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Constatação da decadência dos povos peninsulares, após uma época de
glória, decadência essa assumida como um facto incontestável.
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Antero entende a Península como um todo, isto é, Portugal e Espanha: “Como peninsular...”.
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A necessidade de reconhecer e assumir os erros históricos, a única forma de os
superar, o único caminho de regeneração.
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A delicadeza do tema a tratar: a sociedade possui tradições, crenças e
interesses históricos que representam a sociedade do passado; por outro lado, é
difícil alterar opiniões e crenças.
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No meio da divergência de opiniões, há uma fraternidade moral que se baseia na
tolerância, no respeito mútuo e na procura da verdade.
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Objetivo das Conferências: a discussão de ideias.
Os seus mentores não
pretendem impor as suas ideias, apenas tencionam expô--las para posterior
discussão, ainda que desta resulte a derrota dessas ideias, desde que com
argumentos justos e corretos.
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O contraste entre a Península dos três últimos séculos (abatida e
insignificante) e do primeiro período da Renascença, da Idade Média e dos
últimos séculos da Antiguidade (gloriosa, liderante, inovadora).
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Caracterização da “raça
peninsular” – passado remoto:
® espírito
de independência local:
.a
dificuldade da dominação romana, que nunca chegou a completar-se;
. a introdução no latim de “um estilo e uma feição inteiramente
peninsulares, e singularmente característicos”;
. a descentralização e o federalismo político: a multiplicidade
de reinos e condados soberanos na Península;
. o espírito independente, autonómico e democrático das
populações: as comunas e os forais;
. a inexistência (única na Europa Central e Ocidental) na
Península do feudalismo;
. a união da Nobreza e do Povo (por interesses e sentimentos);
. a consciência instintiva do Direito;
. a virilidade de acções e caracteres;
. a repugnância pelo despotismo religioso e político;
. a natureza religiosa dos peninsulares;
® a
originalidade do génio inventivo – criador e independente:
. a
independência das igrejas peninsulares face a Roma;
. “a atitude altiva das
coroas da Península diante da cúria romana”;
. o
aparecimento de rituais indígenas;
. a
liberdade de pensamento e interpretação;
. o
sentimento de cristão:
- a caridade;
- a tolerância.
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O espírito peninsular medieval:
-» o nível
intelectual da Península em nada era inferior ao das nações cultas;
-» a filosofia
escolástica:
. grandes figuras, como Raimundo Lúlio, Afonso X (espírito
universal, filósofo, político, legislador), Averrois, Ibn-Tophail, Maimónides,
Avicebron;
. a celebridade e fama das universidades de Coimbra e Salamanca,
nas quais estudavam muitos estrangeiros, “atraídos pela fama dos seus doutores”;
. a reforma da escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela
renovação do aristotelismo, obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas
de Espanha – os mouros e os judeus foram uma das glórias da Península;
-» a teologia: a doação, pela Península, à Igreja,
de teólogos e papas (um deles português, João XXI);
-» a poesia – as criações nacionais dos ciclos épicos:
. o Romancero
. as lendas do Cid em oposição aos ciclos
épicos da Távola Redonda,
. as lendas dos Infantes de Carlos Magno e do Santo Graal
de Lara, entre
outros
. os
trovadores peninsulares, em oposição aos trovadores provençais;
.
grandes trovadores nobres como Beltrão de Born e o conde de Tolosa;
-» a
arquitetura gótica produziu obras imortais:
. o
mosteiro da Batalha;
. a
catedral de Burgos;
-» a inovação e liderança da Península nos estudos
geográficos e nas grandes navegações, que exigiram grande trabalho intelectual
e científico:
. a escola de Sagres do Infante D. Henrique, geradora de grandes
personalidade como Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães, Colombo;
. a descoberta do Novo Mundo;
-» como consequência, os povos peninsulares tinham
a admiração e exerciam influência nos restantes países europeus.
