Português: A tragédia clássica: origens e características

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A tragédia clássica: origens e características

Introdução

A tragédia é uma forma dramática ou peça de teatro, em geral solene, cujo fim é excitar o terror ou a piedade, baseada no percurso e no destino do protagonista ou herói, que termina, quase sempre, envolvido num acontecimento funesto. Nela se expressa o conflito entre a vontade humana e os desígnios inelutáveis do destino, nela se geram paixões contraditórias entre o indivíduo e o coletivo ou o transcendente. Em sentido lato, pode abranger qualquer obra ou situação marcada por acontecimentos trágicos, ou seja, em que se verifique algo de terrível e que inspire comoção.
A palavra tragédia vem do grego trágos + odé, que significa canto dos bodes ou canto para o bode. Crê-se que resultou de os atores se vestirem com pele de cabra ou de, primitivamente, na Grécia, nas festas em louvor a Dionísio (o deus grego do vinho e da alegria, tal como Baco entre os Romanos), se sacrificar um bode (tragos) ao som de canções (odé) executadas por um corifeu (elemento destacado do coro, que pode cantar sozinho) acompanhado por um coro.
A origem da tragédia como teatro parece ter acontecido em 534 a.C., quando um corifeu chamado Téspis decidiu encarnar a personagem Dionísio, dramatizando os ditirambos (composições líricas corais) num diálogo com os restantes elementos do coro, que passou a ter um papel de espectador privilegiado ao interpretar os sentimentos dos outros espectadores.
Se os cantos e as danças, entusiastas, com sátiras a alguns aspetos da vida permitiram o aparecimento da comédia, as reflexões mais sérias e tristes que mostravam os aspetos negativos da existência, muitas vezes pela crença num destino funesto, provocaram o aparecimento da tragédia.


Estrutura da tragédia clássica grega

As partes principais da tragédia clássica grega são o Prólogo (introdução e preparação para a entrada do coro), o Párodo (entrada do coro), Episódios (cenas no palco, entre os cantos corais, com os atos que constituíam a intriga), Estásimos (trechos líricos executados pelo coro), o Epílogo (desenlace ou desfecho). Isto significa que era constituída por 5 atos: um introdutório (o prólogo), três centrais (no último, situa-se o clímax ou ponto culminante da ação, com a anagnórise ou reconhecimento) e um conclusivo, o epílogo, no qual se situa a catástrofe.
A tragédia clássica latina (influenciada pela comédia nova grega) apresentava o Prólogo (exposição inicial), os Episódios (os atos que constituíam a intriga) e o Êxodo (desenlace ou desfecho).


Elementos intrínsecos característicos da tragédia

Na tragédia, percebe-se o seguinte percurso: após a hybris (desafio do protagonista aos deuses, às autoridades ou ao destino; o sentimento de orgulho desmedida leva o herói a perpetrar uma violação à ordem estabelecida, através de uma ação que constitui o tal desafio aos poderes e ordens divinos), acontece o páthos (sofrimento intenso como consequência do desafio e capaz de despertar a compaixão do espectador) e surge a agnórise ou anagnórise (reconhecimento de um facto inesperado ou o reconhecimento de uma personagem), que desencadeia o clímax (etimologicamente, “escada” ou “gradação”, é o crescendo trágico até à peripécia, ou seja, à mudança repentina de estado nas personagens, muitas vezes como resultado da agnórise; é o ponto máximo da tensão, a partir do qual se define o desfecho; o ponto culminante é a acmê); daqui resulta a cathársis (a catarse é a reflexão purificadora, a purgação ou purificação dos sentimentos dos espectadores, que se identificam com os conflitos representados) e a catástrofe ou catástase (desfecho trágico). Algures ocorre a peripeteia ou peripécia (a súbita mudança de acontecimentos que altera completamente o rumo dos acontecimentos) e o ágon [o conflito que decorre da hybris desencadeada pelo(s) protagonista(s)].
Outros elementos sempre presentes são a némesis (vingança dos deuses, ou do destino, perante o desafio arrogante do homem), o destino (moira), a anankê ou fatum (necessidade como fatalidade; o destino, a força inexorável que determina o rumo da ação e à qual têm de se submeter os seres humanos, os heróis e os próprios deuses), a phóbos (sentimento de terror, de medo) e a éleos (sentimento de piedade).
Há ainda a considerar os traços seguintes:
▪ o homem subordina-se a um destino inelutável, sendo um mero instrumento dele e joguete dos deuses;
▪ o protagonista é um homem justo que, sem culpa, cai da felicidade na desgraça;
▪ o protagonista atua movido por forças superiores (o destino, os deuses);
▪ ao longo dos atos, a ação desenvolve-se num crescendo de intensidade que torna a catástrofe inevitável;
▪ os protagonistas são geralmente três, acompanhados respetivamente de outros três secundários;
▪ a personagem coletiva – o coro –, inverosímil de um ponto de vista realista, apresenta como função o ato de comentar ou anunciar o desenrolar dos acontecimentos sem interferir neles (estabelece uma relação entre o autor e o público);
▪ a lei das três unidades: unidade de espaço (a ação decorre no mesmo cenário e os acontecimentos passam-se todos no mesmo lugar), de tempo (a ação ocorre num período de 24 horas, mostrando que a ação do destino é imperativa e fulminante) e de ação (a peça desenrola-se em torno de um só problema central, não se desviando para problemas secundários);
▪ a linguagem da tragédia é o verso.

Ésquilo é o primeiro poeta trágico clássico, a que se lhe seguiram Sófocles e Eurípides, que acrescentaram outros atores ao corifeu, podendo cada um desempenhar vários papéis com recurso a máscaras. Entre os romanos, foram importantes dramaturgos Lívio Andrónico e Séneca; na época clássica, merecem referência Shakespeare, Calderón de la Barca, Corneille, Racine ou o português António Ferreira, com A Castro; na época moderna, os grandes representantes da tragédia são Ibsen, Strindberg e Tchekhov.
Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, apesar de ser um drama romântico, pode aproximar-se da tragédia clássica na medida em que é possível encontrar quase todos os elementos da tragédia, embora nem sempre obedeça à sua estruturação objetiva.
Tal como foi teorizada e cultivada pela Antiguidade greco-latina e pela literatura clássica, a tragédia, com o seu conjunto de convenções rígidas de género, com a intervenção de personagens heroicas em conflito com deuses vingadores, subordinadas a um fatum inelutável, é um género extinto desde o Romantismo (cf. STEINER, George – La Mort de La Tragédie, Paris, 1965). Quando se fala de "tragédia" na época contemporânea, é necessário lembrar a distinção estabelecida por G. Genette (cf. Introduction à l'Architexte, Paris, 1979) entre "tragédia" e "trágico", pelo que não se deve confundir o género "tragédia", definido na Poética de Aristóteles, por oposição a outro género nobre, a epopeia, e a um género menor, a comédia, com outra realidade "puramente temática e de ordem mais antropológica do que poética: o trágico, isto é, o sentimento da ironia do destino ou a crueldade dos deuses" (id. ibi., p. 25, trad.). O recurso ao "trágico" na época contemporânea pode traduzir-se na introdução do arcaboiço temático ou estrutural da tragédia sob outros discursos, como o romanesco, como sucede, por exemplo, em Os Maias, de Eça de Queirós.


Fonte: Infopedia


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