figura de autor. Ele próprio se
intitula «escritor furão», visto que se reconhece como um pesquisador da
verdade oculta, numa constante dupla caçada.
A narrativa é
construída a partir das recordações de diálogos que manteve com os donos da
Casa da Lagoa, de situações que presenciou ou não, mas que considera
plausíveis, de atitudes que observou, de tensões que pressentiu ou julgou
pressentir, e de versões várias sobre um incidente.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
O triângulo amoroso de O Delfim
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
Análise da Cena 9 do Ato II de Frei Luís de Sousa
domingo, 1 de janeiro de 2023
Análise do poema "O Gondoleiro do Amor"
sábado, 31 de dezembro de 2022
Última homenagem a Pelé
Análise do poema "Os Três Amores"
O poema é constituído por três sétimas com rima emparelhada, cruzada e interpolada, de acordo com o esquema rimático ABCADDB, com um verso na primeira estrofe, e versos decassílabos.
O tema é o amor, tratado em três
partes distintas, mas de construção paralela: I: Tasso – Eleonora; II: Romeu –
Julieta; III: D. Juan – Júlia. Os nomes são exemplificativos, porque
personificam uma situação própria e simbólica. A mudança de personagens
condiciona a mudança de ambiente. A construção formal é a mesma nas três
estrofes; muda o motivo, os símbolos e o ambiente. Isto aponta para a divisão
do «eu» romântico abstrato concretizado em personagens reais. Se atentarmos na
data de escrita do poema (setembro de 1866), podemos especular que a composição
tenha sido escrita para a sua amada, a atriz portuguesa Eugénia Câmara. Nela, o
«eu» cita três diferentes situações vivíveis com a mulher amada, aludindo a
três obras importantes da literatura mundial para descrever esses momentos com
a mulher: a ópera Torquato Tasso, a peça Romeu e Julieta e El
Burlador de Sevilla o El Convidado de Piedra.
Assim, a primeira estrofe remete
para a mencionada ópera, da autoria de Gaetano Donizetti, que decorre na cidade
italiana de Ferrara e se baseia na vida do poeta Torquato Tasso, que vive um
romance cheio de desencontros e escândalos que termina com a perda da amada. O
sujeito poético encarna o poeta italiano e retrata o amor de forma idealizada,
um amor não realizado, embora sublime e sereno. Com efeito, há uma apropriação
da história dos amores de Tasso por Eleonora, nobre de Ferrara a quem ele dedicara
os seus versos e que acaba ensandecido pela ideia fixa de perseguição
religiosa. Tasso é o cantor do sofrimento amoroso, que chora (canta) a cidade
da sua amada, cuja visão risonha lhe afugenta o sofrimento e a solidão.
A segunda estrofe remete para a peça
Romeu e Julieta, também ela situada em Itália, concretamente na cidade
de Verona, onde decorrem os amores impossíveis e contrariados entre dois jovens
de famílias rivais, uma paixão que termina de forma trágica com a morte dos
dois apaixonados. O sujeito poético deixa de lado o plano espiritual e passa ao
terreno amoroso. Para isso, pede a ajuda dos ícones da literatura amorosa,
ainda que trágica: Romeu e Julieta. Ao encarnar o herói de Shakespeare, o «eu»
alude ao amor transcendental, isto é, ao amor que, apesar das barreiras sociais
que o obstaculizem, se concretiza. O recurso à conjunção coordenativa
copulativa «e» no último verso une as duas figuras femininas referidas no
poema: Eleonora é também Julieta, isto é, são duas mulheres numa (quando
concluída a terceira estrofe, serão três numa). Dito de outra forma, a mulher
amada pelo sujeito poético é Eleonora, mas também é Julieta e ainda Júlia, ou
seja, ele deseja as várias facetas da mulher. Para ele, o amor não possui
apenas uma face, mas várias, e a mulher é, ao mesmo tempo, pura e sensual.