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Renascimento:
-» primeira geração (até meados do século XVI),
espírito brilhante destruído pelas gerações seguintes:
– ensino:
. época
extraordinária de criação e liberdade de pensamento;
. a
renovação dos estudos universitários;
. a fundação de novas universidades (catorze em Espanha) e a
reforma de outras;
. o estudo das grandes obras literárias da Antiguidade, por vezes
na língua original;
. a filosofia neoplatónica substituiu a escolástica medieval,
velha e gasta;
. o surgimento de um estilo e uma literatura novos com Camões,
Cervantes, Gil Vicente, Sá de Miranda, Lope de Veja, António Ferreira;
. grandes sábios (Miguel Servet) e filósofos (Sepúlveda e
Sanches, mestre de Montaigne);
. grandes humanistas: André de Resende, Diogo de Teive, bispo de
Tarragona, António Augustín, Damião de Góis, Camões, grande poeta e erudito;
– arte:
.
arquitetura: criação do estilo manuelino;
. pintura: criação da escola de pintura espanhola (Murillo,
Velázquez, Ribera);
– grandes
feitos guerreiros.
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A decadência (no espaço de 50-60 anos): quadro de abatimento, inércia,
pobreza, insignificância, tanto mais sensível quanto contrasta dolorosamente
com a grandeza, a importância, o progresso, e a originalidade do papel
desempenhado nos últimos séculos da Antiguidade, na Idade Média e no primeiro
período da Renascença:
-» a perda da
independência de Portugal (1580-1640);
-» a decadência surge em vários domínios: política, influência,
ciências, economia, sociedade, indústria, costumes – a ignorância, a opressão,
a miséria, a depravação dos costumes:
. nos “grandes”: - a corrupção faustosa da vida da corte;
- o vício;
- a
brutalidade;
- o adultério;
. nos “pequenos”: - a corrupção hipócrita;
- a miséria;
- o
adultério;
- a
prostituição;
- a
desagregação da família;
. a
falta de crença e autenticidade na prática religiosa;
-» em suma, “tais
temos sido nos últimos três séculos: sem vida, sem liberdade, sem riqueza, sem
ciência, sem invenção, sem costumes”.
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Causas da decadência:
– de ordem moral: o catolicismo posterior ao Concílio de Trento, que
desvirtuara a essência do cristianismo e atrofiara a consciência individual;
– de ordem política: a monarquia absoluta, que reprimia todas as
liberdades individuais e nacionais, gerando um espírito de submissão na raça
ibérica;
– de ordem económica: as conquistas ultramarinas, que tinham
esgotado as energias do país e criado hábitos de ociosidade.
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O crescimento e progresso de outras nações:
-» causas:
. a liberdade moral conquistada pela Reforma ou pela filosofia ¹
catolicismo do Concílio de Trento;
. a elevação da classe média, instrumento do progresso ¹
absolutismo;
. a indústria, promotora de nova concepção do Direito,
substituindo o trabalho à força e o comércio à guerra de conquista ¹
espírito de conquista, obstáculo ao trabalho e ao comércio.
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Consequências:
1. Do
catolicismo do Concílio de Trento:
– retirou a liberdade moral, que apelava para o exame e a consciência
individual – fomentou a decadência moral;
– o progresso das outras nações em oposição à nossa decadência;
– fomentou o despotismo religioso e a intolerância, cujas origens,
porém, vinham já de longe: “...
nem a Reforma significa outra coisa senão o protesto do sentimento cristão,
livre e independente, contra essas tendências autoritárias e formalísticas.”;
– neste passo, Antero sente necessidade de distinguir entre
cristianismo e catolicismo:
. o
cristianismo é um sentimento ¹ o catolicismo é uma instituição;
. o cristianismo vive da fé, do sentimento e da inspiração ¹ o
catolicismo vive do dogma e da disciplina;
. conclusões:
-» o catolicismo surge como desvirtuamento, degeneração, perversão do
cristianismo;
-» o catolicismo revelou-se inimigo da razão, do saber, da liberdade,
do corpo, do próprio homem;
-» o catolicismo revelou-se autoritário, absolutista, adepto do poder,
da compreensão, da perseguição, da intolerância, da manipulação;
-» a sua influência criou em nós raízes tão profundas que “há em todos nós, por
mais modernos que queiramos ser, Alá oculto, dissimulado, mas não inteiramente
morto, um beato, um fanático ou um jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro
de nós é o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma vez, e com ele o
espírito sinistro do catolicismo de Trento.”;
– no domínio da
política europeia:
.
