quinta-feira, 5 de janeiro de 2023
O triângulo amoroso de O Delfim
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
Análise da Cena 9 do Ato II de Frei Luís de Sousa
domingo, 1 de janeiro de 2023
Análise do poema "O Gondoleiro do Amor"
sábado, 31 de dezembro de 2022
Última homenagem a Pelé
Análise do poema "Os Três Amores"
O poema é constituído por três sétimas com rima emparelhada, cruzada e interpolada, de acordo com o esquema rimático ABCADDB, com um verso na primeira estrofe, e versos decassílabos.
O tema é o amor, tratado em três
partes distintas, mas de construção paralela: I: Tasso – Eleonora; II: Romeu –
Julieta; III: D. Juan – Júlia. Os nomes são exemplificativos, porque
personificam uma situação própria e simbólica. A mudança de personagens
condiciona a mudança de ambiente. A construção formal é a mesma nas três
estrofes; muda o motivo, os símbolos e o ambiente. Isto aponta para a divisão
do «eu» romântico abstrato concretizado em personagens reais. Se atentarmos na
data de escrita do poema (setembro de 1866), podemos especular que a composição
tenha sido escrita para a sua amada, a atriz portuguesa Eugénia Câmara. Nela, o
«eu» cita três diferentes situações vivíveis com a mulher amada, aludindo a
três obras importantes da literatura mundial para descrever esses momentos com
a mulher: a ópera Torquato Tasso, a peça Romeu e Julieta e El
Burlador de Sevilla o El Convidado de Piedra.
Assim, a primeira estrofe remete
para a mencionada ópera, da autoria de Gaetano Donizetti, que decorre na cidade
italiana de Ferrara e se baseia na vida do poeta Torquato Tasso, que vive um
romance cheio de desencontros e escândalos que termina com a perda da amada. O
sujeito poético encarna o poeta italiano e retrata o amor de forma idealizada,
um amor não realizado, embora sublime e sereno. Com efeito, há uma apropriação
da história dos amores de Tasso por Eleonora, nobre de Ferrara a quem ele dedicara
os seus versos e que acaba ensandecido pela ideia fixa de perseguição
religiosa. Tasso é o cantor do sofrimento amoroso, que chora (canta) a cidade
da sua amada, cuja visão risonha lhe afugenta o sofrimento e a solidão.
A segunda estrofe remete para a peça
Romeu e Julieta, também ela situada em Itália, concretamente na cidade
de Verona, onde decorrem os amores impossíveis e contrariados entre dois jovens
de famílias rivais, uma paixão que termina de forma trágica com a morte dos
dois apaixonados. O sujeito poético deixa de lado o plano espiritual e passa ao
terreno amoroso. Para isso, pede a ajuda dos ícones da literatura amorosa,
ainda que trágica: Romeu e Julieta. Ao encarnar o herói de Shakespeare, o «eu»
alude ao amor transcendental, isto é, ao amor que, apesar das barreiras sociais
que o obstaculizem, se concretiza. O recurso à conjunção coordenativa
copulativa «e» no último verso une as duas figuras femininas referidas no
poema: Eleonora é também Julieta, isto é, são duas mulheres numa (quando
concluída a terceira estrofe, serão três numa). Dito de outra forma, a mulher
amada pelo sujeito poético é Eleonora, mas também é Julieta e ainda Júlia, ou
seja, ele deseja as várias facetas da mulher. Para ele, o amor não possui
apenas uma face, mas várias, e a mulher é, ao mesmo tempo, pura e sensual.
Por sua vez, a terceira estrofe
contém referências à obra de Tirso de Molina, cujo protagonista é D. Juan, um
jovem belo que seduz Júlia, uma rapariga espanhola de origem nobre que
assassina o pai. Estamos na presença de um amor sensual, carnal e amaldiçoado,
cujo desenlace é igualmente trágico. O amor platónico cede lugar ao desejo
ardente, à volúpia e à paixão descontrolada: “Na volúpia das noites andaluzas /
O sangue ardente em minhas veias rola…”. Como não poderia deixar de ser, o
vocabulário traduz esse amor/paixão/desejo, através de uma linguagem repleta de
erotismo: ”sangue”, “ardente”, “leito”, “seio”, “desfaço-te”. Atente-se também
na expressão «Eu morro», que alude à petit mort, isto é, ao orgasmo, se,
por acaso, ele lhe desfizer a mantilha. Em suma, esta estrofe alude claramente
à iniciação amorosa de D. Juan por Júlia, a espanhola fogosa.
