Português: 19/11/25

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A era vitoriana

    A arte varia de época para época, de acordo com as circunstâncias e as transformações histórico-sociais que vão ocorrendo, daí que possamos considerar que ela constitua a expressão da sensibilidade dos indivíduos perante a realidade com que se confrontam.
O Fantasma de Canterville
    A vida e a produção artística de Oscar Wilde coincidem com o final da Era Vitoriana, uma designação que se refere ao período do reinado da rainha Vitória, que reinou, no Reino Unido, entre 1837 e 190.
    Apesar de a Era Vitoriana coincidir com o Esteticismo e o Decadentismo pós-românticos, movimentos característicos do final do século XIX, na verdade, a obra de Wilde contém ainda traços temáticos e estilísticos típicos do Romantismo, como, por exemplo, a exaltação do indivíduo e da liberdade individual, o culto da beleza como ideal superior e a visão trágica do artista incompreendido.
    No entanto, outros traços distanciam-na dessa corrente literária. Com efeito, substitui a emoção e a sensibilidade românticas (no caso da literatura portuguesa, basta pensar na figura de D. Madalena de Vilhena, personagem de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett) pela ironia, bem como o idealismo romântico pela experiência estética. Por outro lado, o seu texto é marcado pela atmosfera cosmopolita moderna e pela crítica à sociedade vitoriana. Quer isto dizer que a obra de Oscar Wilde se situa numa fase de transição entre a fase final do Romantismo e as vanguardas modernas.
    Convém ter presente também que o reinado da rainha Vitória foi marcado por um assinalável progresso económico, social e tecnológico, essencialmente impulsionado pela Revolução Industrial e pela expansão imperial britânica. Deste modo, Londres, a capital, tornou-se o centro de um império mundial e o símbolo de poder e supremacia. Em simultâneo, a sociedade britânica era caracterizada por um grande conservadorismo a todos os níveis (social, moral e religioso) que assentava numa rígida e hierarquizada estrutura de classes e num código de conduta baseado em valores como o decoro e a disciplina.
    Socialmente, a classe dominante era a burguesia, que impôs os seus ideais de respeitabilidade como a moral vitoriana que regulava a vida. Significa isto que as pessoas – nomeadamente as das classes altas – tinham de reprimir os seus impulsos e conservassem uma aparência de virtude. No fundo, vivia-se uma época de fachada, na qual predominava a hipocrisia e a repressão do que não fosse convencional. Em simultâneo, os problemas sociais emergiram, alimentados por uma pobreza extrema que impulsionava as desigualdades socioeconómicas, sobretudo nas maiores cidades. Ora, estas circunstâncias não passam despercebidas a Oscar Wilde, que as expôs nas suas obras com apreciável ironia e perspicácia.
    A época vitoriana é uma época de crescimento, industrialização e progresso, mas também caracterizada pela desvalorização da arte, da cultura e de determinadas tradições familiares, que tinham constituído um importante universo de referência durante vários séculos que, pouco a pouco, foram senso substituídas por uma visão utilitária e mercantilista da vida que enfatiza a obsessão pela novidade e pela produção de bens em massa.
    Concretamente, O Fantasma de Canterville põe em cena a oposição, de forma deliberada e ostensiva, entre as mundividências norte-americana e britânica. Assim, a obra evidencia a tendência norte-americana de generalizar a Era Vitoriana a praticamente todo o período compreendido entre 1700 e 1900 que se refere à tradição aristocrática tipicamente britânica, ultrapassada, entretanto, pela modernidade e pelo progresso, aos olhos dos americanos e respetivo modo de vida. Além disso, é visível a cada vez maior distinção entre o inglês usado na Grã-Bretanha e o inglês norte-americano, no vocabulário, no tom e na pronúncia. Deste modo, assiste-se a um registo “mais liberal” e à introdução de novas palavras, que reforçam as mudanças entre a velha sociedade e o “Novo Mundo”.

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