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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Biografia de Camões: as origens dos Camões

Camões


1. As origens dos Camões


1.1. Contexto histórico e geográfico
 
Vale Miñor: localizado a oeste da Galiza, próximo da ria de Vigo, nele são visíveis vestígios históricos como castros, pontes, castelos e mosteiros.

Camos (Nigrán): neste lugar, existia, há cerca de oito séculos (séc. XIII), o solar dos Camões, residência da família ancestral de Luís de Camões.


1.2. Origem do nome Camões

O apelido Camões deriva do topónimo galego Camos, que evoluiu para forma portuguesa atual. «Camões», precedido de «de» (Luís de Camões), sugere a proveniência geográfico da pessoa, ou seja, fulano é o Luís, natural de Camos / Camões.

Esse topónimo, por sua vez, teve origem no nome de uma ave chamada camão (ou caimão), uma ave aquática de plumagem azul e bico vermelho, que ainda existe no estuário do rio Miñor.


1.3. A lenda do camão

Segundo Severim de Faria, o primeiro biógrafo de Camões, existia a seguinte antiga lenda galega:

Um nobre galego era dono de um pássaro camão que morreria se a sua esposa cometesse adultério.

Um pretendente dessa dama, tendo sido rejeitado por ela e cheio de despeito, resolveu caluniá-la, insinuando que teria cometido adultério, por isso o marido quis matá-la.

A esposa pediu ao cônjuge que consultasse a ave. Ao verificar que esta continuava viva, ele compreendeu que estava enganado, reconheceu o seu erro e uniu o seu nome de família ao da ave.

Luís de Camões mencionou esta lenda numa carta em verso que escreveu a uma dama, mostrando, assim, que conhecia as suas origens galegas.


1.4. Genealogia e identidade de Camões

O trisavô de Luís de Camões nasceu no solar de Camos e foi o primeiro da família a vir para Portugal.

Camões cresceu com a ideia de pertencer à nobreza, mesmo que empobrecida, ideia essa consubstanciada no seguinte:

O solar dos Camões, uma casa senhorial ou castelo feudal, que, por alturas dos séculos XII ou XIII, existia em Camos (Nigrán, Galiza), o local onde nasceu o trisavô do poeta (ter esse passado associado a um castelo fortalecia de linhagem aristocrática).

A lenda do camão, a qual dava prestígio simbólico à família, visto que a associava à virtude e à honra.

Antepassados ligados à guerra e à navegação, atividades valorizadas pela nobreza medieval, já que os feitos de armas e a expansão ultramarina eram sinal de honra.

 
1.5. Papel histórico de Vasco Pires de Camões

Em 1369, dá-se a Batalha de Montiel: D. Pedro I de Castela, o Cruel, filho da Formosíssima Maria retratada n’Os Lusíadas, é morto pelo irmão bastardo Henrique de Trastâmara, que assume o trono.

D. Fernando, o monarca português, reivindica a coroa de Castela por direito dinástico, invade a Galiza, mas recua.

Muitos nobres portugueses partidários de Pedro I refugiam-se em Portugal, nomeadamente o Conde Andeiro, Aires Pires de Camões (capitão de galés) e o seu primo Vasco Pires de Camões, provável fundador do ramo português da família.

Os motivos da vinda de Vasco Pires de Camões para Portugal são os seguintes: apoio político a Pedro I, como já foi referido, e desavença pessoal (teria assassinado um fidalgo).

D. Fernando recompensa-o com várias propriedades: Gestaçõ, Montemor-o-Novo, Sardoal, Constância, Marvão, Vila Nova de Anços, Estremoz, Avis, Évora e Santarém.

Após a morte de D. Fernando, em 22 de outubro de 1383, D. Leonor Teles, a regente do reino, mantém Vasco Pires de Camões próximo de si, conde-lhe funções e um casamento vantajoso com Maria Tenreiro.

Na batalha de Aljubarrota (1385), Vasco Pires de Camões luta ao lado das forças de Castela, é feito prisioneiro e posteriormente libertado, mas a sua atitude fá-lo perder prestígio.

Em 1391, ainda morava em Portugal, mas após esse ano desaparece dos registos das cortes.

Antes de se mudar para Portugal, era um trovador galego, tendo participado, por exemplo, em contendas poéticas no Cancioneiro de Baena. Este dado liga o talento literário de Camões a uma possível herança familiar.


