Este poema faz parte de uma série
de sete sonetos dedicados à morte de Dinamene, escrava asiática que Camões amou
e que morreu num naufrágio.
● Assunto:
o pescador perdeu a amada e, chorando, pede às ondas o seu regresso.
● Tema:
a saudade da amada; o sofrimento por amor.
● Estrutura
interna
1.ª parte (2
quadras): descrição do espaço físico e caracterização da figura humana.
- Cenário / espaço físico – ambiente marinho
e noturno – natureza romântica:
.
paisagem marinha noturna – uma praia (“As ondas, que se estendem pela areia…” –
v. 2);
.
atmosfera de tranquilidade, calma, sossego, de quietude e de silêncio (“O céu,
a terra, o vento sossegado…”; “os peixes, que no mar o sono enfreia…”; “O
noturno silêncio repousado…” – vv. 1, 3 e 4);
.
elementos: o céu, o vento, a terra, o vento, o mar (as ondas, os peixes)
(enumeração);
.
natureza que antecipa o Romantismo: marinha e noturna;
. a
perturbação do silêncio pelo choro de Aónio, chamando pela sua amada.
-
Tempo: a noite (“noturno silêncio”).
-
Personagem:
. nome:
Aónio;
. profissão:
pescador;
. situação
física: deitado;
. situação
psicológica: chora, porque a amada morreu;
. ação
que pratica: nomeia a amada (“a minha ninfa”) e, seguidamente, solicita à
Natureza, representada pelas ondas, que lha devolva (pois morreu prematuramente:
“tão cedo / me fizestes à morte estar sujeita”) – identificação entre a Natureza
e a morte;
. estado de espírito:
- está dominado por um sentimento de profunda
tristeza devido à morte da amada;
- imerso num estado de desalento, patente na
atitude de abandono em que se encontra (“deitado / onde co vento a água se
meneia” – vv. 5-6),
- exprime o seu desespero chorando, clamando
pelo “nome amado” (v. 7) e suplicando às “Ondas” (v. 9) a graça do retorno à
vida da sua “Ninfa” (v. 10).
- Recursos expressivos:
. a
construção repetitiva das frases e o seu caráter suspenso e incompleto sugerem
um estado de espírito dominado pelas emoções;
. os adjetivos “sossegado” e “repousado” e as
formas verbais “se estendem” e “enfreia” sugerem a calma e a harmonia da
Natureza.;
. a
forma verbal “chorando”, no gerúndio, traduz a continuidade do sofrimento do
pescador;
. a enumeração
dos elementos da natureza;
. ritmo
arrastado;
.
emprego de vocábulos como “sossegado”, “sono”, “silêncio”, “repousado”, “se
estendem”, sugerindo a calma, o sossego e a solidão que caracterizam o espaço;
. a
suspensão dos verbos através das reticências prolonga a sugestão da calma e de
imensidão espacial.
2.ª
parte (2 tercetos): interpelação do pescador à Natureza e a
reação desta.
1.º
momento (1.º terceto): o pescador interpela as ondas do mar,
tornando-as suas confidentes.
. a relação
entre o pescador e as ondas é sublinhada pela:
- apóstrofe inicial: “Ondas”;
- forma verbal no imperativo: “tornai-me”;
- repetição do pronome pessoal de primeira
pessoa “me”, ao qual se associa o determinante possessivo também de primeira pessoa
“minha”, reveladores de um discurso egocêntrico e emotivo.
2.º
momento (2.º terceto): a indiferença cruel da Natureza:
. a retoma
dos elementos descritivos da 1.ª parte do soneto: o mar, o arvoredo, o vento;
. a
Natureza, inicialmente calma e sossegada, perturbada momentaneamente pelo choro
e pelo apelo de Aónio, regressa ao estado de silêncio (“Ninguém lhe fala. / O
mar, de longe, bate; / move-se brandamente o arvoredo… / Leva-lhe o vento a voz
[…]” (há como que um círculo de silêncio que envolve a dor de Aónio);
. a
Natureza não se comove com a dor do pescador, permanece indiferente e
impassível (atente-se no emprego do pronome indefinido “ninguém”, da locução
adverbial “de longe”, do advérbio de modo “brandamente” e da aliteração em /v/
no último verso) assumindo uma posição cruel, semelhante à da Morte, que lhe
roubou a mulher amada. Deste modo, a Natureza e a Morte coincidem e
assemelham-se, pois ambas são cruéis para Aónio;
.
notar o papel diferente desempenhado pela Natureza neste soneto (indiferença)
e, por exemplo, no soneto “Aquela triste e leda madrugada”;
. a
aliteração em “v”:
- confere uma tonalidade musical harmoniosa;
- cria um efeito que sugere o som do vento;
- marca o ritmo sincopado do verso;
- acentua a importância da relação simbólica
entre voz e vento;
- acentua a indiferença cruel da Natureza e a
extrema solidão do pescador: sugere o perpassar do vento que, indiferente, leva
a súplica do pescador.
● Estrutura
narrativa do poema
-
Espaço físico: ambiente marinho noturno.
-
Tempo: noite.
-
Personagem: o pescador Aónio.
-
Ação:
. o
apelo de Aónio à Natureza;
. a
reação indiferente da Natureza.
- Narrador: voz que, irmanando da dor da
personagem, descreve o drama do pescador e que comenta a indiferença da
Natureza (“Ninguém lhe fala”) perante a morte da amada.
● Reação
da Natureza ao apelo do pescador
A Natureza fica indiferente
relativamente ao pescador Aónio, pois não responde à sua súplica.
Assim, à completa ausência de resposta,
segue-se a indiferença do mar (“de longe bate” – v. 12), o movimento brando do “arvoredo”
(v. 13) e do “vento” (v. 13) que, soprando, torna inaudível a “voz” (v. 14) da
figura central.
● Associação
da Natureza à Morte
A Natureza associa-se à Morte,
porque é a causa da morte prematura da amada na foz do rio Mecom e porque se
mostra indiferente ao sofrimento, à dor humana (“Ninguém lhe fala; o mar de
longe bate”).
● Conceito
de amor
O conceito de amor representado
neste soneto é característico do Renascimento, pois trata-se do amor que causa dor
e sofrimento. Além disso, estamos na presença de uma entidade superior, uma
força cruel, que mata, que mortifica, mas que continuamente é desejado e vivido.
É também algo de inefável, que não pode ser definido em termos lógicos, o que o
situa para além do entendimento humano.
● Marcas
clássicas / renascentistas:
-
as referências mitológicas (Amor, ninfas);
-
o uso do soneto;
-
o uso do verso decassilábico;
-
a natureza calma e sossegada.
● Traços
da cantiga de amigo (ex. Ondas do mar de Vigo):
-
a saudade
-
a natureza enquanto confidente do sujeito poético
-
a natureza personificada
-
a interpelação das ondas do mar pelo pescador
-
a expressão do amor associado ao quotidiano rural ou do mar (“Ondas do mar de
Vigo”)
●. Antecipação do Romantismo:
- natureza noturna e marinha, que se afasta
do típico “locus amoenus” clássico (local aprazível, diurno, cristalino e
verdejante) e que antecipa a Natureza romântica;
- a identificação da Natureza com a Morte.