Para a explicação do aparecimento
duma poesia que glorifica o amor como sentimento capaz de transfigurar a pessoa
humana, têm sido apresentadas várias teses.
Afirmam uns que os poetas
occitânicos (provençais) terão conhecido a poesia clássica, sobretudo a Arte de Amar de Ovídio, e que terão
transposto alguns dos seus tópicos como o elogio das virtudes da mulher que
corresponderia ao elogio dos soberanos, o da nobreza de alma que conquista. No
caso do amor cortês, pela exaltação amorosa, o vilão poder-se-ia tornar cortês.
Todavia os antigos consideravam o amor como um elemento perturbador, enquanto
os trovadores cantavam o seu poder ideal.
Procuram outros encontrar
correspondência na poesia árabe, na qual perpassa um certo platonismo, exaltando
o amor ideal. Mas os árabes atribuem quer à mulher quer ao homem o grau de
sublimidade através da força do amor.
Ainda outros procuram no folclore o
fundamento para a explicação da poesia cortês. Não há dúvida de que as festas
pagãs da Primavera e das flores de Maio exprimem uma alegria erótica muito
forte que se casaria bem com o conceito de amor livre e anticonjugal da poesia
provençal. Mas o carácter aristocrático da canção provençal não pode ser
explicado apenas por essa influência popular. Há que encontrar outras
hipóteses.
A liturgia católica estaria na base
desta poesia. A Igreja sempre celebrou o culto de Nossa Senhora como a mulher
perfeita e ideal, diante da qual o cristão se deveria prostrar e à qual deveria
venerar. Mas o amor cortês cantado pelos provençais trazia consigo o estigma do
amor adulterino, o que obriga a encontrar ainda outras influências.
Ao mesmo tempo e no mesmo espaço –
na Provença – apareceu uma heresia poderosa que foi combatida, em tipo de
cruzada, pela Igreja, mas defendendo um conceito de amor muito próximo do dos
trovadores: os cátaros. Provinda do maniqueísmo, defendia a dualidade radical
dos seres: o bem e o mal, Deus e o Diabo. Rejeitando quase tudo o que a Igreja
Católica defendia, tinha uma concepção estranha acerca do casamento: os puros
ou perfeitos obrigavam-se a abster-se de todo o contacto com suas mulheres se
fossem casados, ou não casavam, os imperfeitos tinham o direito de se casar mas
viviam condenados pelos puros. O casamento era um pacto com o Diabo. Não
podendo excluir a união sexual, necessária para a continuação da espécie
humana, cantavam o amor livre, fora de todos os laços matrimoniais. Há,
efectivamente, uma relação entre o amor dos trovadores e o amor dos cátaros. Em
ambos os casos, procurava-se um esquecimento do corpo e a fuga ao amor
interessado do casamento. A aparição da amada perfeita – na teoria cátara, a
alma era bissexual antes de encarnar no corpo miserável – salvava o trovador,
abafando todos os desejos corporais. Mas há diferenças assinaláveis, porque os
cátaros afirmaram sempre a superioridade do homem sobre a mulher. Há que
procurar ainda outras fontes.
O afrouxamento da autoridade e dos
poderes traz uma possibilidade nova de admitir a mulher, mas a coberto duma
idealização e até de uma divinização do princípio feminino. O que só pode
avivar a contradição entre os ideais e a realidade vivida. A psique e a
sensualidade naturais debatem-se nesses ataques convergentes, nessas
condenações antitéticas, nesses constrangimentos teóricos e práticos, nessas
liberdades muito obscuramente pressentidas na sua fascinante novidade.
É no âmago dessa situação
inextricável, é como uma resultante de tantas confusões que aí se deviam ligar,
que aparece a cortesia,
"religião" literária do Amor casto, da mulher idealizada, com a sua
"piedade" particular, a joy d'
amors, seus "ritos" precisos, a retórica dos trovadores, a sua
moral da homenagem e do serviço, a sua "teologia" e as suas disputas
teológicas, os seus "iniciados", os trovadores, e os seus "crentes",
o grande público, culto ou não, que escuta aqueles e faz a sua glória mundana
em toda a Europa. Ora, nós vemos esta religião do amor que enobrece ser
celebrada pelos mesmos homens que
persistem em considerar a sexualidade como "vil"; e vemos frequentemente
no mesmo poeta um adorador entusiasta
da Dama, que ele exalta, e alguém que despreza a mulher, que ele rebaixa.
De
amor sei que dá facilmente grande alegria àquele que observa suas leis, diz
Guilherme, sexto conde de Poitiers e nono duque da Aquitânia, o primeiro
trovador conhecido, que morreu em 1127. Desde o princípio do séc. XII, essas
"leis de Amor" estão já portanto fixadas, como um ritual. São:
Mesura, Serviço, Proeza, Longa Espera, Castidade, Segredo e Mercê, e essas
virtudes conduzem à Alegria que é sinal e garantia de Vray Amor.