D. Miguel Forjaz pertence ao grupo das personagens do PODER, do qual fazem parte igualmente Principal Sousa e William Carr Beresford, formando um núcleo que comprova a existência de diversos interesses em jogo no que à regência do reino diz respeito: os da nobreza, os dos oficiais ingleses e os da Igreja católica. Por outro lado, os três comungam ainda do medo que possuem relativamente ao movimento liberal por este poder pôr em causa a rígida hierarquia da governação e, assim, ameaçar os privilégios de que beneficiavam.
D. Miguel é o representante, na peça, da nobreza e de uma das três formas de poder - o civil - e o símbolo da decadência do país que governa. Absolutista convicto, é prepotente e sectário, religiosa, desumano, frio e cruel, exercendo o poder de forma violenta e despótica: «Temos de a impedir com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino...» (pág. 43); «Lisboa há de cheirar toda a noite a carne assada [...]» (pág. 131). É alguém reacionário, que não aceita as ideias de liberdade, personificada pelo general Gomes Freire de Andrade. Não obstante serem primos, odeia-o, porque teme que a sua popularidade ponha em causa o seu poder e o venha a afastar do cargo governativo que desempenha e porque lhe reconhece qualidades que ele não possui. Com efeito, desprovido de caráter, age em função dos seus ódios pessoais: «Se eu fosse a falar do ódio que lhe tenho...» (pág. 72). Mais: odeia tudo o que possa pôr em causa o regime absolutista, que considera de direito divino, e que é o garante da manutenção dos seus privilégios e dos da classe a que pertence. Assim, sentindo-se ameaçado pelas novas ideias e pelo ambiente revolucionário que se vai instalando, executa um plano ardiloso para forjar a condenação do general, assumindo, sem rebuço, o seu maquiavelismo, ao afirmar que os fins justificam os meios, como se pode verificar no final do ato I. Por outro lado, fica claro que tem tudo preparado e sob controle para encontrar um «bode expiatório» e o acusar e incriminar. Neste sentido, encarrega Vicente da missão de vigiar a casa de Gomes Freire e dar notícia dos seus contactos e movimentações (p. 38), prometendo-lhe, como recompensa, a chefia de um posto de polícia.
D. Miguel defende o abafar rápido e imediato da revolução de qualquer forma e por qualquer meio, sem contemplações ou receios de recorrer à violência e à brutalidade ("Temos de a impedir com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino... Se não o fizermos, se tivermos piedade, ou escrúpulos, mais tarde ou mais cedo voltaremos ao mesmo." - p. 43) de forma a conservar o seu poder. Nesse sentido, procura incriminar quem lhe convém e não se preocupa em procurar os verdadeiros conspiradores ("A pergunta é: quem deverá, ou convirá, que tenha sido o chefe da revolta?" - p. 60), saindo da sua boca afirmações que remetem para o salazarismo: "Não há inocentes, Reverência. Em política, quem não é por nós, é contra nós." - p. 60). Neste passo da peça, a personagem traça um retrato claro do regime da época e, por extensão, do do Estado Novo e cujos traços principais são a concentração do Poder nas mãos de um só homem (ou nas dos seus representantes - neste caso, os três governadores do reino), a possibilidade de decisão da vida / do destino de outro homem, sem que este tenha direito a um julgamento justo e imparcial, imanado de um poder judicial independente e isento («... o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução seguir-se-á imediatamente à sentença.» - pág. 61).
O processo que leva à condenação do general revela um D. Miguel corrupto («compra»os denunciantes, com Vicente à cabeça), ameaçador, manipulador e estratega, recorrendo a argumentos convincentes para alcançar os seus desígnios. Deste modo, no intuito de convencer Beresford a alinhar no seu plano, dado que este receia perder o seu posto e a sua tença, descreve Gomes Freire como um soldado brilhante, um homem inteligente e um herói popular, e, ao procurar o apoio de Principal Sousa, relembra-lhe que o general é grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado. Não obstante, revela sempre ser medroso e até cobarde, por exemplo, quando não é capaz de receber Matilde de Melo, no acto II, que se lhe dirige procurando libertar o «marido». Por outro lado, defende um julgamento secreto e uma execução célere para evitar possíveis perdões ("... o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução seguir-se-á imediatamente à sentença." - p. 65), o que significa que quem for acusado, automaticamente, mesmo antes de ser julgado, já está condenado.
