A tragédia
grega terá nascido do culto de Dioniso – o deus do vinho, da alegria, da
exuberância, das potências geradoras e “da excitação de toda a espécie e da
união mística” (Heinz-Mohr 1994: 137). De facto, a tragédia grega era uma das
principais festividades religiosas anuais que se realizavam em Atenas, as
Grandes Dionísias Urbanas.
Atenas,
como as restantes cidades gregas, tinha o seu calendário anual pautado por
diversas festividades. Com efeito, cada cidade grega tinha a sua própria
bandeja de festas e o seu próprio calendário. Mais do que isso, dentro da mesma
cidade, sucedia por vezes haver festas exclusivas de determinada tribo. Em Atenas,
supõe-se que 60 dias anuais eram dedicados exclusivamente a festividades
religiosas. A importância destas manifestações é atestada também pelo facto de
os nomes dos meses estarem ligados às festividades mais importantes realizadas
naquele período de tempo.
A
festividade na qual eram apresentadas as tragédias era a que se destinava a
homenagear Dioniso. Na Ática, os principais festivais em honra do deus eram as
seguintes:
1) Leneias:
as festas dos tonéis de vinho, aproximadamente em janeiro, quando os barris
eram abertos e se provava o vinho novo.
2) Antestérias:
o mais antigo festival dionisíaco, por isso também chamado “Velhas Dionisíacas”,
aproximadamente em fevereiro, quando os barris eram abertos e se provava o
vinho.
3) Oscofórias:
o festival da colheita das uvas, realizado sensivelmente em outubro, quando
havia uma corrida de rapazes levando ramos de parreira-
Para o caso
– a origem da tragédia grega –, o mais importante festival em honra de Dioniso
eram as Dionísias (que se dividiam em urbanos e rurais), especialmente a
primeira, que ocorria em dois momentos distintos: uma tinha lugar logo na
primavera, após as Antestérias, em finais de março, quando o vinho do último
ano estava maduro, pronta para beber, fazendo-se, portanto, a abertura dos
barris (o sentimento geral era de que a terra estava a acordar para uma nova
vida); a outra ocorria no inverno e marcava o fim do trabalho anual e que
ocorria no início de janeiro em Atenas.
Quanto às
Dionísias Rurais, tinham uma dimensão inferior e lugar em dezembro. Nelas, um kômos,
isto é, um grupo de foliões, carregando um falo de grandes proporções, cantava
canções dirigidas a Dioniso, as chamadas «canções fálicas». Nos intervalos, o
líder entretinha os espectadores com vulgaridades, na forma de monólogo ou de
diálogo. Diversos autores creem que esse kômos foi uma das origens do
coro, um dos traços mais importantes do teatro grego, tanto na tragédia como na
comédia.
As
Dionísias Urbanas ou Grandes Dionísias tinham a seguinte forma. Iniciavam-se
por uma procissão que escoltava uma antiga imagem de Dioniso ao longo da
estrada que levava à cidade de Eleutéria e retomava depois ao altar do deus, em
Atenas, onde um bode era sacrificado no meio de danças e canções. Uma virgem
liderava a procissão, enfeitada com ornamentos dourados, transportando uma
cesta cheia de bolos e flores. Os demais participantes levavam oferendas rurais
(uvas, figos, vinho, etc.) e o animal que seria sacrificado. Além disso, um
falo era transportado no alto.
Neste
cortejo ritual, os participantes ativos que se dirigem para um objetivo, durante
o percurso, interagem com o outro grupo que se forma simultaneamente ao longo
do caminho, ou seja, os espectadores. A finalidade da pompé (equivalente
ao latim pompa) é um santuário no qual terá lugar o sacrifício, mas o
próprio caminho também tem significado, é «sagrado». Noutras procissões
religiosas, são apresentadas já dramatizações de caráter mimético da partida, o
abandono do santuário, prefigurando no ritual a futura forma dramática.
Os
participantes ativos desempenham papéis bem definidos, como a portadora do
cesto, ou os portadores do falo, no caso das Grandes Dionísias, a portadora da
água, o portador do fogo, das taças, etc. O estatuto particular dos
participantes é indicado não só pelo vestuário festivo, mas também pelas
coroas, faixas de lã e pelos ramos que levam nas mãos. O uso destes sinais
exteriores dos papéis durante o ritual será mais tarde apropriado pelo teatro.
Deste modo,
as procissões, os hinos e as danças de caráter festivo-religioso prefiguram, de
certo modo, as formas que o teatro grego assumirá mais tarde. O divertido kômos
e a solene pompé constituem a contrapartida puramente ritual dos coros
cómicos e trágicos do teatro grego.
Outra
semelhança entre o ritual de Dioniso e a tragédia tem a ver com a forma como o
festival dionisíaco acontecia na Ática, que era bem diferente das suas
manifestações orientais, nas quais existia violência selvagem e extática, além
de serem realizadas no inverno e à noite. Assim, observa-se neste ritual a
passagem de uma simplicidade rude e às vezes brutal à graça, à dignidade e
refinamento que serão também características da tragédia ática.
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