Por sua vez, a terceira estrofe
contém referências à obra de Tirso de Molina, cujo protagonista é D. Juan, um
jovem belo que seduz Júlia, uma rapariga espanhola de origem nobre que
assassina o pai. Estamos na presença de um amor sensual, carnal e amaldiçoado,
cujo desenlace é igualmente trágico. O amor platónico cede lugar ao desejo
ardente, à volúpia e à paixão descontrolada: “Na volúpia das noites andaluzas /
O sangue ardente em minhas veias rola…”. Como não poderia deixar de ser, o
vocabulário traduz esse amor/paixão/desejo, através de uma linguagem repleta de
erotismo: ”sangue”, “ardente”, “leito”, “seio”, “desfaço-te”. Atente-se também
na expressão «Eu morro», que alude à petit mort, isto é, ao orgasmo, se,
por acaso, ele lhe desfizer a mantilha. Em suma, esta estrofe alude claramente
à iniciação amorosa de D. Juan por Júlia, a espanhola fogosa.
Análise do poema "Boa noite"
O poema contém uma epígrafe,
que é a primeira fala de Julieta da cena V de Romeu e Julieta, em
francês, e que introduz o tema do poema. Nesse passo da obra de Shakespeare,
Romeu apressa-se para partir, pois o dia está a nascer, o que pode denunciar a
sua presença ali, nos jardins dos Capuletos, e, consequentemente, o encontro
furtivo de ambos, porém Julieta tenta convencê-lo de que o canto que ouvem
pertence ao rouxinol, ave que canta à noite, e não à cotovia, que anuncia a
chegada do dia. Isto significa que Julieta não quer que o amado parta. Esta é
uma característica tipicamente romântica. De facto, a mulher desempenha um
papel ativo no relacionamento amoroso, procurando impedir a partida do «eu», fazendo
uso das artimanhas da sedução, nomeadamente apertando-o contra os seus seios,
entre beijos, abraços e, sobretudo, descobrindo o peito. Perante este cenário,
quem deixaria essa alcova?
A composição abre com o «eu» poético
anunciado que “é tarde”, por isso ele vai-se embora. Estas atitudes
encontram-se noutros poemas de Castro Alves e torno da figura de D. Juan, já que
este seduz a mulher e depois abandona-a. No entanto, neste poema, esse esquema
é desrespeitado, visto que o abandono não se concretiza, dando lugar ao jogo
sensual, que vai da necessidade de ir ao desejo de ficar. De facto, nas duas
estrofes iniciais, o sujeito lírico, mesmo anunciando a sua partida, deseja
ficar e sente-se seduzido pela amada: “Boa-noite, Maria! É tarde…. é tarde… /
Não me apertes assim contra teu seio.”; “Boa-noite!... E tu dizes – Boa noite.
/ (…) / Mas não digas assim por entre beijos… / Mas não mo digas descobrindo o
peito, /– Mas de amor onde vagam meus desejos.”
Na terceira estrofe, o sujeito poético
chama por Julieta e refere-se a ela até à oitava estrofe, e fá-lo através de
uma linguagem sensual e erótica, que se estende por todo o poema, numa gradação
de volúpia que alimenta ainda mais a vontade de ficar: “Desmanchando o roupão,
a espada nua – / O globo de teu peito entre os arminhos”; “os teus contornos”; “afago
de meus lábios mornos”. A descrição do espaço amoroso, tal como a descrição do
corpo da mulher, é alimentada com o fogo da paixão. Nesse passo, as imagens
ligam-se à noite, o tempo dos amantes: “Boa-noite”, “a lua, “é tarde”, “cabelo
preto”, “a frouxa luz da alabastrina lâmpada”, “negro e sombrio firmamento”. Na
sétima estrofe, encontra-se outra cena sensual em que ocorrem imagens eróticas
como a personificação da luz a lamber os contornos da mulher e a menção a um
fetiche, sugerindo o ato sexual pela aproximação dos lábios do «eu» poético aos
pés da mulher amada: “A frouxa luz da alabastrina lâmpada / Lambe voluptuosa os
teus contornos… / Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos / Ao doudo afago de
meus lábios mornos.”