1.6. Descendência de Vasco Pires de Camões
 
Vasco Pires de Camões casou com Maria Tenreiro e desse casamento resultaram três filhos:  Gonçalo Vaz de Camões, o primogénito, João Vaz de Camões e Constança Pires de Camões.

Lei do Morgadio: o filho mais velho herdava os bens e títulos, garantindo a continuidade da linhagem; os filhos segundos entregavam-se à vida eclesiástica ou à carreira militar.

Gonçalo Vaz de Camões:

enquanto primogénito e de acordo com a Lei do Morgadio, herdou os bens da família;

através de alianças vantajosas e do casamento com Constança da Fonseca, ligada a uma família importante, a dos Coutinho, prosperou;

no século XVI, António Vaz de Camões, um seu descendente, era morgado de Camoeira, rico e influente.

Constança Pires de Camões:

casou com Pierre Séverin, um fidalgo francês que participou na conquista de Ceuta, em 1415;

deu origem à família Severim de Faria, da qual brotou Manuel Severim de Faria, biógrafo de Camões.

João Vaz de Camões:

segundo filho de Simão, foi o bisavô do poeta;

entregou-se à carreira militar e judicial: serviu D. Afonso V em expedições contra Castela e no Norte de África e mais tarde tornou-se corregedor da comarca da Beira (cargo judicial);

casou com Inês Gomes da Silva, filha bastarda da família Silva;

desse casamento nasceram três filhos: João Vaz, Antão Vaz e Pero Vaz;

construiu um túmulo sumptuoso na Sé Velha de Coimbra.

Antão Vaz de Camões:

é o avô do poeta;

casou com D. Guiomar da Gama, que tinha ascendentes comuns a Vasco da Gama;

terá servido na Índia com Afonso de Albuquerque, em 1507, fazendo parte da esquadra do Mar Vermelho;

levou uma vida atribulada:

. fugiu para Vilar de Nantes, em Chaves, em 1504, por ter cometido um homicídio;

. viveu das rendas da abadia local;

. morreu cerca de 1528;

. filhos prováveis:

- Isidro Vaz (capelão do rei);

- Simão Vaz de Camões (pai do poeta);

- Bento de Camões (tio do poeta);

- outros, incluindo um Luís, possível inspiração para o nome do poeta).

Bento de Camões:

. tio do poeta;

. teve uma carreira eclesiástica brilhante:

-foi cônego regrante de Santo Agostinho no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra;

- em 1539, foi eleito prior do Mosteiro de Santa Cruz e prior geral da congregação;

- em 1540, foi nomeado chanceler da Universidade de Coimbra, um cargo semelhante a reitor;

. manteve alguns conflitos com D. João III.

Simão Vaz de Camões:

. pai de Camões;

. nascimento: provavelmente em Coimbra ou Vilar de Nantes, em data incerta;

. estudou em Braga;

. trabalhou como tesoureiro na Casa da Índia e na Casa dos reis D. Manuel I e D. João III;

. foi agraciado com o título de cavaleiro (não hereditário) em 21 de junho de 1538, por D. João III, devido à participação numa perseguição em Safim (Marrocos) aos mouros;

. foi para a Índia como capitão de uma nau; segundo Pedro de Mariz, naufragou à vista de Goa e morreu no Oriente, em data incerta;

. casou, antes de 1524, com Ana de Sá:

- os primeiros biógrafos falam numa Ana Macedo, uma mulher nobre de Santarém, enquanto outros genealogistas confirmam essa ligação aos Macedo, uma linhagem nobre portuguesa com ramificações na cidade referida e possíveis ligações a figuras notáveis como a família de Damião de Góis (note-se que, na época, os apelidos variavam muito, daí a oscilação ente «de Sá» e «de Macedo»);

- alguns autores pensaram que havia duas mulheres (uma mãe, que teria morrido cedo, e outra madrasta), por causa da Canção X, mas trata-se de uma interpretação errada;

- nalguns documentos, Camões chegou a assinar Luís Sá de Camões, mostrando a ligação aos dois apelidos;

- a oscilação de apelidos era normal da época, não sendo fixos nem oficiais:

. não havia um nome de família obrigatório e as pessoas não tinham um apelido legal e permanente;

. os apelidos podiam vir do pai ou da mãe (por exemplo, uma filha podia usar o apelido da mãe ou de uma avó, e os irmãos nem sempre partilhavam o mesmo apelido);

. os apelidos mudavam ao longo da vida (com o casamento, serviço militar ou cargos, a pessoa podia adotar outro apelido, para reforçar status).


