Português: Pré-Romantismo na Literatura Portuguesa

sábado, 22 de novembro de 2025

Pré-Romantismo na Literatura Portuguesa

    Toda essa discussão à volta do Pré-Romantismo europeu ganha uma maior equidade, quando nos debruçamos sobre o Pré-Romantismo português.
    Portugal, nesta altura, é um país periférico dentro do contexto europeu e o centro de referências culturais provinha da França. Vivia-se sob uma grande influência cultural francesa. As tendências do Pré-Romantismo vão-se constituir como divergentes em relação ao Classicismo. Há como que dois polos de divergência:
            . por um lado, Portugal estava influenciado pelo Classicismo francês;
            . por outro lado, em Portugal começa a verificar-se uma oposição em relação ao Neoclassicismo.
    O Pré-Romantismo, que aparece em Portugal nos meados do século XVIII, não tem um programa definido como acontecera com outros movimentos. Não chegou apoiado por movimentos teóricos e ideológicos; são tendências difusas que chegam a Portugal.

    Como entraram em Portugal as tendências pré-românticas?
    Há várias teses, mas sobretudo três são importantes e são apresentadas respetivamente por Hernâni Cidade, Jacinto do Prado Coelho e António José Saraiva.
    Hernâni Cidade foi um dos primeiros defensores de uma tese de conjunto sobre o Pré-Romantismo português. Segundo ele, o Pré-Romantismo influenciou a nossa literatura devido a vários fatores. Foi por um processo de influência das literaturas alemã, inglesa e francesa, em virtude das traduções que iam sendo feitas. Além disso, entram em Portugal obras de cariz filosófico e ideológico com um espírito crítico inerente, que antes não entravam. Apesar de se ter passado da Inquisição da Igreja para a censura pombalina, certas obras começaram a entrar. Através desta maior circulação de obras, Portugal passou a ter contacto com obras que divulgavam os princípios pré-românticos que vigoravam na Europa.
    Para Hernâni Cidade, os fatores e veículos dessa influência foram de três tipos:
        1- viagens ou estadias no estrangeiro de diplomatas ou portugueses exilados;
        2- traduções, adaptações e até imitações de obras literárias estrangeiras;
        3- importância da imprensa e circulação de jornais.
1- Deste modo, dava-se um relacionamento pessoal com o estrangeiro. Esta movimentação tinha dois sentidos:
. saída de diplomatas (Conde da Barca) bem como de exilados (Marquesa de Alorna) do país;
. entrada de estrangeiros, sobretudo generais, que vinham auxiliar o nosso exército, designadamente ingleses. Estas relações alargaram-se ao campo político e cultural. Alguns radicaram-se em terras lusas e foram portadores de novas culturas e novos gostos literários. Mas o mais importante é o primeiro sentido. Ao regressarem a Portugal, traziam consigo as novas tendências literárias em vigor na Europa. Mesmo quando não regressavam, escreviam cartas e mantinham relações com seus contemporâneos.
 
2- Este fator é de fundamental importância. Foram vários os nossos pré-românticos que verteram para português obras de autores ingleses e alemães. Essas traduções eram feitas ou diretamente da língua desses autores pré-românticos ou principalmente através de traduções do francês. Assim se tornava acessível à maior parte do povo o contacto com as culturas estrangeiras. Através deste contacto, vai-se transformando o gosto estético nas várias camadas de leitores. Nesta altura, o francês é razoavelmente  dominado pela classe média e burguesa. Essa língua gozava de grande importância entre nós.
Obras são traduzidas pelos nossos neoclássicos e que tinham sido escritas antes, revelando já uma sensibilidade próxima da sensibilidade pré-romântica. Quase todos os nosso pré-românticos traduzem: Bocage, Filinto Elísio.
As ideias e sentimentos de maior ressonância vêm por meio da cultura francesa. É desta que recebemos paradigmas e temáticas novas e importantes: bondade natural do homem; interesse pelo exótico físico e moral; fascínio pela Idade Média.
Outros autores franceses exerceram a sua influência em Portugal: Voltaire, Montesquieu, Diderot.
No fundo há a temática da inquietação, de temas que provocam perturbações.
 