fomentou as lutas político-religiosas;
.
fomentou a criação de um estado forte em Itália;
.
favoreceu a oposição à liberdade política na Polónia;
. foi “o
maior inimigo das nações e verdadeiramente o túmulo das nacionalidades”;
– na economia
portuguesa:
. afetou o comércio, a indústria e a agricultura com a expulsão
dos judeus e dos mouros;
. levou ao desaparecimento dos capitais, com a perseguição aos
cristãos-novos;
– na sociedade
portuguesa:
.
fomentou o terror, com a Inquisição;
.
fomentou a hipocrisia;
.
promoveu a delação;
.
corrompeu o carácter nacional;
.
intensificou o fanatismo;
– no domínio
colonial:
.
contribuiu para a hostilidade aos índios;
.
dificultou a fusão entre conquistadores e conquistados;
.
impediu uma colonização sólida e duradoura;
.
aterrorizou as populações indígenas.
2. Do
absolutismo:
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durante a Idade Média, os reis não eram absolutos e havia um equilíbrio entre
os privilégios da nobreza, do clero e as instituições populares: “A liberdade era então
o estado normal da Península.”;
– “No
século XVI, tudo isto mudou.” (passa a dominar a monarquia absoluta que
resultou de uma longa transformação das monarquias peninsulares):
® no
domínio político:
.
arruinou as instituições locais:
-» terminou com
a repartição de poderes;
-» acabou com a política local de municípios, na sua “contínua vigilância”
ao poder real;
-» o povo perdeu a liberdade, a vida municipal “afrouxou”,
acabou com as comunas espanholas e com os foros populares;
. abateu
a nobreza em proveito próprio;
.
centralizou o poder;
.
corrompeu o rei;
. impediu o desenvolvimento da burguesia, governando-se pela
nobreza e para a nobreza:
-» a agricultura caiu, graças à vinculação de terras, à criação de
imensas propriedades, que conduziram à anulação da classe dos pequenos
proprietários e ao desaparecimento da pequena agricultura;
-» metade da Península tornou-se numa charneca em virtude do
decréscimo da população;
-» o espírito aristocrático da monarquia impediu o desenvolvimento da
burguesia, “a
classe moderna por excelência, civilizadora e iniciadora, já na indústria, já
nas ciências, já no comércio.”;
-» obliterou-se o sentido da liberdade;
-» adormeceu o povo, fê-lo cair na passividade de quem tudo espera do
poder;
-» cerceou-se o espírito de iniciativa;
. o Estado absoluto aliou-se à Igreja, o despotismo entendeu-se
com a teocracia, entendimento esse que se refletiu na política externa (reis
peninsulares, como D. Sebastião e D. Carlos V, em vez de se inspirarem num
sentimento nacional, tornaram-se instrumentos da política católica romana) –
esta aliança foi um dos fatores que mais contribuiu para a decadência;
® no
plano educacional:
-» os jesuítas utilizam métodos de ensino brutais e requintados que
esterilizam as inteligências, dirigindo-se à memória, com o fim de matarem o
pensamento inventivo;
-» procuram alhear o espírito peninsular do grande movimento da
ciência moderna, essencialmente livre e criadora: a educação jesuíta faz das
classes elevadas máquinas ininteligentes e passivas; do povo, fanáticos,
corruptos e cruéis;
® arte
e literatura:
-» odes ao
divino;
-» arquitetura
jesuítica;
-» poesia
académica convencional;
-» discurso
fradesco;
-» destruição
de toda a criatividade popular;
-» os livros devotos revelam pobreza de ideias e de sentimentos e uma
estilística pueril;
® no
plano da moral:
-» depravação
dos costumes;
-» os reis dão
o exemplo do vício, da brutalidade, do adultério;
-» a época é de
amantes e de bastardos;
-» documentos e
tradição remetem para os escândalos no seio do clero e da aristocracia.
