Português: A supremacia da mulher e a cantiga de amor

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A supremacia da mulher e a cantiga de amor

            No sul de França, a mulher dispunha de uma certa independência social e económica, que tem o seu reflexo na poesia provençal.
            Com efeito, a mulher é o centro do cantar de amor. Ao contrário do cantar de amigo, aqui a dama é sempre casada e, por isso, o trovador, quando se lhe dirige, usa uma espécie de código ou senha (senhal) – referência à cor dos olhos, do cabelo, expressões como "mia senhor", etc. – para evitar a sua identificação. Por isso, o retrato que nos é dado é de natureza genérica e pouco concreta: bela, devota, sabe falar e estar socialmente, é bondosa, meiga e cordata.
            Mas este amor cortês, puro, impõe um ritual bem apertado, à maneira da estrutura feudal: assim como o vassalo deve vassalagem e obediência ao seu senhor, também o trovador deve vassalagem e obediência à sua dama – ela é a sua suserana, ele seu vassalo. O trovador coloca-se abaixo da mulher cantada e que ele quer servir. Por isso se diz que esta relação é uma verdadeira relação feudal.


            Daí o trovador tratar a dama por "mia senhor"/"midons". Outras palavras ligadas ao feudalismo são: "liam" (vínculo suserano-vassalo // senhora-trovador), vassalo, serviço. etc. O amor é um serviço feudal que implica o mesmo ritual sócio-político e que vive da admiração recíproca.
            O trovador admira a sua dama, sobretudo as suas virtudes morais, a sua dignidade, a sua fidelidade. É um amor quase idólatra, um amor absorvente, torturado, saudoso, de um fatalismo passional.
            Vários são os elementos que contribuem, na Provença, para o nascimento deste hino amoroso: o clima ameno, a terra, fértil, o contacto com o Mediterrâneo e a sua abertura para as civilizações que por ali passaram. As suas gentes eram alegres, a paisagem verdejante, com horizontes a perder de vista. Tudo era favorável ao despertar do amor e desse lirismo de amor.

            A mulher que, na Grécia e em Roma, no paganismo, era até desprezada, considerada pior que uma besta (Séneca via-a como impudens animal), começa a ser reabilitada com o cristianismo e agora, no regime feudal, vai ser exaltada, endeusada, sobretudo no sul da Provença, onde ela gozava de uma situação privilegiada: herdava e possuía bens próprios e podia dispor deles, a seu belo prazer, independentemente do consentimento do marido. Era, afinal, uma espécie de compensação para os efeitos negativos que a guerra lhe trazia: o marido partia para a guerra e a mulher ficava só a enfrentar a vida.

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