1.7. Árvore genealógica de Camões

domingo, 31 de agosto de 2025

Resumo de Contagem até Zero, de Agatha Christie

    
Um grupo de advogados reúne-se à volta da lareira para discutir um julgamento recente, o caso Lamorne. Entre eles destaca-se Mr. Treves, um célebre e idoso advogado, conhecido pela sua experiência, discrição e conhecimento na área da criminologia. Embora já retirado da prática por causa da sua idade avançada, todos aguardam com respeito a sua opinião. Enquanto os colegas se concentram apenas nos aspetos técnicos e no valor dos testemunhos, Mr. Treves surpreende-os ao refletir sobre as pessoas envolvidas no processo, lembrando que por trás das leis e provas existem seres humanos apanhados pelo acaso em circunstâncias que os levam inevitavelmente ao tribunal. Refere-se ao encadeamento de pequenos acontecimentos que convergem para um mesmo ponto: a chamada “hora zero”, momento inevitável em que o crime acontece.
    Após a reunião, Treves regressa a casa. Já sozinho, reflete: se fosse escritor de romances policiais, começaria não pelo crime em si, mas pelos antecedentes e pelas coincidências que conduzem as pessoas ao local e hora exatos do acontecimento. Porém, ao abrir a correspondência, encontra uma carta que altera os seus planos e reage com contrariedade, regressando bruscamente da reflexão à realidade.
    O prólogo estabelece a atmosfera de suspense, introduzindo a figura sábia mas frágil de Mr. Treves, e lançando a ideia central de que os crimes não nascem apenas de um momento, mas de uma cadeia de circunstâncias que convergem para o inevitável.

    Angus MacWhirter está internado num hospital após uma tentativa falhada de suicídio. Amargurado e revoltado, lamenta não ter conseguido pôr fim à vida, que considera inútil. Sem saúde, sem emprego, sem dinheiro, sem família ou amigos, acredita que o suicídio teria sido o ato mais lógico e sensato.
    Na enfermaria, uma jovem enfermeira ruiva cuida dele com calma e paciência. Angus descarrega a sua frustração, criticando a constante interferência dos outros e defendendo o direito de decidir sobre a própria vida. A enfermeira, com serenidade, contrapõe que o suicídio “não está certo”, por ser pecado e porque uma vida nunca é apenas de quem a vive: pode ter impacto noutras pessoas.
    Durante a conversa, Angus revela como perdeu o emprego por recusar mentir num acidente para favorecer o patrão, foi abandonado pela mulher e caiu na miséria. Apesar disso, a enfermeira insiste que ele ainda poderá ter utilidade, mesmo que apenas por estar num certo lugar num momento decisivo.
    No fim, Angus percebe que talvez não volte a tentar o suicídio. Embora mantenha dúvidas, a convicção simples da enfermeira – e a sugestão de que a sua vida ainda pode ter um propósito imprevisto – começa a abalar a sua desesperança.

    Numa sala silenciosa, alguém escreve, fria e detalhadamente um minucioso plano de assassinato. O processo é descrito como uma criação quase divina, calculando todos os detalhes e possibilidades e deixando até margem para o imprevisível. O autor conclui o plano e escreve uma data em setembro. Em seguida, destrói cuidadosamente os papéis na lareira, conservando-o guardado apenas na sua mente.

    O superintendente Battle recebe a notícia de que a filha mais nova, Sylvia, de dezasseis anos, fora acusada de cometer furtos na escola. A diretora, Miss Amphrey, explica-lhe que descobriu a culpada através da psicologia, obtendo da rapariga uma confissão. No entanto, Battle mantém-se impassível e quer falar com a filha. A sós, Sylvia confessa que não roubara nada: apenas se deixou pressionar pelo olhar e pelas insinuações da diretora, acabando por admitir uma culpa que não tinha, sentindo até alívio com a falsa confissão. O pai compreende que a filha não é ladra, mas antes demasiado vulnerável à sugestão, por isso confronta então Miss Amphrey, deixando claro que exigiria investigação policial formal para apurar a verdade. De seguida, regressa a casa com a Sylvia, convencido de que outra aluna (provavelmente Olive Parson) era a verdadeira culpada dos crimes. No carro, consola-a, explicando-lhe que as provações da vida servem para pôr as pessoas à prova, e acrescenta que não deve sentir culpa ou remorso por algo que não fez.