Análise do poema "Boa noite"
O poema contém uma epígrafe,
que é a primeira fala de Julieta da cena V de Romeu e Julieta, em
francês, e que introduz o tema do poema. Nesse passo da obra de Shakespeare,
Romeu apressa-se para partir, pois o dia está a nascer, o que pode denunciar a
sua presença ali, nos jardins dos Capuletos, e, consequentemente, o encontro
furtivo de ambos, porém Julieta tenta convencê-lo de que o canto que ouvem
pertence ao rouxinol, ave que canta à noite, e não à cotovia, que anuncia a
chegada do dia. Isto significa que Julieta não quer que o amado parta. Esta é
uma característica tipicamente romântica. De facto, a mulher desempenha um
papel ativo no relacionamento amoroso, procurando impedir a partida do «eu», fazendo
uso das artimanhas da sedução, nomeadamente apertando-o contra os seus seios,
entre beijos, abraços e, sobretudo, descobrindo o peito. Perante este cenário,
quem deixaria essa alcova?
A composição abre com o «eu» poético
anunciado que “é tarde”, por isso ele vai-se embora. Estas atitudes
encontram-se noutros poemas de Castro Alves e torno da figura de D. Juan, já que
este seduz a mulher e depois abandona-a. No entanto, neste poema, esse esquema
é desrespeitado, visto que o abandono não se concretiza, dando lugar ao jogo
sensual, que vai da necessidade de ir ao desejo de ficar. De facto, nas duas
estrofes iniciais, o sujeito lírico, mesmo anunciando a sua partida, deseja
ficar e sente-se seduzido pela amada: “Boa-noite, Maria! É tarde…. é tarde… /
Não me apertes assim contra teu seio.”; “Boa-noite!... E tu dizes – Boa noite.
/ (…) / Mas não digas assim por entre beijos… / Mas não mo digas descobrindo o
peito, /– Mas de amor onde vagam meus desejos.”
Na terceira estrofe, o sujeito poético
chama por Julieta e refere-se a ela até à oitava estrofe, e fá-lo através de
uma linguagem sensual e erótica, que se estende por todo o poema, numa gradação
de volúpia que alimenta ainda mais a vontade de ficar: “Desmanchando o roupão,
a espada nua – / O globo de teu peito entre os arminhos”; “os teus contornos”; “afago
de meus lábios mornos”. A descrição do espaço amoroso, tal como a descrição do
corpo da mulher, é alimentada com o fogo da paixão. Nesse passo, as imagens
ligam-se à noite, o tempo dos amantes: “Boa-noite”, “a lua, “é tarde”, “cabelo
preto”, “a frouxa luz da alabastrina lâmpada”, “negro e sombrio firmamento”. Na
sétima estrofe, encontra-se outra cena sensual em que ocorrem imagens eróticas
como a personificação da luz a lamber os contornos da mulher e a menção a um
fetiche, sugerindo o ato sexual pela aproximação dos lábios do «eu» poético aos
pés da mulher amada: “A frouxa luz da alabastrina lâmpada / Lambe voluptuosa os
teus contornos… / Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos / Ao doudo afago de
meus lábios mornos.”
Note-se, por outro lado, que há a
fragmentação da mulher, aludindo a uma possível infidelidade amorosa. De facto,
a figura feminina duplica-se: primeiro é Maria, depois Julieta, Marion e, por
último, Consuelo. Estas quatro mulheres representam uma única aventura amorosa
que decorre entre a noite e o dia. O “Boa noite”, que, de início, soa como
forma de cumprimento noturno de despedida e separação (o «eu» poético deseja
ir-se embora), no final parece configurar-se como abandono e entrega no reduto
da amada, mesmo que se trate de uma entrega dúbia, pois o dormir, no contexto
do “negro e sombrio firmamento” do cabelo da mulher, assume ares de morte, de
mergulho na noite, de dissolução e desdobramento do sujeito poético num Eros
infinito, negro e sombrio, ligado ao reino de Tânatos, no desenvolvimento do
poema.
O «eu» poético, assim como Don Juan,
não se contenta com uma única mulher, quere-as todas. Ele encontra-se em busca
permanente pela mulher ideal, por isso, a mulher que já foi Maria, na primeira
estrofe, e já foi Julieta, na penúltima estrofe, é Marion, musa de Victor Hugo,
e será, na última estrofe, Consuelo, “personagem de George Sand, que viria dar
o título à poesia inspirada por Agnèse Murri em 1871.
