A
composição poética, composta por quatro sextilhas de rima cruzada nos primeiros
quatro versos e emparelhada nos dois últimos (ABABCC) e versos eneassílabos,
aborda a temática da dicotomia entre o sonho e a realidade. Esta
temática é consentânea com o conceito de arte que caracteriza o Modernismo,
enquanto experimentação para recriar a vida, criando uma realidade nova.
O
assunto consiste na constatação, por parte do sujeito poético, de que a
felicidade está presente no interior de cada um e não na nostalgia de um passado
que se desvanece.
O
poema pode dividir-se em três partes.
A
primeira corresponde às duas primeiras estrofes, nas quais o sujeito
poético, cheio de esperança, sugere a possibilidade (advérbio “talvez”) de
alcançar a felicidade através do sonho, como se pode comprovar através das
expressões que o caracterizam: “terra de suavidade” (v. 3), “ilha extrema do
sul” (v. 4), “palmares” (v. 7). De facto, o sujeito poético imagina (sonha) uma
ilha distante, serena e agradável (“suavidade”), repleta de árvores (como
palmeiras), onde a felicidade, a juventude e o amor são possíveis. A antítese
do verso 1 (“Não sei se é sonho, se realidade”) sugere a incapacidade de
distinguir o sonho da realidade e exprime a oposição entre os dois elementos,
entre o mundo imaginado e o mundo real. O «eu» procura a felicidade, recorrendo
ao sonho como fuga à realidade.
Este
lugar é um misto de sonho e vida (v. 2), um espaço longínquo, exótico e
indefinido, separado do mundo real, que acarreta sossego e calma, serenidade,
juventude e alegria/sorriso, e representa a felicidade absoluta, tudo nele se
opondo à realidade e ao quotidiano. De facto, aparentemente, esse espaço
constitui a materialização do paraíso perdido que proporciona a felicidade e o
amor, como se pode constatar pelas metáforas/imagens exóticas de
“palmares” e “áleas longínquas”.
Esta
ideia é reforçada nos dois versos finais da primeira estrofe, os quais
enfatizam a ideia de que é possível que exista uma ilha, situada entre o sonho
e a realidade, na qual reina a felicidade. O adjetivo “jovem” e a forma verbal
“sorri” associam-se à musicalidade sugerida pela repetição do advérbio locativo
“ali”, reforçando as características paradisíacas e de exceção daquele espaço. A
personificação do verso 6 (“A vida é jovem e o amor sorri.”) enfatiza o
caráter idílico da ilha do sul, onde há juventude eterna e o amor acontece,
contrariando a solidão, ilha essa esquecida entre o sonho e a realidade, na
qual reina a felicidade. Em suma, a ilha simboliza o sonho, a
felicidade, o paraíso desejado: terra de suavidade, com palmares, áleas, sombra
e sossego, onde a “vida é jovem e o amor sorri”.
No
entanto, a segunda estrofe parece introduzir uma certa incerteza: será possível
efetivamente concretizar o sonho, viver aquela forma de felicidade (atente-se
na repetição do advérbio de dúvida “talvez”, que sugere essa mesma
incerteza). Além de incerto, o ideal procurado afirma-se já como ilusório,
ideia sugerida pelas metáforas “palmares inexistentes” (v. 7) e “Áleas
longínquas sem poder ser” (v. 8) e confirmado pela interrogação do verso 11:
“Felizes, nós?”. Estas duas metáforas e a do verso 4 (“ilha extrema do sul”),
por um lado, simbolizam o sonho em busca da felicidade desejada, mas inacessível
e, por outro, recriam o espaço de utopia, “a terra de suavidade”, produto da
idealização.
Nas
duas primeiras estrofes, nota-se a alternância entre o uso da 1.ª pessoa do
singular (“Não sei”), traduzindo a reflexão pessoal do sujeito poético, e do
plural (“ansiamos”), que generaliza a reflexão a todos aqueles que sonham,
incluindo o próprio sujeito poético.