    Nevile Strange, um atleta famoso, rico e aparentemente feliz, vive com a jovem e bela esposa Kay, com quem partilha uma relação leve e carinhosa, embora com tensões escondidas. Durante o pequeno-almoço, Kay lamenta terem de passar o verão em Gull’s Point, a casa de Lady Tressilian, que desaprova o novo casamento. A conversa revela ressentimentos: Kay sente-se rejeitada pela família do marido, e Nevile mostra-se ainda perturbado pelo divórcio da primeira mulher, Audrey. A atual vê nela uma figura fria e assustadora, enquanto o tenista admite ter-lhe causado sofrimento a separação e carrega um sentimento de culpa. Nevile propõe que Audrey e Kay se encontrem em Gull’s Point, defendendo que todos poderiam conviver civilizadamente. A esposa reage com estranheza e insegurança, suspeitando que a ideia partiu, na verdade, da primeira mulher. O diálogo deixa claro que, apesar da vida aparentemente perfeita, o casal vive sob a sombra da presença de Audrey, cujo passado com Nevile continua a pesar sobre a nova união.

    Lady Tressilian condena a ideia de Nevile Strange de reunir a atual esposa, Kay, e a ex-mulher, Audrey, em Gull’s Point. Conversando com a prima Mary Aldin, critica Kay, considerando-a vulgar, ambiciosa e culpada pela rutura do casamento anterior do tenista. Para a idosa, Audrey é a verdadeira vítima da situação, uma mulher sensível que sofreu muito com o divórcio. Mary, mais ponderada, tenta relativizar a situação, mas também desconfia da carta de Nevile, suspeitando que a iniciativa não partiu dele, mas talvez da própria Audrey, o que intriga Lady Tressilian. Apesar da sua recusa inicial, a velha senhora, desconfiada e relutante, acaba por concordar em convidar a ex-esposa para um almoço, reconhecendo que a jovem pode estar disposta a aceitar o encontro.

    Audrey Strange, a primeira mulher de Nevile, visita Lady Tressilian. O narrador apresenta-a como uma figura delicada, pálida, enigmática e serena e de presença quase etérea, como um fantasma que, paradoxalmente, parece mais real do que os vivos. A sua voz é suave e encantadora, reforçando a impressão de serenidade e mistério. Lady Tressilian confronta-a com a carta de Nevile, onde este propõe reunir as duas esposas da sua vida em Gull’s Point. Para a idosa, trata-se de uma ideia absurda e dolorosa, mas Audrey, calma e firme, insiste que aceitar o encontro poderá “simplificar as coisas”. Apesar das objeções da anciã, confirma que deseja ir e que está disposta a enfrentar Kay. Após a sua saída, Lady Tressilian mostra-se exausta e confessa à criada Barrett que já não compreende o mundo moderno. A criada, por sua vez, partilha a impressão de que Audrey é uma presença inesquecível e que Nevile poderá ainda pensar nela, apesar da beleza de Kay. Lady Tressilian, com uma gargalhada amarga, conclui que o tenista se arrependerá por querer juntar as duas mulheres.

    Thomas Royde, homem reservado e pouco dado a palavras, prepara a viagem de regresso a Inglaterra após quase oito anos a trabalhar nas plantações da Malásia. O amigo e sócio Allen Drake nota o seu ar fleumático e estranha a decisão, lembrando que Royde já adiara uma visita anterior ao lar, nomeadamente aquando do falecimento do irmão. Fica claro que Thomas esconde algo: cora quando se fala numa mulher, revelando sentimentos por Audrey, prima criada como irmã e ex-esposa de Nevile Strange. A conversa também mostra que não tem grande proximidade com o irmão falecido, Adrian, e que mantém um passado familiar marcado por silêncios e reticências. Royde, porém, limita-se a comentar que pretende rever a família e talvez ficar em Saltcreek, lugar pacato onde “nunca acontece nada”.