Note-se, por outro lado, que há a
fragmentação da mulher, aludindo a uma possível infidelidade amorosa. De facto,
a figura feminina duplica-se: primeiro é Maria, depois Julieta, Marion e, por
último, Consuelo. Estas quatro mulheres representam uma única aventura amorosa
que decorre entre a noite e o dia. O “Boa noite”, que, de início, soa como
forma de cumprimento noturno de despedida e separação (o «eu» poético deseja
ir-se embora), no final parece configurar-se como abandono e entrega no reduto
da amada, mesmo que se trate de uma entrega dúbia, pois o dormir, no contexto
do “negro e sombrio firmamento” do cabelo da mulher, assume ares de morte, de
mergulho na noite, de dissolução e desdobramento do sujeito poético num Eros
infinito, negro e sombrio, ligado ao reino de Tânatos, no desenvolvimento do
poema.
O «eu» poético, assim como Don Juan,
não se contenta com uma única mulher, quere-as todas. Ele encontra-se em busca
permanente pela mulher ideal, por isso, a mulher que já foi Maria, na primeira
estrofe, e já foi Julieta, na penúltima estrofe, é Marion, musa de Victor Hugo,
e será, na última estrofe, Consuelo, “personagem de George Sand, que viria dar
o título à poesia inspirada por Agnèse Murri em 1871.
Um elemento que desempenha papel
importante no poema é a natureza, que funciona como cenário dos acontecimentos,
mas cujo papel não se esgota aí, pois reflete a mulher e até o «eu», conferindo
grandeza à beleza feminina e ao próprio sentimento amoroso. Assim, a natureza é
personificada e associada à mulher e às suas formas. Na segundo estrofe, o
peito da mulher é apresentado como um mar de amor onde vagam os desejos do
sujeito lírico. Na terceira, o canto da calhandra é comparado ao hálito da
amada; enquanto na quarta o cabelo preto é a noite; na quinta, o peito é a lua;
na sexta, as cortinas são as asas do arcanjo dos amores; na sétima, a lâmpada
lambe voluptuosa os contornos de Julieta; na oitava, das teclas dos seios saem
harmonias e escalas de suspiros; na décima, o cabelo feminino é associado a um
negro e sombrio firmamento.
Para os dois apaixonados, a noite é
o tempo do encontro, da sua vida enquanto amantes, enquanto que, para os
restantes, é momento da «morte». O dia, por sua vez, é o momento da separação
do casal, portanto de morte amorosa, e de vida para a realidade dos homens.
Atente-se no seguinte verso: “A lua nas janelas bate em cheio”.
Metaforicamente, podemos vislumbrar aqui a ideia da penetração carnal, dado que
a janela, sendo um orifício, indicia a imagem da penetração.
Por outro lado, o poema é bastante
rico em matéria de recursos estilísticos. Destacam-se, desde logo, as anáforas,
por exemplo nos versos 16 e 17, bem como no final da quarta e no início da
quinta estrofe: “É noite ainda”; “É noite, pois…”. Segue-se a hipérbole,
nomeadamente na comparação dos versos 37 e 38 (“Como um negro e sombrio
firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo…”), onde o cabelo da mulher amada
é comparado à escuridão da noite infinita, enfatizando o poder misterioso que
este tem sobre o sujeito poético, o que acentua a hipótese da relação de Eros
com a morte (negro e sombrio). Destacam-se também a enumeração e a gradação,
que surgem sobretudo na oitava estrofe, quando das teclas do seio da amada o
«eu» bebe “harmonias / Que escalas de suspiros”, ou na nona, quando a cavatina
do delírio “Ri, suspira, soluça, anseia e chora…”. Por último, considere-se a
apóstrofe, que é usada principalmente para pôr em evidência a(s) amada(s). A
presença do hipérbato (“Se a estrela d’alva os derradeiros raios / Derrama nos
jardins de Capuleto”, etc.) conferem uma certa feição barroca ao texto, mas de
exaltação à vida, não de melancolia e pessimismo.
O poema descreve quatro mulheres,
que se poderão resumir a uma: Maria. A composição parte de Maria, passa pela
platónica Julieta de Shakespeare, atinge o seu clímax na figura de Marion
(Delorme) – a intensa e sexual musa de Alfred de Vigny e Victor Hugo – e termina
em Consuelo, o protótipo de musa (grande cantora lírica) de George Sand, não
tanto platónica ou sexual como Julieta ou Marion.