3. Das
conquistas ultramarinas:
-» panorama
económico anterior às descobertas:
.
crescimento da população;
.
abundância;
.
arborização do país;
. exportação de muitos produtos (azeite, cereais, peixe salgado,
frutas secas),
. prosperidade agrícola;
. desenvolvimento do comércio;
. desenvolvimento de todas as classes;
-» as conquistas ultramarinas foram um brilhante relâmpago que perdura
há dois séculos nos nossos livros, memória e tradições, cantado n’Os Lusíadas
de Camões, mas tiveram efeitos muito negativos:
-» efeitos das descobertas – panorama económico posterior aos Descobrimentos:
. impediram o desenvolvimento político, pois o espírito que lhes
presidiu dois séculos antes está deslocado nos tempos modernos: “... as nações modernas
estão condenadas a não fazerem poesia, mas ciência.”;
. impediram o desenvolvimento do trabalho e da indústria: “... a riqueza e a vida
das nações têm de se tirar da actividade produtora, e não já da guerra
esterilizadora.”;
. a população rural (proprietários e agricultores), atraída pela
miragem da riqueza, abandonou a terra e afluiu/emigrou para os grandes centros
urbanos e para os territórios ultramarinos, o que fez com que, por um lado, o
campo e o próprio país ficassem despovoados e, por outro, nos centros urbanos
surjam a miséria, a fome, a mendicidade, a ociosidade, o vício e a
criminalidade – metade da população morria de fome;
. a cultura diminuiu;
. os preços dos produtos subiram drasticamente e, porque a
concorrência de outros países nos esmagava, deixámos de exportar e passámos a
importar produtos do estrangeiro – o afluxo de riquezas do Oriente e da América
fez esquecer e descurar a produção nacional;
. a agricultura decaiu, num reino essencialmente agrícola, facto
comprovado pelo cognome dos reis D. Sancho I, o Povoador, e D. Dinis, o Lavrador;
. Camões é o paradigma desta miséria;
. a população decresceu;
. introduziu-se o trabalho servil, a escravatura;
. a indústria decaiu:
- não se
fabricava, não se produzia;
- importávamos
diversos produtos;
. a vida
concentrou-se na corte;
. a fidalguia fez-se cortesã, entregou-se ao luxo, ao lucro
fácil, ao vício, à corrupção, à libertinagem, ao jogo, às aventuras amorosas,
ao adultério; a família desagregou-se;
. nas colónias:
- criou-se um
fosso entre conquistadores e conquistados;
- as populações
foram aterrorizadas;
- as religiões
indígenas foram perseguidas (papel da Inquisição);
- a colonização caracterizou-se pela ferocidade, a ponto de terem
surgido eloquentes protestos contra as atrocidades praticadas.
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Soluções propostas para superar a crise:
–» fazer um
corte com o passado (respeitar os nossos avós, mas sem os imitar);
–» opor ao
espírito velho o espírito moderno;
–» opor ao catolicismo a consciência livre, a ciência, a filosofia e
a crença no progresso da humanidade;
–» opor à monarquia centralizada a criação de uma federação
republicana e democrática;
–» opor à inércia industrial a organização do trabalho livre, sem
interferência do Estado, como forma de transição para o socialismo.
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Exposição do conceito de Revolução: a acção pacífica, norteada pela
ordem e pela liberdade – “Longe
de apelar para a insurreição, pretende preveni-la, torná-la impossível...”.
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O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo, a Revolução moderna é o Cristianismo
do mundo moderno.
A
conferência de Antero tem sido considerada como um dos documentos mais
importantes da cultura portuguesa do século XIX, como um balanço da história portuguesa
e peninsular, como um julgamento de Portugal e do seu passado histórico e,
simultaneamente, como uma tentativa de acordar as consciências.