    Mr. Treves lamenta o encerramento do Marine Hotel, em Leahead, onde se hospedava há vinte e cinco anos e onde se sentia sempre confortável e bem servido. Rufus Lord consola-o e sugere-lhe o Balmoral Court, em Saltcreek, um hotel tradicional dirigido pelo casal Rogers, antigo mordomo e cozinheira de Lord Mounthead, famosos pela excelência do serviço e da comida. O lugar é descrito como tranquilo e adequado ao estilo de vida de Treves, com varanda, terraço e todas as comodidades modernas, incluindo elevador. Além disso, Rufus menciona Lady Tressilian, vizinha próxima e senhora de grande distinção, o que agrada ao velho senhor. Ele considera então a sugestão excelente e decide escrever para pedir informações, planeando instalar-se ali em agosto ou setembro.

    Durante um torneio de ténis em St. Loo, Kay Strange observa o marido, Nevile, disputar a meia-final contra o jovem Merrick. Apesar de jogar bem, o primeiro perde a partida, mantendo sempre a postura de “bom desportista”, o que Ted Latimer, amigo de Kay e antigo pretendente, critica enquanto sinal de falta de espírito competitivo. Entre os dois há cumplicidade, recordando a antiga intimidade que tiveram, e uma conversa carregada de ironia e insinuações, revelando que Ted ainda guarda ressentimento por ela ter escolhido casar-se com Nevile. Além disso, a conversa entre ambos deixa transparecer tensões: o homem ironiza sobre a vida da antiga paixão, os seus planos futuros em Gull’s Point e a presença de outros convidados, enquanto Kay, por momentos, confessa sentir medo e estranheza. Mais tarde, Nevile e a esposa conversam sobre Ted, durante a qual o marido demonstra sentimentos de indiferença, confiança e uma crença no «Destino» que os uniu. Kay, porém, surpreende-o ao confessar que foi ela quem manipulou os acontecimentos para o conquistar, revelando o seu lado calculista e estratega, o que deixa o esposo intrigado e com um leve ressentimento.

    Lorde Cornelly, um aristocrata rico e excêntrico, recebe Angus MacWhirter para uma entrevista. Impressionado pela sua honestidade, demonstrada quando, no passado, se recusou a mentir para proteger o antigo patrão num processo relacionado com um acidente de viação, Cornelly oferece-lhe um emprego importante, bem pago e que exige total confiança. MacWhirter aceita, embora sem entusiasmo. Apesar da sorte inesperada, mantém-se apático: sete meses antes tentara suicidar-se e sobrevivera apenas por acaso. Agora encara a vida de forma mecânica, sem gratidão nem alegria, mas com disciplina. O novo trabalho levá-lo-á para a América do Sul em setembro, mas, antes disso, terá uma semana livre. Nela, considera a possibilidade de ir a Saltcreek, ideia que lhe parece sombria e estranhamente divertida.

    O superintendente Battle recebe ordens inesperadas que arruínam as suas férias, deixando a esposa, Mrs. Battle, desapontada, embora resignada pela longa experiência como mulher de um polícia. Ele explica que o caso parece pouco interessante, mas envolve o Foreign Office, que está em grande agitação. Insiste para que a esposa e as filhas mantenham as férias em Britlington, enquanto ele, após resolver a situação, ficará uns dias com o sobrinho, o inspetor James Leach, em Saltington, perto de Masterhead Bay e Saltcreek. Mrs. Battle receia que James o arraste para uma investigação, mas o esposo desvaloriza e encara tudo com calma, como uma prova de paciênciaThomas Royde regressa da Malásia e é recebido por Mary Aldin, que o leva até Gull’s Point, onde a situação familiar está tensa: Nevile Strange reuniu a atual esposa, Kay, e a ex-mulher, Audrey, sob o mesmo teto. Mary explica a Thomas que esse convívio foi ideia de Nevile, embora cause desconforto a todos, e revela a sua preocupação com a estranha serenidade de Audrey, que lhe parece esconder emoções profundas.