Por outro lado, o julgamento que idealizou é uma verdadeira farsa, só possível de existência num regime absolutista e de ditadura: (1) o julgamento será secreto, (2) a execução terá lugar imediatamente a seguir à sentença (desta forma, evitam-se os pedidos de clemência e os perdões de pena), (3) as provas judiciais apelarão à emoção em vez da razão (por exemplo, questionando o patriotismo do general), (4) recorrer-se-á a denunciantes, a «patriotas», isto é, a corruptos que tudo farão para cair nas boas graças do Poder e que se vendem a troco de dinheiro.
Nas palavras de Sousa Falcão (pp. 116-117), D. Miguel é «frio, desumano e calculista. Odeia Gomes Freire (...) é a personificação da mediocridade consciente e rancorosa.» e «... um cristão de domingo (...) todos os dias dá, a um pobre, pão que lhe baste para se conservar vivo até morrer de fome...» - o oposto do seu primo. Por outro lado, é desumano, vingativo e cruel, por exemplo, quando afirma que «Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (...) o cheiro há-de-çhes ficar na memória durante muitos anos...», ou «Temos de a impedir [à revolução] com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino...» (pp. 71-72).
Na sua qualidade de governador, personifica o pequeno tirano, hipócrita, mesquinho, insensível, inseguro e prepotente, que é avesso ao progresso e à modernidade, mantendo o povo na miséria, na ignorância e no obscurantismo, pois a situação reverte a seu favor. O seu discurso enquadra-se perfeitamente no da época do Estado Novo (séc. XX), girando em torno da retórica e lógica ocas e demagógicas, construindo verdades falsas - assinalem-se, a título exemplificativo, as ideias do «ardor patriótico», da construção de «um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor...». Por outro lado, a sua megalomania e prepotência aliam-se à cobardia e ao calculismo político, num ser desprovido de integridade e corrupto. O processo de condenação do general evidencia, ainda, a aliança da traição, do despeito e da vingança, sentimentos motivados por aquela figura: «Senhores Governadores: aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado. (...) Se eu fosse falar do ódio que lhe tenho...» (pp. 97-98).
Além disso, personifica a ambição desmedida, o egoísmo e o desejo de perpetuação da opressão, do absolutismo, das injustiças e diferenças sociais: «Não concebo a vida, Excelências, desde que o taberneiro da esquina possa discutir a opinião d'el-rei, nem me seria possível viver desde que a minha opinião valesse tanto como a de um arruaceiro. Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?» (p. 43).
D. Miguel é o representante, na peça, da nobreza e de uma das três formas de poder - o civil - e o símbolo da decadência do país que governa. Absolutista convicto, é prepotente e sectário, religiosa, desumano, frio e cruel, exercendo o poder de forma violenta e despótica: «Temos de a impedir com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino...» (pág. 43); «Lisboa há de cheirar toda a noite a carne assada [...]» (pág. 131). É alguém reacionário, que não aceita as ideias de liberdade, personificada pelo general Gomes Freire de Andrade. Não obstante serem primos, odeia-o, porque teme que a sua popularidade ponha em causa o seu poder e o venha a afastar do cargo governativo que desempenha e porque lhe reconhece qualidades que ele não possui. Com efeito, desprovido de caráter, age em função dos seus ódios pessoais: «Se eu fosse a falar do ódio que lhe tenho...» (pág. 72). Mais: odeia tudo o que possa pôr em causa o regime absolutista, que considera de direito divino, e que é o garante da manutenção dos seus privilégios e dos da classe a que pertence. Assim, sentindo-se ameaçado pelas novas ideias e pelo ambiente revolucionário que se vai instalando, executa um plano ardiloso para forjar a condenação do general, assumindo, sem rebuço, o seu maquiavelismo, ao afirmar que os fins justificam os meios, como se pode verificar no final do ato I. Por outro lado, fica claro que tem tudo preparado e sob controle para encontrar um «bode expiatório» e o acusar e incriminar. Neste sentido, encarrega Vicente da missão de vigiar a casa de Gomes Freire e dar notícia dos seus contactos e movimentações (p. 38), prometendo-lhe, como recompensa, a chefia de um posto de polícia.
