A hospedeira é
apresentada carregada de volumes físicos, com múltiplas adiposidades, toda
redonda. Parece que o narrador nos quer mostrar, dessa forma, a ternura e a
dedicação que ela transmite aos seus hóspedes.
Esta personagem
simboliza a mulher do povo, que respeita os valores da burguesia, sem
instrução, cuja existência é dedicada a servir os homens como hospedeira,
transmitindo-lhes uma imagem materna em que a sexualidade é reprimida.
Ela desculpabiliza e
aceita tudo sem o questionar, sem levantar problemas. É uma espécie de Buda no
feminino ou de uma Madona, cuja sexualidade é reprimida através do trabalho
físico árduo, ao contrário da mulher burguesa, representada por Maria das
Mercês, que não trabalhava, não tinha uma ocupação profissional.
Enquanto informante, a
sua ação limita-se a discordar do cauteleiro, através da voz do narrador, que
afirma o seguinte: “santa madona de boquinha recatada”, “… o seu comentário
sairia perfeito, exemplar, retocado de clemência. Imitando-lhe o estilo…”. A
estalajadeira vai rebater as insinuações do cauteleiro para denegrir a
qualidade de homem de Tomás Manuel, que “se algum pecado se podia apontar ao
Engenheiro, ser leviano em demasia e andar, como diz o outro, sempre atrás de
saias. Passe a expressão.”
Na pensão, encontramos
outra personagem, a criadita, que representa o trabalho infantil, que
nos anos sessenta era muito mais intenso do que na atualidade do século XXI.
Nesta época, o trabalho infantil era aceite, nomeadamente em localidades mais
rurais, pois constituía um hábito ancestral. Era frequente as famílias terem filhos
para trabalharem e ajudarem ao rendimento e sustento familiar. O trabalho
infantil era também utilizado no serviço doméstico e, à semelhança do que
sucede com a criadita, muitas raparigas, concluída a então instrução primária
(quando a faziam!), emigravam para a cidade para «servir» uma família burguesa.
A hospedeira, em suma,
é a «formiga-mestra» e tem uma espécie de reflexo na criada de Palma Bravo,
descrita como uma “formiga de ventre espetado”, que pragueja com os cães do
dono e, de acordo com o provérbio inventado, “quem não pode com o patrão
vinga-se no cão”. Quer isto dizer que, debaixo da submissão destas personagens,
fervilha uma grande revolta e um desejo de mudança escondido, ou seja, elas
disfarçam para não desagradar ao patrão.
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