    Ao chegar à casa, Thomas observa as duas mulheres: Audrey é calma e etérea, mas enigmática, enquanto Kay se apresenta bela e nervosa, mostrando clara antipatia pela primeira. Uma cena banal — a disputa por uma revista — transforma-se num momento de tensão entre as duas, culminando numa explosão de fúria de Kay, que chega a dizer odiar todos na casa e ameaçar violentamente a «rival» ou Nevile. Pouco depois, Audrey recebe Thomas com inesperada alegria e ternura, o que não passa despercebido a Mary Aldin, que observa discretamente a cena.

    Nevile procura Kay e encontra-a em lágrimas e furiosa por ele ter dado a revista a Audrey em vez de a ela. A discussão sobe de tom: a esposa acusa-o de preferir a ex-mulher e de estar contra ela, enquanto o marido, com calma fria, reprova o seu comportamento infantil e ciumento. Kay, desesperada, pede-lhe que abandonem a casa imediatamente, mas Nevile recusa, insistindo em cumprir a quinzena prometida. No auge da discussão, ela alerta-o que a ex-mulher não o perdoou realmente e que esconde intenções profundas sob a serenidade que exibe. Ele, porém, vê em Audrey apenas generosidade e decência. O diálogo termina de forma glacial, com a mulher a acusar o marido de ser um homem frio, sem sentimentos, e este, cansado e frustrado, a abandonar o quarto.

    Lady Tressilian conversa com Thomas Royde, notando que ele mantém a mesma reserva e silêncio da juventude, em contraste com o irmão falecido, Adrian. A idosa aborda então a delicada situação da casa, o “eterno triângulo” entre Nevile, Kay e Audrey, e admite divertir-se com o embaraço criado pela teimosia do primeiro em reunir as duas mulheres. De seguida, questiona de quem teria partido a ideia, concluindo que não seria de Audrey e duvidando que Kay tivesse essa astúcia. Lady Tressilian considera a atual esposa uma jovem desmiolada, de mau génio e sem maneiras, o que só prejudica o casamento. Já a antiga consorte, ponderada, parece ser quem mais sofre. Na conversa, fica evidente o amor discreto e de longa data de Thomas por Audrey. A velha senhora recorda a sua alcunha de juventude, “Fiel Thomas”, e sugere que a constância e devoção dele possam finalmente ser reconhecidas por Audrey, agora que passou por tantas desilusões. Thomas, envergonhado mas sincero, admite que foi com essa esperança que regressou.

    Na cozinha, Hurstall, o mordomo, confessa à cozinheira Mrs. Spicer o seu mal-estar e inquietação: sente que há algo estranho na casa, como se todos estivessem presos numa armadilha, tensos e desconfortáveis. A cozinheira, prática, atribui isso a má digestão, mas ele insiste que o ambiente anda carregado. Na sala de jantar, Mary Aldin anuncia que convidou Latimer, amigo de Kay, para jantar no dia seguinte, o que gera conversas sobre passeios, golfe, dança e programas sociais. Entre as trocas, surgem pequenas ironias que evidenciam tensões entre o casal. Mary, instigada por Thomas Royde, revela discretamente a sua vida: tem 36 anos, vive há 15 com Lady Tressilian, depois da morte do pai, e sente pesar por nunca ter viajado, apesar de ser o seu maior desejo. Há um início de aproximação entre ela e Thomas, marcado por olhares atentos e sinceros. O jantar termina com Mary a anunciar outro convidado: Mr. Treves, um idoso distinto, advogado reformado, de saúde frágil, mas intelectualmente lúcido, conhecido por ter convivido com muita gente interessante. Enquanto isso, Thomas observa as duas mulheres em contraste: Kay, exuberante, cheia de vida e beleza intensa; e Audrey, pálida, recatada, quase apagada. A comparação inspira-lhe a imagem de duas figuras de contos populares: Rosa Vermelha e Branca de Neve.

