Português: O movimento arcádico português

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O movimento arcádico português

     A estética dos nossos árcades mostra-nos de um modo flagrante que as suas ideias estão próximas das ideias racionalistas e iluministas dos nossos estrangeirados, sobretudo de Luís António Verney no Verdadeiro Método de Estudar. Aqui aparece de maneira subjacente a defesa de uma estética racionalista, que tem como critério base o respeito pela "boa razão", que fundamenta "o bom gosto justificado racionalmente".

    Os nossos árcades falavam do bom-gosto, que é uma «tradução» de boa razão para o domínio da estética. O instrumento estético que permiti a fundamentação do bom-gosto era "a imitação racional dos clássicos greco-latinos". A estes ideais greco-latinas temos que acrescentar o Classicismo francês.

    No fundo, havia três vetores importantes:
        - imitação clássica greco-latina;
        - imitação dos clássicos franceses;
        - imitação dos clássicos portugueses, como Camões e António Ferreira.


Arcádia Lusitana:
                             Alguns dos confrades mais fluentes desta arcádia foram ao mesmo tempo os  mais ditosos poetas da época:

  • Cruz e Silva: mentor da arcádia, que adotou o pseudónimo de Elpino Nonacriense e viveu entre 1731-1799;
  • Correia Garção, cujo pseudónimo foi Coridon Erimanteu e viveu entre 1724-1772;
  • Nicolau Esteves Negrão, cujo pseudónimo era Almeno Sincero;
  • Manuel de Figueiredo: Lícidas Cíntio;
  • Domingos dos Reis Quita teve como pseudónimo Alcino Micénio e viveu entre 1728 e 1770;
  • Francisco José Freire: Cândido Lusitano;
  • Nicolau Tolentino viveu entre 1740 e 1811 e foi dissidente da Arcádia.

    Podemos definir esta arcádia como sendo uma assembleia de escritores que tomavam como pseudónimo o nome de velhos pastores da Grécia, simbolizando com isso que se dispunham a levar a arte literária a uma correspondente simplicidade de expressão. Para levar a bom termo este propósito,  a arcádia inclui entre a sua atividade não só a apreciação de obras escritas segundo normas de censura precisas, como também a discussão de "teses de teoria literária". Estas teses eram comunicadas ao árcades por dissertações feitas pelos orientadores. Versavam problemas como: utilidade da poesia (Francisco Freire); problema da imitação (Correia Garção); definição do género écloga; características da tragédia (Manuel Figueiredo) e da comédia (Freire e Garção).

    A vida desta arcádia foi curta e com vários incidentes. Teve um período de atividades entusiásticas entre 1757 e 1760. Houve, no entanto, outras vicissitudes: ataques de literatos, dissidência, etc., até que a função da arcádia se vai perdendo e encaminhando para um fim que ocorre em 1774. Duas das suas qualidades eram o afastamento da estética barroca e o facto de sublinhar a função social da literatura.

    Uma das questões internas ficou conhecida por "guerra dos poetas" (1767), que eclodiu entre alguns membros como Correia Garção e Cruz e Silva por um lado e o grupo da Ribeira das Naus por outro, chefiado por Filinto Elísio.

    Também o épico Camões foi objeto de discussão entre os que defendiam Camões como modelo teórico (Filinto e Garrett) e outros que se opunham a seguir Camões (L. A. Verney e Cândido Lusitano, Agostinho de Macedo, Valadares e Sousa).

    Uma das designações que começa a generalizar-se é a de dissidentes ou independentes, relativa aos poetas que ou não pertenciam ao movimento das arcádias ou dele se tornaram dissidentes, apesar de alguns destes defenderem os princípios do arcadismo fora da Arcádia. Criaram obra autónoma e demarcaram-se do movimento arcádico.


Nova Arcádia:

                        Por volta de 1790, surge em Lisboa uma nova academia que pretende cultivar a poesia e oratória e que se designa Nova Arcádia, da qual fazem parte Domingos Caldas Barbosa (Lereno), Curvo Semedo, Francisco Bingre, Ferraz dos Campos, etc. Esta arcádia teve inicialmente a designação de Academia das Belas Artes e a ela se juntaram posteriormente nomes como Correia França e Amaral, José Agostinho Macedo e Bocage, entre outros.