Um elemento que desempenha papel
importante no poema é a natureza, que funciona como cenário dos acontecimentos,
mas cujo papel não se esgota aí, pois reflete a mulher e até o «eu», conferindo
grandeza à beleza feminina e ao próprio sentimento amoroso. Assim, a natureza é
personificada e associada à mulher e às suas formas. Na segundo estrofe, o
peito da mulher é apresentado como um mar de amor onde vagam os desejos do
sujeito lírico. Na terceira, o canto da calhandra é comparado ao hálito da
amada; enquanto na quarta o cabelo preto é a noite; na quinta, o peito é a lua;
na sexta, as cortinas são as asas do arcanjo dos amores; na sétima, a lâmpada
lambe voluptuosa os contornos de Julieta; na oitava, das teclas dos seios saem
harmonias e escalas de suspiros; na décima, o cabelo feminino é associado a um
negro e sombrio firmamento.
Para os dois apaixonados, a noite é
o tempo do encontro, da sua vida enquanto amantes, enquanto que, para os
restantes, é momento da «morte». O dia, por sua vez, é o momento da separação
do casal, portanto de morte amorosa, e de vida para a realidade dos homens.
Atente-se no seguinte verso: “A lua nas janelas bate em cheio”.
Metaforicamente, podemos vislumbrar aqui a ideia da penetração carnal, dado que
a janela, sendo um orifício, indicia a imagem da penetração.
Por outro lado, o poema é bastante
rico em matéria de recursos estilísticos. Destacam-se, desde logo, as anáforas,
por exemplo nos versos 16 e 17, bem como no final da quarta e no início da
quinta estrofe: “É noite ainda”; “É noite, pois…”. Segue-se a hipérbole,
nomeadamente na comparação dos versos 37 e 38 (“Como um negro e sombrio
firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo…”), onde o cabelo da mulher amada
é comparado à escuridão da noite infinita, enfatizando o poder misterioso que
este tem sobre o sujeito poético, o que acentua a hipótese da relação de Eros
com a morte (negro e sombrio). Destacam-se também a enumeração e a gradação,
que surgem sobretudo na oitava estrofe, quando das teclas do seio da amada o
«eu» bebe “harmonias / Que escalas de suspiros”, ou na nona, quando a cavatina
do delírio “Ri, suspira, soluça, anseia e chora…”. Por último, considere-se a
apóstrofe, que é usada principalmente para pôr em evidência a(s) amada(s). A
presença do hipérbato (“Se a estrela d’alva os derradeiros raios / Derrama nos
jardins de Capuleto”, etc.) conferem uma certa feição barroca ao texto, mas de
exaltação à vida, não de melancolia e pessimismo.
O poema descreve quatro mulheres,
que se poderão resumir a uma: Maria. A composição parte de Maria, passa pela
platónica Julieta de Shakespeare, atinge o seu clímax na figura de Marion
(Delorme) – a intensa e sexual musa de Alfred de Vigny e Victor Hugo – e termina
em Consuelo, o protótipo de musa (grande cantora lírica) de George Sand, não
tanto platónica ou sexual como Julieta ou Marion.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2022
quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
Análise do poema "Prometeu", de Castro Alves
Análise do poema «O "adeus" de Teresa»
Nele encontramos todos os elementos
de uma narrativa: tempo, espaço, ação e personagens (ele, ela e o outro). Tudo
começa pelo enamoramento, dominado pela paixão. Há uma partida do «ele» e uma
volta que depara com uma situação diferente que motiva a escrita do texto:
O segundo momento da relação
consiste na concretização do amor do casal através da sugestão do ato sexual. O
hipérbato do verso 2 (“E da alcova saía um cavaleiro”) envolve a figura num
ambiente de mistério, disfarçando, pelo recurso à terceira pessoa, a personagem
que o verso seguinte esclarece ser o próprio «eu», que beija uma mulher sem
véus, isto é, Teresa. Este estratagema desperta, naturalmente, a curiosidade,
mesmo que por breves instantes, relativamente àquela figura. As aliterações em
/d/ e /b/ em “inda beijando” sugerem o ruído do beijo. A despedida, neste
segundo momento, ocorre após um momento de amor tórrido, constituindo uma
separação temporária, em plena vivência da paixão que os une.