    Durante o jantar em Gull’s Point, Mr. Treves aprecia a boa comida, o vinho e a organização impecável da casa de Lady Tressilian, apesar de a sua dona estar confinada ao quarto. Enquanto observa os presentes, repara no contraste entre Kay — radiante, sedutora, dominando a atenção de Ted Latimer — e Audrey, discreta, silenciosa e imersa em pensamentos. A diferença entre ambas impressiona o velho advogado. Após o jantar, todos se reúnem na sala: Kay impõe-se com vitalidade, escolhendo a música e dançando provocadoramente com Latimer, deixando Nevile hesitante. Quase por cortesia, este convida a ex-esposa para dançar, mas esta recusa o convite, desculpando-se com o calor, e retira-se para o terraço. Mr. Treves, pensativo e observador, tece comentários ambíguos sobre Latimer, elogiando-lhe os dotes de dançarino, mas insinuando que a sua aparência lembra um criminoso que conheceu. A conversa com Mary Aldin revela o seu olhar clínico e insinuante, sugerindo que por vezes ver demasiado bem pode ser uma maldição. Enquanto isso, no terraço, Nevile e Audrey têm um breve momento de proximidade forçada quando o cabelo dela se prende no botão da manga dele. Ambos ficam nervosos e trémulos, e Thomas Royde interrompe a cena. O ambiente permanece tenso e cheio de olhares implícitos. Esta parte termina com a chegada da criada de Lady Tressilian, que anuncia o desejo da velha senhora de ver Mr. Treves no seu quarto.

    Lady Tressilian recebe Mr. Treves com prazer, e os dois passam algum tempo a recordar velhos tempos e a trocar impressões. A conversa logo se volta para o “eterno triângulo” — Nevile, Audrey e Kay — e a velha senhora mostra-se indignada com a situação, porém o advogado analisa o caso de forma fria e pragmática, sugerindo que tais paixões súbitas são comuns e muitas vezes terminam em reconciliação ou em novos casamentos. A idosa insiste que Audrey tem demasiado orgulho para voltar para os braços do ex-marido, mas o homem lembra que, no amor, o orgulho raramente resiste. Depois, Lady Tressilian fala da sua solidão, da morte do marido e da fidelidade de Mary Aldin e da criada Barrett, que lhe são essenciais, e a conversa termina. Na sala, os convidados conversam: discute-se crimes, falhas da justiça e a possibilidade de a fazer "pelas próprias mãos”. Thomas defende que, se a lei falha, alguém tem o direito de agir — uma ideia que Mr. Treves rejeita como perigosa. O advogado, então, conta uma história sombria: uma criança que matou outra com arco e flecha em circunstâncias suspeitas. Oficialmente o episódio foi considerado um acidente, todavia ele nunca esqueceu a questão, sugerindo que reconheceria esse “assassino em miniatura” mesmo adulto. O relato deixa o ambiente tenso. Na despedida, Mr. Treves é acompanhado por Ted Latimer até ao hotel. No caminho, o advogado alerta-o, de forma velada, sobre os perigos da vida e da sua conduta impetuosa. Entretanto, surge Thomas Royde, e os três entram no Balmoral Court, onde descobrem que o elevador está avariado. O homem, com o coração fraco, é forçado a subir lentamente as escadas. Royde e Latimer despedem-se e seguem em direções opostas sob a lua prateada.

    Na praia, Audrey, Mary, Kay e Ted Latimer desfrutam de um dia de sol. Kay, impaciente e provocadora, mantém-se próxima de Ted, com quem partilha cumplicidade e entusiasmo. Mary e Audrey observam-nos de longe e comentam como parecem formar um par natural, até mais harmonioso que ela com Nevile. Mary, sem querer, deixa escapar que teria sido melhor se Kay nunca tivesse conhecido o marido, o que gela imediatamente Audrey, que insiste que o passado está morto e que não sente mais nada por Strange. Entre as duas amigas surge uma conversa íntima: Mary admite sentir o peso de uma vida convencional, dedicada a Lady Tressilian, e revela pequenos “jogos mentais” que faz para se distrair, como observar as reações das pessoas. Audrey, fria e misteriosa, responde que ela própria é imprevisível, deixando a outra intrigada. Posteriormente, Mary fica sozinha na praia e conversa com Ted Latimer. Pela primeira vez, percebe nele não só arrogância e cinismo, mas também dor: ama Kay e perdeu-a para Nevile. Ted confessa o ressentimento que sente pelos outros, acusando-os de “presunção”uma superioridade natural dos que sempre tiveram privilégios. Mary tenta defendê-los, dizendo que, embora pareçam superficiais, não são cruéis, e demonstra sincera compaixão pela infelicidade dele. Ted admite amar Kay desde sempre, mas acrescenta enigmaticamente que “muitas coisas podem acontecer no futuro próximo”, deixando no ar uma ameaça ou presságio.


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