A tragédia é uma forma dramática
ou peça de teatro, em geral solene, cujo fim é excitar o terror ou a piedade,
baseada no percurso e no destino do protagonista ou herói, que termina, quase
sempre, envolvido num acontecimento funesto. Nela se expressa o conflito entre
a vontade humana e os desígnios inelutáveis do destino, nela se geram paixões
contraditórias entre o indivíduo e o coletivo ou o transcendente. Em sentido
lato, pode abranger qualquer obra ou situação marcada por acontecimentos
trágicos, ou seja, em que se verifique algo de terrível e que inspire comoção.
A palavra tragédia vem do grego trágos
+ odé, que significa canto dos bodes ou canto para o bode. Crê-se que
resultou de os atores se vestirem com pele de cabra ou de, primitivamente, na
Grécia, nas festas em louvor a Dionísio (o deus grego do vinho e da alegria,
tal como Baco entre os Romanos), se sacrificar um bode (tragos) ao som
de canções (odé) executadas por um corifeu (elemento destacado do coro,
que pode cantar sozinho) acompanhado por um coro.
A origem da tragédia como teatro
parece ter acontecido em 534 a.C., quando um corifeu chamado Téspis decidiu
encarnar a personagem Dionísio, dramatizando os ditirambos (composições líricas
corais) num diálogo com os restantes elementos do coro, que passou a ter um
papel de espectador privilegiado ao interpretar os sentimentos dos outros
espectadores.
Se os cantos e as danças,
entusiastas, com sátiras a alguns aspetos da vida permitiram o aparecimento da
comédia, as reflexões mais sérias e tristes que mostravam os aspetos negativos
da existência, muitas vezes pela crença num destino funesto, provocaram o
aparecimento da tragédia.
Estrutura da tragédia clássica grega
As partes principais da tragédia
clássica grega são o Prólogo (introdução e preparação para a entrada do
coro), o Párodo (entrada do coro), Episódios (cenas no palco,
entre os cantos corais, com os atos que constituíam a intriga), Estásimos
(trechos líricos executados pelo coro), o Epílogo (desenlace ou
desfecho). Isto significa que era constituída por 5 atos: um introdutório (o
prólogo), três centrais (no último, situa-se o clímax ou ponto culminante da
ação, com a anagnórise ou reconhecimento) e um conclusivo, o epílogo,
no qual se situa a catástrofe.
A tragédia clássica latina
(influenciada pela comédia nova grega) apresentava o Prólogo (exposição
inicial), os Episódios (os atos que constituíam a intriga) e o Êxodo (desenlace
ou desfecho).
Elementos intrínsecos característicos da tragédia
Na tragédia, percebe-se o seguinte
percurso: após a hybris (desafio do protagonista aos deuses, às
autoridades ou ao destino; o sentimento de orgulho desmedida leva o herói a
perpetrar uma violação à ordem estabelecida, através de uma ação que constitui
o tal desafio aos poderes e ordens divinos), acontece o páthos
(sofrimento intenso como consequência do desafio e capaz de despertar a
compaixão do espectador) e surge a agnórise ou anagnórise
(reconhecimento de um facto inesperado ou o reconhecimento de uma personagem),
que desencadeia o clímax (etimologicamente, “escada” ou “gradação”, é o crescendo
trágico até à peripécia, ou seja, à mudança repentina de estado nas
personagens, muitas vezes como resultado da agnórise; é o ponto máximo
da tensão, a partir do qual se define o desfecho; o ponto culminante é a acmê);
daqui resulta a cathársis (a catarse é a reflexão purificadora, a purgação
ou purificação dos sentimentos dos espectadores, que se identificam com os
conflitos representados) e a catástrofe ou catástase (desfecho
trágico). Algures ocorre a peripeteia ou peripécia (a súbita
mudança de acontecimentos que altera completamente o rumo dos acontecimentos) e
o ágon [o conflito que decorre da hybris desencadeada pelo(s)
protagonista(s)].
Outros elementos sempre presentes
são a némesis (vingança dos deuses, ou do destino, perante o desafio
arrogante do homem), o destino (moira), a anankê ou fatum (necessidade
como fatalidade; o destino, a força inexorável que determina o rumo da ação e à
qual têm de se submeter os seres humanos, os heróis e os próprios deuses), a phóbos
(sentimento de terror, de medo) e a éleos (sentimento de piedade).
Há ainda a considerar os traços
seguintes:
▪ o homem
subordina-se a um destino inelutável, sendo um mero instrumento dele e
joguete dos deuses;
▪ o
protagonista é um homem justo que, sem culpa, cai da felicidade na desgraça;
▪ o
protagonista atua movido por forças superiores (o destino, os deuses);
▪ ao longo
dos atos, a ação desenvolve-se num crescendo de intensidade que torna a
catástrofe inevitável;
▪ os
protagonistas são geralmente três, acompanhados respetivamente de outros três
secundários;
▪ a
personagem coletiva – o coro –, inverosímil de um ponto de vista realista,
apresenta como função o ato de comentar ou anunciar o desenrolar dos
acontecimentos sem interferir neles (estabelece uma relação entre o autor e o
público);
▪ a lei das
três unidades: unidade de espaço (a ação decorre no mesmo cenário e os
acontecimentos passam-se todos no mesmo lugar), de tempo (a ação ocorre num
período de 24 horas, mostrando que a ação do destino é imperativa e fulminante)
e de ação (a peça desenrola-se em torno de um só problema central, não se
desviando para problemas secundários);
▪ a linguagem
da tragédia é o verso.
Ésquilo é o primeiro poeta trágico
clássico, a que se lhe seguiram Sófocles e Eurípides, que acrescentaram outros
atores ao corifeu, podendo cada um desempenhar vários papéis com recurso a
máscaras. Entre os romanos, foram importantes dramaturgos Lívio Andrónico e
Séneca; na época clássica, merecem referência Shakespeare, Calderón de la
Barca, Corneille, Racine ou o português António Ferreira, com A Castro; na
época moderna, os grandes representantes da tragédia são Ibsen, Strindberg e
Tchekhov.
Frei Luís de Sousa, de
Almeida Garrett, apesar de ser um drama romântico, pode aproximar-se da
tragédia clássica na medida em que é possível encontrar quase todos os
elementos da tragédia, embora nem sempre obedeça à sua estruturação objetiva.
Tal como foi teorizada e cultivada
pela Antiguidade greco-latina e pela literatura clássica, a tragédia, com o seu
conjunto de convenções rígidas de género, com a intervenção de personagens
heroicas em conflito com deuses vingadores, subordinadas a um fatum
inelutável, é um género extinto desde o Romantismo (cf. STEINER, George – La
Mort de La Tragédie, Paris, 1965). Quando se fala de "tragédia"
na época contemporânea, é necessário lembrar a distinção estabelecida por G.
Genette (cf. Introduction à l'Architexte, Paris, 1979) entre
"tragédia" e "trágico", pelo que não se deve confundir o
género "tragédia", definido na Poética de Aristóteles, por
oposição a outro género nobre, a epopeia, e a um género menor, a comédia, com
outra realidade "puramente temática e de ordem mais antropológica do que
poética: o trágico, isto é, o sentimento da ironia do destino ou a crueldade
dos deuses" (id. ibi., p. 25, trad.). O recurso ao "trágico" na
época contemporânea pode traduzir-se na introdução do arcaboiço temático ou estrutural
da tragédia sob outros discursos, como o romanesco, como sucede, por exemplo,
em Os Maias, de Eça de Queirós.
Fonte: Infopedia
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