O poema
abre com uma nota temporal geradora de desconforto: chove. Estamos num dia
característico do início da primavera, mais concretamente de abril: “A chuva em
abril…” (v. 5). É nesse dia que o sujeito poético observa uma rapariga a descer
(verbo de movimento) a rua e que capta a sua atenção. Passa, de seguida, à sua
caracterização: caminha descalça (o que indicia pobreza); os seus pés são
formosos e leves (a dupla adjetivação enfatiza a sua beleza e a agilidade e
leveza do andar); “o corpo alto / parte dali, e nunca se desprende” sugere um
corpo que constitui um todo que se apresenta harmonioso e agradável ao olhar. A
repetição da expressão “são formosos” (vv. 2 e 3) intensifica a beleza dos pés.
A
caracterização prossegue na terceira e última quadra: ela é alegre (“canta”);
corre enquanto desce a rua em direção ao mar, ligeira e veloz (“corre, voa”),
como a gaivota que «passa» diante dos «olhos» do «eu» poético; é terrena, mas,
perante a visão do mar, transfigura-se em corpo alado e etéreo (“brisa”),
transformando-se, assim, no símbolo da leveza e da libertação. Neste passo do
poema, destaca-se o recurso à enumeração do verso 11 (“canta, corre, voa”), que
sugere a transfiguração da jovem num ser alado e etéreo através da aceleração
progressiva do seu movimento. Outro recurso essencial na caracterização é a
adjetivação (“pés descalços”, “formosos”, “formosos e leves”, “alto”), que
acentua a expressividade do quadro sugerido no poema.
Na
segunda quadra, o «eu» procura traduzir a beleza daquele dia primaveril, apesar
de chuvoso. O que o torna belo e permite superar o incómodo da chuva é a
observação da passagem da rapariga, que faz com que o dia surja aos seus olhos
como “um jogo inocente de luzes, / de crianças ou beijos, de fragatas”. Esta
metáfora / imagem forma um quadro que associa àquele dia visões encantatórias
de amor e afeto (“beijos”), de viagem (“fragatas”) e de sonho. Na descrição do
dia, destaca-se a sinestesia “o sabor do sol” (v. 5), através da qual se opera
a fusão dos sentidos (o gosto, a visão e o tato) e sobressaem elementos
sensoriais que a chuva sugere, como o ruído da chuva e o brilho das gotas
(“cada gota recente canta na folhagem” – v.6 – animização).A metáfora “O dia é
um jogo inocente de luzes” (v. 7) constrói uma imagem de luz pura que torna
aquele dia um momento de beleza, de inocência, de amor, de viagem e de sonho. A
nível estilístico, destacam-se também as sensações, nomeadamente a visão (“Uma
rapariga desce a rua.” – v. 1), o paladar (“A chuva em abril tem o sabor a sol”
– v. 5), a audição (“Chove” – v. 1) e o tato (“leves” – v. 3)
Nesta
segunda estrofe, as referências ao tempo são muito significativas. Por um lado,
sugerem o vigor da primavera (“A chuva em abril tem o sabor do sol” – v. 5);
por outro, remetem para um ambiente diurno e luminoso (“O dia é um jogo
inocente de luzes” – v. 7); em terceiro lugar, associam, metaforicamente, o
ambiente descrito pelo sujeito poético a características da figura feminina,
como a inocência e a alegria (vv. 7-8).
O
sujeito, assim que vê a rapariga a descer a rua, não esconde o seu encanto e
deslumbramento face à beleza e graciosidade dela. Esse encanto é tal que ele
consegue ver beleza naquele dia de chuva. Noutras circunstâncias, sem a imagem
da jovem, seria um dia incómodo.
O poema
é constituído por três quadras, num total de 12 versos brancos de métrica
irregular, predominando o verso decassílabo. Na primeira, o «eu» traduz o seu
encantamento por uma rapariga que desce a rua e, de seguida, descreve-a,
salientando a beleza dos seus pés descalços, a elegância do seu corpo alto e a
sua graciosidade. Na segunda, o sentimento de encanto intensifica-se. O sujeito
lírico capta a beleza daquele dia primaveril, apesar da chuva, motivada pela
passagem da rapariga. Na terceira, a imagem da jovem, que, com a sua leveza,
graciosidade e agilidade, parece perder a sua condição terrena e se torna
etérea, sobrepõe-se à imagem de uma gaivota que passa diante dos seus olhos.
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