No sul de França, a mulher dispunha
de uma certa independência social e económica, que tem o seu reflexo na poesia
provençal.
Com efeito, a mulher é o centro do
cantar de amor. Ao contrário do cantar de amigo, aqui a dama é sempre casada e,
por isso, o trovador, quando se lhe dirige, usa uma espécie de código ou senha
(senhal)
– referência à cor dos olhos, do cabelo, expressões como "mia
senhor", etc. – para evitar a sua identificação. Por isso, o retrato que
nos é dado é de natureza genérica e pouco concreta: bela, devota,
sabe falar e estar socialmente, é bondosa, meiga e cordata.
Mas este amor cortês, puro, impõe um
ritual bem apertado, à maneira da estrutura feudal: assim como o vassalo deve
vassalagem e obediência ao seu senhor, também o trovador deve vassalagem e
obediência à sua dama – ela é a sua suserana, ele seu vassalo. O trovador
coloca-se abaixo da mulher cantada e que ele quer servir. Por isso se diz que
esta relação é uma verdadeira relação feudal.
Daí o trovador tratar a dama por
"mia senhor"/"midons". Outras palavras ligadas ao
feudalismo são: "liam" (vínculo suserano-vassalo //
senhora-trovador), vassalo, serviço. etc. O amor é um serviço feudal que
implica o mesmo ritual sócio-político e que vive da admiração recíproca.
O trovador admira a sua dama,
sobretudo as suas virtudes morais, a sua dignidade, a sua fidelidade. É um amor
quase idólatra, um amor absorvente, torturado, saudoso, de um fatalismo
passional.
Vários são os elementos que
contribuem, na Provença, para o nascimento deste hino amoroso: o clima ameno, a
terra, fértil, o contacto com o Mediterrâneo e a sua abertura para as
civilizações que por ali passaram. As suas gentes eram alegres, a paisagem
verdejante, com horizontes a perder de vista. Tudo era favorável ao despertar
do amor e desse lirismo de amor.
A mulher que, na Grécia e em Roma,
no paganismo, era até desprezada, considerada pior que uma besta (Séneca via-a
como impudens animal), começa a ser
reabilitada com o cristianismo e agora, no regime feudal, vai ser exaltada,
endeusada, sobretudo no sul da Provença, onde ela gozava de uma situação
privilegiada: herdava e possuía bens próprios e podia dispor deles, a seu belo
prazer, independentemente do consentimento do marido. Era, afinal, uma espécie
de compensação para os efeitos negativos que a guerra lhe trazia: o marido
partia para a guerra e a mulher ficava só a enfrentar a vida.
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