3- O contacto com a Europa culta era feito pelos periódicos, daí a importância da circulação da imprensa. Nesses periódicos, colaboravam alguns diplomatas e exilados no estrangeiro. Além deles noticiarem a publicação de certas obras no estrangeiro, também publicavam extratos dessas obras.
Nesta altura, quer em Portugal quer na Europa, surge uma série de gazetas, como então eram designadas essas publicações. Nesses jornais e gazetas, passa a haver um espaço dedicado às artes e às letras.
Em Portugal, uma das mais importantes foi a “Gazeta Literária”, editada no Porto e que teve como iniciador o cônego Francisco Lima. Um dos recursos da gazeta eram as traduções de obras estrangeiras. Esta gazeta publicou-se entre 1761 e 1762 e abrangia todos os géneros de novidades não só literárias, como da medicina, ciências naturais, história, etnografia, assuntos eclesiásticos, notas críticas sobre obras publicadas. Eram novidades sobre o que de mais recente se ia fazendo na Europa.
Outra gazeta importante era o “Jornal Encyclopédico”, publicado em 1791 por Manuel Henriques de Paiva. É uma gazeta de cariz enciclopédico e dava conhecimento das últimas novidades filosóficas e científicas dos países cultos.
Outra gazeta, “Investigador Portuguez”, era publicada em Londres pelos emigrantes portugueses nesse país e teve uma duração mais extensa: 1811-1819. Esta destinava-se principalmente a exilados políticos portugueses e mantinha uma regularidade e abundância na informação cultural.

    Todos estes veículos por ele apresentados são bem fundamentados. No entanto, essas influências são insuficientes para explicar a receção dos princípios pré-românticos em Portugal. Falta a atenção que tem que ser dada ao processo de evolução interna da nossa literatura, pelo que não nos bastam essas razões. Daí a importância dada à teoria do professor Jacinto do Prado Coelho.
    Ao debruçar-se sobre as origens do Pré-Romantismo, Jacinto do Prado Coelho chama a atenção para outros fatores:
        i) Reconhece que as origens do Pré-Romantismo estão na literatura inglesa e na literatura dos países anglo-germânicos. Nesses países, ter-se-ão criado as condições propícias ao desabrochar em relação às influências na literatura portuguesa, mas entende que ele não é suficiente para explicar as transformações por que passou a nossa literatura e entende que não deve entender-se essa influência de modo exclusivo.

        ii) Por maior importância que tivessem tido as influências estrangeiras, as novas tendências só podiam ter boa receção em Portugal se para isso se tivessem criado condições favoráveis. Procura analisar fatores de evolução interna na nossa literatura, destacando as relações que podiam estabelecer-se entre o Barroco Tardio e alguns pendores da sensibilidade e estilo pré-romântico.
    Assim, conclui que as origens do Pré-Romantismo português foram um pouco comuns às do conjunto de outras literaturas ocidentais, devido a sintomas gerais da época. Está tão convicto desta tese que vai justificá-la através de textos e poesia da época.
    Um dos textos em que essa linha é levada em conta é intitulado A musa negra de Pina e Melo e as origens do Pré-Romantismo português.
    Apesar deste poema surgir bastante afastado das primeiras manifestações pré-românticas, nele já se encontra uma temática com muitas afinidades pré-românticas, como, por exemplo, o tema da noite, da morte, enfim a temática do "locus horrendus". O que há de curioso é que este tipo de poesia já coexistiu com a poesia arcádica, embora surgisse ainda como manifestação oculta, porque não tinha condições para ser bem aceite. Deste modo e até certo ponto, Pina e Melo prepara já o alvorecer do Pré-Romantismo.
    Jacinto P. Coelho vai desenvolver a sua teoria, salientando o surgimento de "novos sintomas de época", como:
        . primado da sensibilidade;
        . primado da inspiração;
        . primado dos impulsos afetivos;
        . primado das forças do instinto.
    Punha-se o "génio criador" acima das regras ditadas pelos clássicos.
    Esta nova sensibilidade não se faz sentir apenas na Europa, mas também se encontra antecipadamente em Portugal. Esta nova sensibilidade estende-se pela Europa, que vive condições propícias à sedimentação de novas tendências (o que vinha dar mais liberdade de expressão artística), mas o mesmo também se verifica, ainda que de modo não tão intenso, em Portugal. Caso evidente é a poesia de Pina e Melo.
    Essas novas tendências têm a ver com a influência de uma visão subjetiva das coisas. Na poesia em particular, essa visão subjetiva tende, por vezes, a ser simbólica, tende a procurar uma interpretação dos sentimentos e do mundo exterior. Sendo assim, estava o caminho aberto para a liberdade de imaginação, para a meditação e o devaneio. Daqui surgirem novos gostos, novas apetências, como, por exemplo, uma interpretação dos sentimentos e do mundo exterior. Sendo assim, estava o caminho aberto para a liberdade de imaginação, para a meditação e o devaneio. Daqui surgirem novos gostos, novas apetências, como, por exemplo, pela natureza solitária, pela morte, prefiguração da morte, visualização de cenários macabros, etc. Jacinto P. Coelho conclui que as influências da literatura inglesa e alemã poderão ter vindo acordar ou reforçar tendências já latentes, senão mesmo já expressas, da nossa poesia. "A sensibilidade melancólica, o fatalismo e o gosto de ser triste repassam a poesia quinhentista portuguesa, incluindo Camões", que se vai projetar largamente na literatura do século XVIII.

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