A
terceira estrofe constitui o segundo momento do texto, que
traduz o desalento provocado pela consciência da impossibilidade de alcançar a
felicidade no sonho. A conjunção coordenativa adversativa “mas”
que a inicia, que tem um valor de oposição ou contraste, contraria a noção de
felicidade absoluta sugerida inicialmente, desfazendo a dúvida entretanto
introduzida, o que deixa o sujeito poético desiludido, desanimado e desalentado
ao constatar que é impossível vivenciar a felicidade no sonho, por causa do
caráter efémero do bem (“não dura o bem” – v. 18), como consequência do
pensamento. Assim, a incerteza que se foi instalando na segunda estrofe dá
lugar à certeza da imperfeição que caracteriza aquele lugar idealizado pelo
“eu” e a sua desilusão fica bem evidente com o recurso à interjeição do
verso 17: “Ah”. De facto, “Sob os palmares” (v. 15) “Sente-se o frio” (v. 16).
Por
outro lado, o primeiro verso da terceira estrofe confirma que o sonho não é
realizável, pois, assim que fosse concretizado, deixava de o ser, logo a
concretização é falsa: “Mas já sonhada se desvirtua” – v. 13). Desiludido, o sujeito
poético reconhece que o local também é marcado pelo “frio” e pelo mal, que não
é um lugar perfeito. Atente-se na antítese “O mal não cessa, não dura o
bem” (v. 18). O facto de pensar na ilha destrói o seu caráter idílico, pois o “mal”
é permanente, não cessa, e o “bem” é efémero.
A
terceira parte compreende à quarta estrofe e nela encontramos as
conclusões do sujeito poético, que veiculam uma ideia oposta à inicial: afinal,
não é no sonho que podemos encontrar a felicidade, mas no interior, no íntimo
de cada um de nós (“É em nós que é tudo” – v. 23). Deste modo, a felicidade
deixa de fazer sentido num lugar exterior ao indivíduo ou na ilusão do sonho
(enquanto fuga à realidade) para poder ser materializada no interior do ser
humano. Só a nossa ação nos permitirá ser felizes.
As
metáforas dos versos 19 e 20 (“Não é com ilhas do fim do mundo, / Nem
com palmares de sonho ou não”), associando a ilha ao sonho, dado que os locais
exóticos são considerados espaços de evasão, de fuga à realidade, sugerem
precisamente que não é no sonho que encontramos a felicidade: “Que cura a alma
seu mal profundo, / Que o bem nos entra no coração” (vv. 21-22). A antítese
presente nestes dois últimos versos realça a inoperância do sonho e a imposição
do real sobre o imaginário.
Onde
reside então a felicidade? A felicidade está no íntimo de cada ser humano, está
dentro de nós mesmos, não em sonhos distantes: “É em nós que é tudo.” (v. 23). Note-se
que esta ideia remete para a procura de si mesmo. “É ali, ali, / Que a vida é
jovem e o amor sorri.” (vv. 23-24): o sujeito poético começou por colocar a hipótese
de encontrar o sonho e a felicidade na “ilha”; depois anulou essa
possibilidade, considerando que, uma vez atingido, o sonho deixa de o ser
(verso 13); por último, na derradeira estrofe, conclui que aquilo que
procuramos se encontra em nós, no interior de cada pessoa, e no nosso mundo e
não no sonho. Note-se a presença insistente do advérbio com valor locativo
«ali» que, no verso 3, se refere à “terra de suavidade”, no 4, à “ilha
extrema do sul”, e, na última estrofe, ao “nós”. Ou será que o poema apresenta
uma estrutura circular e, no final, regressa ao ponto de partida e ao sonho?
Para
atingir o absoluto, a plenitude, o ser humano necessita de ultrapassar as suas
próprias limitações, as quais geram o mal-estar, “assumindo a tensão produzida
pelas contingências da vida. A dicotomia sonho-realidade é representada por
dois mundos cujas fronteiras às vezes se tocam e o ser humano, na sua busca
contínua pela felicidade absoluta, tem tendência a divagar entre os dois,
oscilando entre as vivências vividas e as vivências sonhadas.”
(Resumos Clássicos, Conceição Coelho e Maria de
Fátima Santos)