    As sessões desta arcádia realizavam-se à quarta-feira e daí ficarem conhecidas, na história literária, por quartas-feiras de Lereno, em alusão ao nome arcádico do seu principal impulsionador, que viveu entre 1740 e 1800.

    Numa primeira fase, esta Nova Arcádia propunha continuar os princípios estabelecidos pela Arcádia Lusitana. Em 1794, os árcades começaram a desentender-se, o que depressa levou ao desaparecimento desta arcádia. Fala-se até de uma briga entre Bocage e o padre José A. Macedo (1761-1831) e usava a poesia com fins satíricos. Em 1814, escreveu um poema épico ("Oriente"), que tinha como objetivo corrigir o que, segundo a sua perspetiva, estava mal n'Os Lusíadas.

    O resultado mais evidente desta arcádia é o Almanaque das Musas, publicado em 1793 e divido em quatro partes. A segunda parte inclui a tradução da Arte Poética, de Boileau, feita pelo conde da Ericeira. Entre os árcades havia os que tinham abandonado a arcádia (dissidentes) e outros que nem pertenciam às arcádias (independentes). Filinto Elísio, que se tornara líder do grupo da Ribeira das Naus, chega mesmo a combater a arcádia. Dentre os dissidentes e os independentes sobressaem Filinto Elísio e Bocage. Para identificar a forma de escrever de cada um deles a partir dos seus pseudónimos riam-se dois movimentos importantes na história da literatura. Filintismo e Elmanismo. Por Elmanismo entende-se vulgarmente, na história literária, um modo de expressão poética própria de Elmano. Por oposição, fala-se em Filintismo, que é o modo de expressão poética de Filinto Elísio, que surge neste contexto como pseudónimo do padre Francisco do Nascimento.

    O grupo elmanista defende:
. ritmo e harmonia iguais;
. fluência oratória, usando como recurso certas formas fáceis e comuns de escrever;
. repetições e uso de antíteses, simetrias, metáforas, hipérboles, etc.;
. gosto pelo choque emocional, pelas imagens crepusculares, pôr do sol.

    No fundo, este grupo favoreceu e até certo ponto condicionou uma sensibilidade próxima do Pré-Romantismo, com um gosto pela poética subjetiva e confessional:
. apresentar um estilo mais arcaizante;
. dar preferência ao uso do verso branco;
. preocupação pela sobriedade de linguagem;
. gosto ou veneração pela influência quinhentista e do Horacianismo.

    Em suma, se tivéssemos de dar uma definição concisa de Neoclassicismo português, podíamos dizer que foi um movimento literário derivado em grande parte do espírito crítico do Iluminismo, que visou a restauração e reabilitação dos géneros, formas e técnicas de expressão clássicas que vingaram em Portugal no século XVI. Paralelamente há uma preocupação pela pureza da língua, com vista a restituir-lhe uma certa sobriedade genuína e castiça, um rigor de sentido.

    Se as primeiras manifestações deste movimento de difusão neoclássica surgem já no final do século XVII, elas vão-se acentuando progressivamente até ganharem força de uma corrente contra os excessos e exageros do Barroco em pleno século XVIII. Para este objetivo muito contribui o movimento arcádico.

    Alguns dos maiores poetas do Neoclassicismo são Correia Garção (1731-1799) e Nicolau Tolentino (1740-1811). Neles é muito acentuado o tom satírico e a sátira atinge mesmo uma dimensão de seu pendor histórico-didático: Sousa Caldas, Agostinho Macedo (1761-1831), alguma poesia de Cruz e Silva.

    O Neoclassicismo que se encontra nestes poetas atua em dois setores capitais:
            . doutrinação estética;
            . criação literária.

    Na sua doutrina estética, vai sentir-se a orientação do racionalismo mecanicista, que vinha na linha das ideias que tinham sido evidenciadas no Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Verney. Porém, já antes se tinha aberto o caminho para o Neoclassicismo português.

    Houve autores que se destacaram pela sua luta contra o Barroco e o Gongorismo:

            -» Frei Lucas de Santa Catarina (1660-1740) escreveu uma obra intitulada Serão político, abuso emendado, na qual põem em evidência um certo desregramento da poesia do seu tempo;

            -» Mais tarde, nos fins dos anos 30, surge outra obra, Exame Crítico de uma Silva Poética, cujo autor é José Xavier Valadares e Sousa. Já aqui se defende a importância da verosimilhança no campo artístico. O autor denota a assimilação de certos princípios do Classicismo francês, chegando a defender um certo cientificismo na poesia. Havia a aplicação de uma máxima de Boileau: "Nada é melhor que a verdade."

    Porém, dentre os mais importantes teóricos do movimento neoclássico, temos:

            -» Francisco José Freire: escreveu uma Arte Poética, publicada em 1748, um Dicionário poético (1755) e outra obra chamada Reflexões sobre a língua portuguesa (1742). Denota a preocupação de seguir os clássicos franceses - Voltaire e Boileau - e refletir os novos cânones do movimento neoclássico. Quando defende uma representação verosímil da natureza, defende uma imaginação com caráter de verosimilhança.

            -» Nicolau Tolentino: é um poeta quase ignorado. Considera-se um poeta independente das arcádias. A sua poesia está reunida na obra Obras Poéticas, de 1701, e que inclui sonetos, odes, epístolas, memórias, sátiras. Foi conhecido na literatura portuguesa pelas suas sátiras, de tal modo que se costuma chamar o sátiro da literatura portuguesa. A sua poesia caracteriza-se pelo gosto satírico e humor fino sem maldade. Diz-se da sua poesia que é um bom retrato dos costumes da época. É uma espécie de cronista da sociedade do seu tempo. É um caricaturista na literatura portuguesa. O seu humor é feito de ironia fina e provoca o riso.

            -» Bocage (1765-1805): outro poeta que se encontra na sequência de Nicolau Tolentino é Bocage, devido ao seu tom satírico, apesar de muito diferentes. Teve como pseudónimo Elmano Sadino. É considerado por muitos como o maior poeta do séculocXVIII e a sua obra poética surge fracionada em dois vetores: lírico e satírico. A crítica considera o lírico como mais importante. Cultivou muitos géneros líricos: elegia, bucólico, ode, epigrama, epístola, cançoneta, soneto e cantata.
    Bocage viveu numa época de conflitos a nível histórico, estético e pessoal. Por isso, teve que enquadrar a sua sensibilidade dentro de um convencionalismo neoclássico, apesar de a sua sensibilidade ou intensidade de expressão dos seus sentimentos levar a enquadrá-lo melhor nos alvores do Romantismo.

            -» José Anastácio da Cunha (1744-1787): apesar das suas ligações à estética neoclássica, este autor tem mais importância quando nos referirmos aos poetas pré-românticos. Um dos traços essenciais da sua poesia é que o seu lirismo amoroso é expresso com veemência vulcânica, delirante, expressa dentro de um ritmo frenético. Daqui resulta essa sensibilidade pré-romântica, sendo assim um poeta pré-romântico. A sua poesia é a de um homem lúcido, chegando a ser preso pela Inquisição por causa das suas ideias avançadas. Acabou por abandonar uma série de orientações do Neoclassicismo.

            -» José Xavier de Matos (1730-1789): esteve ligado à Arcádia Portuense. A sua poesia é uma poesia que reflete uma intensa vivência amorosa, mas que surge escrita sobre uma sensibilidade melancólica. A sua poesia prenuncia o surgimento do Pré-Romantismo, anuncia um egocentrismo romântico, que vem na linha da sensibilidade pré-romântica.

            -» Marquesa de Alorna (1750-1839): o seu nome completo é D. Leonor Almeida de Portugal Norema e Lencastre e o seu nome arcádico era Alcipe. A sua poesia está reunida em 6 volumes, sob o título Obras Poéticas (1844).
    A sua sensibilidade oscila entre o culto dos clássicos e as ideias românticas. É outra poetisa a colocar no seio da poesia pré-romântica. O estilo clássico adequa-se mais ao seu espírito de equilíbrio e sensatez. O lado romântico advém da influência inglesa e alemã, pois leu poetas, nos seus originais, destas línguas. Parte da importância que se atribui advém do facto de ter tido muita importância ao trazer para Portugal s novas correntes.

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