D. Miguel defende o abafar rápido e imediato da revolução de qualquer forma e por qualquer meio, sem contemplações ou receios de recorrer à violência e à brutalidade ("Temos de a impedir com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino... Se não o fizermos, se tivermos piedade, ou escrúpulos, mais tarde ou mais cedo voltaremos ao mesmo." - p. 43) de forma a conservar o seu poder. Nesse sentido, procura incriminar quem lhe convém e não se preocupa em procurar os verdadeiros conspiradores ("A pergunta é: quem deverá, ou convirá, que tenha sido o chefe da revolta?" - p. 60), saindo da sua boca afirmações que remetem para o salazarismo: "Não há inocentes, Reverência. Em política, quem não é por nós, é contra nós." - p. 60). Neste passo da peça, a personagem traça um retrato claro do regime da época e, por extensão, do do Estado Novo e cujos traços principais são a concentração do Poder nas mãos de um só homem (ou nas dos seus representantes - neste caso, os três governadores do reino), a possibilidade de decisão da vida / do destino de outro homem, sem que este tenha direito a um julgamento justo e imparcial, imanado de um poder judicial independente e isento («... o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução seguir-se-á imediatamente à sentença.» - pág. 61).
O processo que leva à condenação do general revela um D. Miguel corrupto («compra»os denunciantes, com Vicente à cabeça), ameaçador, manipulador e estratega, recorrendo a argumentos convincentes para alcançar os seus desígnios. Deste modo, no intuito de convencer Beresford a alinhar no seu plano, dado que este receia perder o seu posto e a sua tença, descreve Gomes Freire como um soldado brilhante, um homem inteligente e um herói popular, e, ao procurar o apoio de Principal Sousa, relembra-lhe que o general é grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado. Não obstante, revela sempre ser medroso e até cobarde, por exemplo, quando não é capaz de receber Matilde de Melo, no acto II, que se lhe dirige procurando libertar o «marido». Por outro lado, defende um julgamento secreto e uma execução célere para evitar possíveis perdões ("... o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução seguir-se-á imediatamente à sentença." - p. 65), o que significa que quem for acusado, automaticamente, mesmo antes de ser julgado, já está condenado.
Por outro lado, o julgamento que idealizou é uma verdadeira farsa, só possível de existência num regime absolutista e de ditadura: (1) o julgamento será secreto, (2) a execução terá lugar imediatamente a seguir à sentença (desta forma, evitam-se os pedidos de clemência e os perdões de pena), (3) as provas judiciais apelarão à emoção em vez da razão (por exemplo, questionando o patriotismo do general), (4) recorrer-se-á a denunciantes, a «patriotas», isto é, a corruptos que tudo farão para cair nas boas graças do Poder e que se vendem a troco de dinheiro.
Nas palavras de Sousa Falcão (pp. 116-117), D. Miguel é «frio, desumano e calculista. Odeia Gomes Freire (...) é a personificação da mediocridade consciente e rancorosa.» e «... um cristão de domingo (...) todos os dias dá, a um pobre, pão que lhe baste para se conservar vivo até morrer de fome...» - o oposto do seu primo. Por outro lado, é desumano, vingativo e cruel, por exemplo, quando afirma que «Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (...) o cheiro há-de-çhes ficar na memória durante muitos anos...», ou «Temos de a impedir [à revolução] com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino...» (pp. 71-72).
Na sua qualidade de governador, personifica o pequeno tirano, hipócrita, mesquinho, insensível, inseguro e prepotente, que é avesso ao progresso e à modernidade, mantendo o povo na miséria, na ignorância e no obscurantismo, pois a situação reverte a seu favor. O seu discurso enquadra-se perfeitamente no da época do Estado Novo (séc. XX), girando em torno da retórica e lógica ocas e demagógicas, construindo verdades falsas - assinalem-se, a título exemplificativo, as ideias do «ardor patriótico», da construção de «um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor...». Por outro lado, a sua megalomania e prepotência aliam-se à cobardia e ao calculismo político, num ser desprovido de integridade e corrupto. O processo de condenação do general evidencia, ainda, a aliança da traição, do despeito e da vingança, sentimentos motivados por aquela figura: «Senhores Governadores: aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado. (...) Se eu fosse falar do ódio que lhe tenho...» (pp. 97-98).
Além disso, personifica a ambição desmedida, o egoísmo e o desejo de perpetuação da opressão, do absolutismo, das injustiças e diferenças sociais: «Não concebo a vida, Excelências, desde que o taberneiro da esquina possa discutir a opinião d'el-rei, nem me seria possível viver desde que a minha opinião valesse tanto como a de um arruaceiro. Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?» (p. 43).