O terceiro momento reafirma o
caráter intenso do romance e a partida do sujeito poético, desta vez por um
período de tempo mais longo, sugerindo que os encontros amorosos que decorreram
nesse período foram muitos e intensos: “Passaram-se tempos… séc’los de delírio
/ Prazeres divinais… gozos do Empíreo”. Note-se a presença de várias hipérboles
nesta estrofe: “séc’los de delírio”, “prazeres divinais”, “gozos do Empíreo”,
as quais intensificam a relação amorosa e prolongam a ideia de arrebatamento da
primeira, bem como as aliterações em /p/, /t/ e /d/ (“Passaram tempos…
delírio”; “prazeres divinais… Empíreo…”), que sugerem o ritmo e a sonoridade da
estrofe e o arroubo da paixão. A despedida neste caso dá-se antes de o «eu»
viajar, prometendo voltar, assumindo, assim, uma carga de maior dramatismo, até
porque a figura feminina fica muito chorosa.
O quarto momento corresponde à
rutura amorosa: de acordo com a perspetiva do sujeito poético, Teresa está
apaixonada pelo outro homem (“Foi a última vez que eu vi Teresa!...”). O uso do
pronome pessoal maiusculado (“Ela”) enfatiza a figura feminina, destacando-a no
contexto da festa, demonstrando o espanto do sujeito poético ao deparar com uma
cena inimaginável para si – encontra-la com outro homem – e invertendo a
posição de dominador e presa na relação amorosa. O nome «lares» aponta também
para o espaço geográfico onde o «eu» lírico mora, o que evidencia que ele e
Teresa pertencem a espaços diferentes. A assonância em /a/ e /e/ (“era o
palácio em festa”) sugere a atmosfera festiva e musical que rodeia Teresa. Esta
última despedida ocorre quando o sujeito lírico regressa e a encontra numa
festa acompanhada por outro homem, com o qual canta junto à orquestra.
Por outro lado, as quatro reações de
Teresa às despedidas – “corando” (v. 6), “entre beijos” (v. 12), “em soluços”
(v. 18) e “arquejando” (v. 24) – evidenciam a trajetória da relação, marcada
por uma evolução (de “corando” para “entre beijos”), seguida de um declínio (de
“em soluços” para “arquejando”). Ou seja, a relação amorosa evolui de um amor
repentino para a sua realização sexual e desta para o distanciamento e a
rutura, uma situação característica do Romantismo.
O título do poema aponta,
desde logo, para a despedida, concretamente através do uso do vocábulo “adeus”,
colocado entre aspas e antecedido do determinante artigo definido “o”, e que é
repetido várias vezes ao longo do texto. Por outro lado, o resto do título remete
a responsabilidade da última despedida para afigura de Teresa, quando quem até
aí partia e se despedia era o «eu», o elemento do par amoroso que dominava a
relação, que definia quando os encontros tinham lugar, enquanto ela se limitava
a responder ao adeus, murmurar, chorar e soluçar. Esta ideia é confirmada pelo
recurso ao adjetivo «presa», no verso “Adeus lhe disse conservando-a presa”,
que sugere que ela está amarrada a ele, podendo também ver-se nela o resultado
da caça. Tudo isto corresponde a uma certa tradição literária, que apresenta o
homem como o elemento dominante na relação e a mulher, o dominado e submisso.
No entanto, o título parece contradizer esta ideia, pois aponta Teresa como a
responsável pela separação, bem como a traição final, pois, na época, o poder
de seduzir e de fazer o homem sofrer é sempre da mulher.
No que diz respeito à conceção da
figura feminina, Teresa não corresponde ao modelo tradicional da mulher
apaixonada, recatada e submissa que permanece fiel ao homem amado, que partiu e
está ausente, e que encontramos, por exemplo, nos poemas homéricos, encarnada
na personagem de Penélope, a esposa de Ulisses, que se lhe manteve fiel durante
os vinte anos em que esteve ausente de casa (dez da guerra de Troia e dez do
regresso ao torrão natal). Pelo contrário, Teresa afirma-se como uma mulher
independente e livre que procura satisfazer os seus desejos e prazeres.
Formalmente, o poema é constituído
por versos decassílabos, com rima emparelhada e interpolada, de acordo com o
esquema AABCCB, consoante (“Teresa” / “correnteza”) e rica (“seus” –
determinante – “adeus” – nome).