Esta composição poética é constituída por seis quadras (de notar que o uso da quadra é uma marca «popular» da poesia pessoana) de versos octossílabos e rima cruzada, de acordo com o esquema abab, sendo de salientar a existências de duas irregularidades: a rima toante em "ceifeira" e "cheia" e a rima forçada entre "eu" e "céu".
          O 
assunto do texto gira em torno do confronto entre a pessoa de uma ceifeira que o sujeito poético vislumbra fugazmente e ele próprio. Note-se que não há qualquer referência concreta à ceifeira que a individualize (por exemplo, nome, rosto...), o que sugere esse carácter fugaz da «visão» tida pelo SP.
          Em suma, estaremos perante um 
instantâneo constituído por:
               
. uma ceifeira;
               
. um dia luminoso de Verão (v. 6);
               
. o canto da ceifeira (vv. 1, 3, 8, 11);
               
. o trabalho da ceifa enquanto canta (vv. 3, 10).
          O 
tema do texto é a 
dor de pensar, de ser racional, lúcido, do qual derivam outras temáticas tão caras ao ortónimo:
               
. a consciência da efemeridade da vida;
               
. o tédio existencial;
               
. a dispersão e o aniquilamento finais.
          A nível da 
forma, estamos perante um poema constituído por seis quadras (o uso da quadra é uma marca «popular» da poesia pessoana) em versos octossílabos ("E / la / can / ta / po / bre / cei / fei/"), com rima cruzada, segundo o esquema 
a b a b.
          Nas três primeiras estrofes (
1.ª parte), encontramos a 
descrição da ceifeira e do seu canto. Com efeito, ele vislumbra uma ceifeira a cantar, sinónimo (aparente) de alegria, felicidade, suavidade, serenidade, inocência e espontaneidade. No entanto, em simultâneo, a descrição é marcada por notas dissonantes: ela é "pobre" (isto é, "infeliz", "coitada") e a sua voz encontra-se cheia de dor, de amargura disfarçada ("... e a sua voz, cheia / De alegre e anónima viuvez" - vv. 3-4 - nota para a metáfora e o paradoxo). Deste modo, o canto da ceifeira, que aparentemente exprime sentimentos eufóricos, revela, na perspectiva do sujeito poético, superficialidade, irreflexão e inconsciência, ideia comprovada na terceira quadra.
          Este quadro provoca uma reacção antitética no sujeito poético: por um lado, alegra-se por a ver feliz, graças à sua voz alegre e cheia de vida que o encanta e prende; por outro lado, entristece, pois sabe que, se a ceifeira tivesse consciência do seu mundo, da sua situação, não encontraria motivos para cantar. No entanto, "canta como se tivesse / Mais razões para cantar que a vida" (
comparação), só que o sujeito poético vê na sua voz 
"curvas", 
metáfora que poderá sugerir a ondulação, a suavidade do seu canto, bem como enigmas, dificuldades; vê ainda 
"o campo e a lida", isto é, o trabalho árduo, excessivo e nal remunerado, o sofrimento, o rebaixamento do ser humano, a mulher transformada em instrumento de produção. Como se explica, então, que, não obstante este quadro, ela continue a cantar? Sucede que a ceifeira não reflecte (na sua vida), logo é inconsciente, e é esta inconsciência que justifica o seu canto e a sua alegria.
          A segunda parte do poema abarca a 4.ª, a 5.ª e a 6.ª estrofes, nas quais o sujeito poético menciona os efeitos da audição do canto da ceifeira em si.
          Na quarta estrofe, começa por confessar a submissão em si do sentimento à razão, que conduz à dor de pensar: 
"O que em mim sente 'stá pensando" (v. 14). Dito de outra forma, a sua racionalidade está na base da sua incapacidade de sentir, o que revela um contraste profundo entre ele e a ceifeira: ela é feliz porque inconsciente; pelo contrário, o sujeito poético é infeliz porque consciente (pensa).
          Esta constatação leva-o a formular um desejo impossível, dirigido à ceifeira, para que continue a cantar, mesmo "sem razão", e que derrame dentro dele o seu canto. Por outro lado, deseja transformar-se nela e possuir a sua inconsciência, mantendo a sua própria consciência, 
paradoxo que revela a impossibilidade de concretização desse desejo.
          Verificada a impossibilidade de ser inconscientemente alegre, como a ceifeira, o sujeito poético invoca (
apóstrofe) o céu, o canto e a canção pedindo-lhes que entrem por ele dentro, disponham da sua alma como sombra própria e o levem. Perante a dor de pensar que o atormenta, o sujeito poético manifesta o desejo de dispersão, de aniquilamento - traduzido pelo recurso ao 
imperativo e pela 
gradação (
"entrai", "tornai", "passai"), bem como pela 
personificação daqueles três elementos - , que culmina no derradeiro verso do poema, de alguma forma 
eufemístico: 
"Depois, levando-me, passai".
          Em suma, frustrada a possibilidade de possuir a alegria inconsciente com a 
"consciência disso" da ceifeira e porque 
"a vida é tão breve" (referência à temática da brevidade / fugacidade da vida), o sujeito poético entreg-ase aos responsáveis pela alegria da ceifeira (o ceú, por onde o canto se espalha; o campo, sinónimo do seu trabalho, e a canção, reveladora da sua alegria inconsciente), sabendo de antemão que o seu caso é insolúvel. Procura, então, um anestésico para a sua dor de pensar, a sua incurável angústia: a dissolução, o aniquilamento.
          Em suma, o poema revela-nos uma dupla 
perspectiva sobre a existência / vida:
               
» o sujeito poético é infeliz porque pensa, porque racionaliza em excesso: 
"O que em mim sente 'stá pensando"; daí que ele inveje, admire e deseje a serena e alegre inconsciência da ceifeira;
               
» esta, por sua vez, julga-se feliz, porque apenas sente, não racionaliza, não intelectualiza a sua realidade, as suas emoções, o que leva o sujeito poético a exclamar 
"Ah, canta, canta sem razão!" e a desejar 
"Ter a tua alegre inconsciência". Deste modo, a ceifeira e o seu canto constituem a 
metáfora da felicidade inatingível.
          Além disso, a sua figura simboliza:
               
» a simplicidade da vida;
               
» a identificação com a terra;
               
» a possibilidade de o sujeito poético ser feliz, caso possuísse a alegre inconsciência dela.
          O poema oscila entre a 
objectividade e a 
subjectividade: